A felicidade é um peixe para não apanhar,
mas para se deixar molhar os pés.
Eles falam no leito. As imagens falam também porque querem contar a
mesma história que todos os corações tentar contar sem
palavras.
Não falam com a boca, mas com a misteriosa linguagem das peles quando
eram transparentes e quase líquidas, suspensas como uma árvore
silenciosa que tem as suas raízes numa terra tão antiga que os
homens eram peixes procurando o ar da água.
Mexe o maço. Diz, Quero ficar a lua sob o nosso teto, para a verem pela
janela desde a rua, e escutar os comboios azuis na noite compartilhada desde
o alto desta torre.
A voz é ouvida enquanto uma trás outra as cartas serpeiam e o
encantamento continua, No início o mundo era plano. Depois cresceu até
o tamanho desta flor, assinala o desenho dos lençóis. O mundo
era tudo, murmura: a água e as estrelas, o cálice e a mulher,
o rio da vida e um esquecimento.
Uma flor sozinha, responde a outra voz, Sim, mas com todas as cores, Um arco-íris
em pétalas, E em cada pétala uma história, Olha para esta!
Os olhos posam-se sobre a nova carta que apresenta duas figuras. A luz do dormitório
apenas faz destacar as cores mais brilhantes. Tudo é possível
então.
Roçam seus dedos na superfície que agora com o calor a dançar
devagarinho incha como novo fôlego a mensagem. São três sóis
quentes: um no céu, dois, gêmeos que foram diabos atados, socorrendo-se
como macho e fêmea, como pai e filho, mãe e filha, para atravessar
a corrente do rio. Atingem a libertação sobre a branca terra.
Um outro começo.
Não é suficiente, É preciso temperança, É
preciso um anjo. E a nova carta fica em equilíbrio sobre o ventre nu.
As mãos rodeiam-no. Sopram os lábios e um ar tíbio passa
duma caneca a outra, de pássaro-azul a pássaro por nascer.
Com os olhos fechados as outras mãos baralham mais uma vez e duas cartas
caem a cada lado. E os olhos que veem falam, Sendos chapéus infinitos,
força mágica que agora quer fazer própria a ferocidade
que contém toda nova vida. E os olhos que ainda não se abrem dizem,
Novo mundo, nova flor, nova carta.
E a lua acende-se no quarto e os vagões soam pertinho.
à vida que vem
(premiado na última edição do Concurso de Minicontos da Escola Oficial de Línguas de Valência - Espanha)