"...Então Flora estava atada à árvore, com cordas
grossas e apertadas, e depois do chá que os índios lhe deram,
ela adormeceu.
Adormeceu esperando que sua ação benéfica causasse um
grande impacto na sociedade, que despertasse a consciência das entidades
para as questões sobre a preservação da natureza e atingisse
as mentes e os corações das pessoas, desde as mais simples até
as mais sofisticadas. Adormeceu desejando que as grandes indústrias acabassem
com toda e qualquer extração ilegal de árvores pois, uma
vez satisfeitas com o lucro já obtido, voltariam seus objetivos para
a manutenção e preservação do "ouro verde",
do mogno, da Floresta Amazônica, de todas as outras florestas. Adormeceu
sonhando que seu pequeno gesto seria reconhecido como um sinal de que o ser
humano teria que mudar, teria que se tornar mais humano, mais generoso, e mais
preocupado com o bem-estar e saúde de seus semelhantes, das plantas,
das árvores, dos animais, dos oceanos, das estrelas e de toda a Criação.
No seu sonho fantástico, Flora sentia-se aquecida pelas ideias
reconfortantes, recheadas de esperança e promessas de boas coisas. E
um sentimento amoroso, doce e nobre misturou-se a uma sensação
morna e macia que tomou seu corpo como o abraço de um amante. Sentiu
como se as cordas grossas que a ligavam à árvore centenária
se transformassem em braços e pernas acolhedoras, calorosas, e a envolvessem
como num abraço firme e pleno de amor.
Sim, ela sentia o tronco espesso, áspero e rústico da árvore
entrar na sua carne, penetrar-lhe suavemente. A um só tempo, uma dor
e um imenso prazer. A dor profunda da ameaça de destruição
e o prazer da mais íntima união.
Ouviu o choro da árvore. Compadeceu-se e juntou suas lágrimas
às da árvore, em clamor pela vida. Gritavam forte e alto pela
sobrevivência, pela permanência, pela existência. As lágrimas
da árvore se misturavam ao sangue que vertia de cada célula, de
cada desejo de redenção. As lágrimas, o sangue, o brado
pela salvação das espécies.
Um sufocamento. Flora prendia o choro, prendia o fôlego, não conseguia
mais respirar. Os braços quentes e grossos sentia agora deslizarem e
apertarem ainda mais seu corpo frágil ao tronco do mogno. Sua carne era
uma só carne com o tronco da árvore. Misturadas, entrelaçadas,
destinadas uma à outra, sufocadas, abafadas. Flora não respirava.
Entregava-se a uma simbiose perfeita, ao grau máximo de excitação
que essa junção, essa fusão, essa comunhão podia
proporcionar a alguém. Sentiu o prazer orgástico poderoso, prolongado.
Ela e a árvore eram uma só carne e um só espírito.
Flora expirou.
Pelo estado dos ossos, os índios concluíram que só podia
ter sido a sucuri do mato, prima da sucuri do lago, irmã má do
Boitatá, que mora nas profundezas das florestas e que sai matando sem
misericórdia qualquer um, seja bom, seja mau..."