A Garganta da Serpente
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Torre de prata

(Cris Oz)

Um vazio imenso. Um grande sentimento de que nada mais poderia ser feito. Era isso. Do alto da velha torre fitava a tarde que nos últimos dias de inverno insistia em permanecer fria e nebulosa. Como sempre, a cidade abandonada. Todos se escondiam, como se a neve ainda caísse pesada do céu. Talvez a desolação ou o medo de perceber uns nos outros o próprio reflexo, algo que afastava toda a gente.

Sabia que ali ninguém o veria e era exatamente o que precisava. Sentir-se ainda mais só para decidir-se. Então quando estava resoluto do fim, o sino da torre retiniu atordoando novamente a sua vontade.

Seria aviso de algum deus ou o canto de vitória do barqueiro? Não podia mais pensar. Agora bem de fronte ao prédio um gato lambia-se languidamente indiferente a tudo. Estava ali e sua presença interferia no cenário. Mesmo quase sem poder vê-lo tão longe estava, parecia que todos os movimentos do felino transmutavam o ar a sua volta de modo a atingi-lo em ondas febris.

Mas o que poderia ser feito? Logo a exígua movimentação iniciaria seu ritual e o engenho não seria mais surpresa.

Os segundos posteriores ao vislumbre do animal pareciam longos minutos e a decisão não era concretizada. Poderia descer e atacar o bichano espantando quem o perturbava mas o tempo se esgotaria. Pensava melhor e ria de si mesmo ante a preocupação com uma testemunha débil que nada entenderia. Mas quem duvidaria depois de saber a real natureza dos gatos.

Já faziam dois quartos de hora que estava em pé olhando aquele bicho que parecia lhe observar agora, e isso era um incomodo ainda maior. Não tinha coragem para descer da janela da torre nem para finalizar a tarefa para a qual se dirigira na madrugada.

Realmente a coragem que lhe aflorara no momento de raiva e angústia esvaíra-se e não conseguia admitir que o causador fosse um animal mas também não queria nomear-se covarde. Quem sabe que o ímpeto é uma força passageira compreenderia a situação. Porém agora uma ou outra janela era aberta e o sol aparecia no horizonte. O momento havia passado e mesmo assim, sentou-se no parapeito da janela e pensou em novas possibilidades. Talvez realmente não fosse uma boa manhã para a empreitada.

O sino de prata, tão antigo quanto a cidade, soou novamente. Mais de uma hora havia transcorrido desde que subira a torre. Agora lembrava-se das histórias sobre o sino. Dizem que a prata é o único material capaz de eliminar certas criaturas maléficas. Mas quem pode afirmar que algo o queria eliminado? Talvez aquela hora nem lembrasse o motivo da subida.

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