A Garganta da Serpente
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Saudades

(Cortuska)

O cabeleireiro escutava o som calado da tesoura enquanto eu escutava um outro som pertinho do meu coração.A minha cabeça afagada devagar pelos meus próprios pensamentos, à procura da palavra, chegando até aos pulmões, sem fôlego, sem revelação nenhuma…

Tenho perdida a minha dor - penso com os olhos fechados. Num momento qualquer repousava entre as mãos, trêmula, quase tranquila, fazendo o que a dor faz… Como uma corda esticada sob o peito, mantendo acordada a certeza duma realidade - ele morreu, mas ainda o tenho presente.

E depois, o quê? Um esquecimento, um deixar passar-se, um murmúrio surdo. Perdi o fio da meada…

Algumas vezes as lágrimas chegam, como janelas abertas para a claridade daquela dor.

A terra falada de longe, úmida de juventude, mais nova quanto mais tempo se passa - quanto mais são os cabelos arranjados e penteados.Os anos caem, é certo. São os desenhos dos caracóis no chão que ficam como lembranças.

Um espelho diante de mim o dia todo e nem consigo ver o meu reflexo.

O som cresce, desliza pelas vias geladas que percorrem a pele - o sangue quente, porém - Atinjo ouvi-lo, como a nota duma viola repetida inumeráveis vezes, até mergulhar-me numa chuva desconhecida, onde tudo se mexe. A dor e a saudade dela.

Terra molhada, habitada pelos espíritos que em menino via aparecer quando as avós se reuniam ao redor do fogo, cujas labaredas tinham a qualidade de fazer olhar as respostas às perguntas que não se tinham feito. Aqueles rostos pasmados por uma magia quotidiana maravilhavam-me, pois sentia que ninguém deixava de ser criança.

Fora está frio.Cá permaneço com o que se tem perto, como uma caligrafia invisível, sem adivinhar o que se conta. Por isso é tão triste não compreender a escrita que fala assim.

Tudo resta na memória, tudo mora lá. Saudade é perder o que não pode ser perdido.

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