Cansado, o coração batendo forte. Pela primeira vez ele podia
contar as batidas contra seu peito. Da mesma forma que pistoleiros da ficção
alegavam fazer. Talvez isto ocorra quando se impunha uma arma. Tal como a que
ele tinha nas mãos agora e acabara de usar para disparar contra pessoas
pela primeira vez na vida.
Era melhor ele afastar estes pensamentos de sua mente agora, já não
bastasse estar velho... É deve ser a idade. Se fosse mais novo não
se sentiria tão cansado.
Por outro lado o medo o teria paralisado? Foi por isso que deixou esta ideia
maturar ao longo de uma vida sem nunca parar para pensar muito, como numa fantasia
impossível, que ele torcia em segredo, a fim de que nunca se realizasse.
Foi a seis meses que ele descobriu pelos médicos que seu câncer
atingira um ponto em que não haveria forma de cura, apenas uma esperança
de prolongar um pouco sua vida.
Deitado num leito de hospital?! De forma alguma!
As dores poderiam ser aplacadas com uso de medicamentos. Os últimos dias
poderiam ser angustiantes, mas até este momento crítico nada mais
seria afetado. Poderia seguir sua vida normalmente. Por mais um ano talvez.
Foi o que o médico lhe disse.
Impossível!
Não depois desta notícia.
Caminhou sem rumo pela rua por um tempo, após sair do consultório
até recuperar-se do choque. Procurou colocar tudo sob um prisma positivo
concluindo que de fato já fizera tudo de importante que sempre esperou
realizar.
Foi quando a fantasia despertou dos recantos de sua mente, a mesma que cada
vez mais ele tentara afastar da realidade. Mas era tarde demais, um sentimento
de incompletude e não-realização se apossou dele.
Não que tudo que ele fez na vida tivesse sido em vão, mas ainda
faltava algo.
Retornou para casa sentindo-se bem consigo mesmo, contente e disposto a aproveitar
o pouco que lhe restava neste mundo.
Não era preciso contar nada à esposa nem a mais ninguém.
Estava em paz com seu destino e condolências alheias não eram necessárias.
Ligou para seu médico e pediu sigilo. Era como um sonho bom, para onde
ele queria regressar após ter acordado antes da hora e que sabia que
abandonaria em breve, mas do qual nunca se esqueceria.
Não foi difícil se aproximar do congresso na hora em que os deputados
saiam de mais uma sessão especial onde nada havia sido decidido.
Estava certo de que ao menos 6 já haviam morrido. Um deles, notório
corrupto.
Ele tinha feito tudo que um homem honesto poderia querer fazer numa vida. Visitou
quase todos os lugares que desejou visitar, amou uma mulher, teve filhos, adquiriu
uma boa condição de vida. Mas, e depois? Será que sua passagem
pelo mundo deixaria marcas? O que de concreto ele fez para melhorar a vida das
pessoas ao seu redor?
Era bem provável que seus filhos e netos seguissem lutando para sobreviver
neste mundo cada vez mais duro e injusto.
De quem era a culpa?
Pena ter sido obrigado a chegar tão perto. Nos treinos com alvos e nos
jogos eletrônicos era bem mais fácil.
Esperava poder fugir dali para seguir semeando o medo dentre os fantoches do
poder que não tinham mais vergonha de mentir e iludir um povo já
sem esperanças.
Por sua vez, ele acostumou-se a ver a morte norteando seu horizonte nos últimos
meses. Não havia mais medo.
Logo seus familiares saberiam do ocorrido e ficariam chocados. No entanto ele
também cuidou para que os trâmites legais após sua morte
fossem facilitados. Incluindo documentos e fitas de vídeo atestando,
com provas, de que tudo havia sido arquitetado por ele sem auxílio de
mais ninguém.
Lembrou-se de como vivera feliz após saber da proximidade de sua morte.
Apreciando cada momento e sensação.
Seria mais difícil do que imaginara sair do seu esconderijo improvisado
sem matar nada além de deputados corruptos.
Mas não pretendia matar um desconhecido contra o qual ele nada tinha
a dizer.
Logo chegaram mais homens para cercá-lo. Perderam o medo ao notar que
ele não respondia aos disparos de forma eficaz.
Não havia mais o que ele pudesse fazer. A esta altura o restante dos
animais que gostaria de abater já estava longe e em segurança.
Era chegado o momento e ele teve de acordar do sonho, mas ele havia optado por
fazê-lo na hora que escolhesse.
Um único disparo contra a têmpora. Um despertar repentino.
Levara a pistola pensando principalmente nisto.
Ele avisou que não se renderia.
No fim das contas 6 para 1 era um bom saldo, ainda que sua ação
e seu manifesto - deixado num e-mail que já devia estar circulando a
rede - não levassem mais ninguém a seguir seus passos. Ele estava
contente consigo mesmo.