A Garganta da Serpente
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Um a zero

(Eduardo Sigrist)

A moeda de dez centavos, que com dificuldade passou pela abertura do vidro, era quase tão insignificante quanto a mão preta que a agarrou. "Deus te abençoe, dona." Não tinha jeito, fazer malabarismo com aqueles desnutridos limões não ia matar a fome do garoto. Ele precisava de algo que tocasse o coração dos motoristas. Sim, o coração! Enfiou os dedos entre as costelitas e, com um puxão, deu à luz o bichinho. Mas era só um, que graça ia ter jogar o bruto pro alto? Com mais uma escarafunchada, arrancou o fígado e um rim. Agora, sim.
Sob o sinal vermelho, começou a dança daqueles estranhos objetos. As pessoas, no entanto, olhavam assustadas e, com uma careta, lhe negavam dinheiro. Brincar com os pulmões, o pingolim e os olhos tampouco resultou em algum trocado. Para incrementar a apresentação, o moleque tentou pular corda com as tripas enquanto equilibrava a bexiga no nariz. Acabou se enroscando todo e se desmanchou no chão.
Uma moeda, agora de um real, foi jogada na sarjeta, junto aos cacarecos que um dia foram um menino de rua. Meio deslocada e sem jeito, em cima de uma bosta de cachorro, a boca murmurou: "Deus te abençoe, dona". Mas o carro já tinha partido.

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