Já é final de novembro e estamos atravessando uma seca terrível.Até
parece que estamos no nordeste.Só se fala nisso e a preocupação
faz sentido, pois os nossos reservatórios estão secando e em alguns
bairros e municípios da Grande São Paulo já está
havendo racionamento,ou seja,cortam a água a cada 36 horas.Parece uma
arbitrariedade, porém é a única maneira de fazer o povo
economizar o precioso liquido.
Pedimos tanto por chuva que, se Deus atender a todos os pedidos, teremos um
segundo Dilúvio.Quem será o próximo Noé?
Falar tanto em chuva fez-me lembrar de um episódio interessante ocorrido
nos anos 40.
TEATRO
SANTANA - São Paulo
Janeiro de 1947 - A Companhia Dulcina e Odilon, estreia, no Teatro Santana,
a peça Chuva (Rain) de Somerset Maugham.
Peça originalmente conhecida como "Miss Thompson",teve
várias versões filmadas por Gloria Swanson,Joan Crawford e Rita
Hayworth.
Era o grande sucesso da época e na Broadway foi encenada como RAIN (Chuva)
.Dulcina resolve encená-la também com o mesmo nome.
CHUVA
(Rain)
Por causa de um forte temporal, um pequeno navio a caminho da Austrália
é obrigado a atracar em Bora Bora,uma ilha no Oceano Pacifico.A tripulação
e os passageiros, entre eles vários soldados americanos, o fanático
Revendo Alfred Davidson com sua inexpressiva mulher e Sadie Thompson, uma vistosa
e alegre prostituta, se hospedam no único hotel da ilha.Ficam todos na
expectativa de que o tempo melhore para seguir viagem.
Durante os dias em que ficam na ilha, Sadie tenta conquistar o reverendo, mas
ele se defende usando todos os argumentos e até procura convencê-la
a deixar aquela vida de pecado.Finalmente, vence a tentação e
Sadie consegue atrair Davidson para uma noite de amor.
No dia seguinte o sol aparece e todos se preparam para partir.Sadie é
a primeira a sair, dando grandes gargalhadas, aos beijos e abraços com
Phil O'Hara, sua nova conquista.
Todos procuram pelo reverendo Davidson e,depois de exaustivas procuras,encontram
sem corpo sem vida.Ele havia se suicidado.
NO
PALCO DO TEATRO SANTANA (SP)
Dulcina fez uma magnífica montagem da peça. O cenário belíssimo
representava o hall do hotel, as grandes janelas com cortinas de bambu, através
das quais se avistava uma paisagem com coqueiros e palmeiras bem típicos
da ilha.
Por um dispositivo que funcionava ininterruptamente, a água caia, como
chuva verdadeira, imitando também o som dos trovões e dos relâmpagos.
Era uma cena perfeita.
Dulcina esbanjava interpretação.Era uma excelente atriz.Tinha
um corpo escultural e Sadi Thompson foi o papel ideal para mostrar-se por inteira.Num
vestido*justíssimo e com um cinturão largo de verniz preto, um
enorme e exagerado chapéu, meias pretas,sapato vermelho bem alto e uma
sombrinha também chamativa,fazia a plateia simultaneamente,odiar
e amar aquela prostituta.O resto do elenco desempenhava corretamente seus papeis
e Odilon,como Reverendo Davidson,também se destacava.
NA
CIDADE DE SÃO PAULO
O verão já havia chegado e esperava-se, como sempre, um calor
abrasador, pois a cada ano, notava-se um aumento considerável da temperatura
e as chuvas, tão características da estação, eram
sempre bem vindas depois da estiagem dos meses anteriores..
Naquele ano, porém, coincidência ou não, no mesmo dia da
estreia de Chuva, desaba um temporal na cidade, causando muitos
estragos e por pouco, Dulcina não estreia a peça.Por isso
o espetáculo começou com bastante atraso, dando tempo para que
os espectadores pudessem chegar a tempo e não perder parte da peça.
Chovia diariamente no palco do Teatro Santana.Chuva artificial que durante mais
de uma hora envolvia o público na trama de Somerset Maugham e que terminava
ao raiar de um lindo dia de sol.
O mesmo não acontecia na cidade de São Paulo. Janeiro e Fevereiro,
exatamente nos dois meses da temporada de CHUVA, não parou de
chover de verdade um dia sequer.Nesses dois meses de férias escolares,
a cidade ficou parada, esperando dia a dia o aparecimento do "astro rei".
Os comentários eram muitos e os supersticiosos faziam mil conjecturas.Como
dizem os espanhóis; "Yo no creo em brujerias, pero que las hay,
las hay" e CHUVA e Dulcina levaram a culpa.
A imprensa pedia o cancelamento da peça, dizendo que era um castigo por
causa da temática de Maugham.
"Dulcina, pelo amor de Deus, mude de repertorio", gritavam
as manchetes.
Ignorando esses comentários malévolos, Dulcina terminou sua bem
sucedida temporada com mais uma noite chuvosa, que se transformou em uma madrugada
cheia de estrelas e São Paulo, finalmente, amanheceu com um lindo dia
de sol, sem nenhuma tragédia, apenas lamentando o final de um verão
que não houve.
*Lola,minha irmã, e eu não conseguimos lembrar as cores do vestido
da Sadie Thompson.
Seria preto com bolas vermelhas ou seria vermelho com bolas pretas?
Eu acho que era branco com bolas vermelhas, ou seria vermelho com bolas brancas
?
"In dúbio pro réu" : Resolvemos então optar por
uma saia de cetim preto bem justa e blusa branca com bolas vermelhas, mas o
cinto era largo e de verniz preto, tenho certeza !
Lola também.
CURIOSIDADE
Até o final dos anos 40, os teatros funcionavam diariamente, menos ás
segundas feiras quando então era afixado nas bilheterias um cartaz dizendo
: "Hoje, descanso da companhia".
(dezembro de 2003)