A Garganta da Serpente

Cristine Calil Kores

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Lágrimas de ironia

(Cristine Calil Kores)

Isso não é um sorriso. Isso são lágrimas sufocadas pelos soluços escondidos. Escondidos pela risada, pela ironia.

São lágrimas de tristeza, de desilusão. Desilusão pela necessidade de crer. Foi escolher algo impossível para crer. Consigo ler essa ironia em seus olhos. Agora cintilantes pelas lágrimas que não conseguia mais sufocar. Mas esconder de quem? De seus amigos, de sua família? Mas por que? Eles não entenderiam? Não. Não entenderiam o motivo de suas lágrimas. O motivo que apenas ela conhecia. O motivo que estava dentro dela, sufocado pelas suas lágrimas. Lágrimas sufocadas pelo motivo do desespero, da derrota, da tristeza, da desilusão.

Algo irônico. Algo pelo qual não esperava quando escolheu esse objetivo para alcançar. Um objetivo que poderia ter sido como um sonho. Mas que apenas a fez ver que não pode confiar em ninguém, acreditar em ninguém, amar ninguém. Todos têm duas faces, e é impossível saber qual a face verdadeira, a face virada para o coração. Máscaras que são trocadas a todo minuto, a toda situação. Pessoas sem opinião, sem conceito, sem moral. Pessoas volúveis, manipuladas e manipuladoras. Pessoas interesseiras, que não eram quem ela esperava que fossem. Pessoas que a fizeram ver o mundo de um lado cinza, escuro, frio.

Mas agora estava decidida. Iria acabar de uma vez com essa situação. Não conseguia mais ver aquelas máscaras hipócritas. Não. Não aguentaria tudo aquilo mais uma vez.

Já era noite. Uma noite fria, de lua cheia. Não conseguia ver estrelas, apenas aquela neblina fria e sem cor.

Mas ela não sentia mais frio. Não sentia mais tristeza, nem remorso, nem raiva. Não acreditava em mais nada. Acreditava apenas no que queria acreditar. No que queria ver. No que queria sentir. Mas naquele momento, não queria pensar nem sentir nada. Queria apenas dormir. Dormir um sono sem sonhos, sem mascaras, sem disfarces, sem hipocrisia.

Mas ela não conseguia não pensar. Mais do que nunca, pensava nas pessoas que um dia amou, que um dia foram importantes para ela. Será que sentiriam sua falta? Mas era tarde. Estava decidida. Já estava tudo preparado, não podia voltar atrás. Pegou o frasco. Olhou para o copo d'água. Ainda poderia voltar atrás. Não, não poderia. Resolveu ir adiante com isso. Tomou metade do conteúdo do frasco. Ouvira que um comprimido, no máximo dois já faria efeito, mas por precaução, resolveu tomar mais, assim não teria erro. Seria suficiente? Descobriria. Bebeu a água, mais amarga do que nunca naquela noite.

Sentia-se sonolenta. Os minutos custavam a passar agora. Pensava no que as pessoas diriam. Pensava nas pessoas tentando adivinhar seus motivos. Será que descobririam? O que quer que fosse, estava dentro dela, e acabara de partir junto com ela, e com suas lágrimas. Não importava mais. Era tarde.

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