Desenterrar cadáveres nunca foi meu forte. Mas não havia como
esquecer de Cristina. Ela foi minha namorada. Só depois que a gente terminou
que descobri que o que senti foi mesmo amor. Então, alguém poderia
perguntar, por que deixou ela partir? Não saberia por onde começar.
Fiquei de mãos atadas. Mas ela cometeu suicídio. Não sei
o motivo. Ela morreu. Desde o dia que tomei conhecimento deste fato, posso afirmar,
que isso mudou minha vida. O céu que era azul ficou nublado.
Os dias de sol se tornaram chuvosos. O calor cedeu lugar ao frio. Todo dia anoitecia
mais cedo. A noite ficava cada vez mais escura e nunca amanhecia. Até
a comida perdeu o gosto. Não tinha mais apetite. Perdi o paladar, o olfato
e o interesse em tudo que antes me entretia. Inclusive, parei de sair de casa.
Não ligava mais a TV. Nem lia mais os jornais. Minha vida se tornou um
deserto árido.
No consultório médico um homem vestido com um jaleco branco disse
que tinha todos os sintomas da depressão. Passei a comprar remédios
com a tarja preta. Não tinha mais tesão pela vida.
Um dia resolvi abrir a janela do meu quarto. O sol beijou minha face carinhosamente
como um pai que após expressar seu sentimento pelo contato dos seus lábios
com a rechonchuda bochecha infantil sussurra "te amo" que, por sua
vez, ecoará por toda a vida durante a existência daquele pequeno
ser humano.
Acho que foi mais ou menos isso que senti naquela manhã. Então,
resgatei o "eu" que havia perdido dentro de mim. Foram mais de dez
anos tentando encontrar uma saída do luto que me envolvia. Mas não
pensava mais em Cristina. Aquela tragédia agora pertencia ao passado.
Aos poucos fui voltando à rotina. Logo, afinal não sou de ferro,cai
na balada. Na época em que conheci Cristina isto, "balada",
significava música lenta. "Still Loving You" do Scorpions tocava
na rádio. Nós a elegemos a nossa música.
Então conheci uma garota, acabei beijando outra. Nada sério.
Foi em uma sexta-feira. Resolvi ir no Inferno Club na Augusta. Tudo estava tranquilo.
Estava em paz comigo mesmo. Já havia ficado com algumas meninas, havia
me desencanado. Intimamente, confesso, me considerava disponível para
um novo lance. Uma nova aventura sentimental ... sei lá. Enfim, nunca
havia ficado tão feliz quanto estava naquela noite agitada e eufórica.
Tomei uns drinks. Não tinha o hábito de beber muito. Mas acho
que naquela noite os efeitos me nocautearam. Fiquei embriagado. Mas estava alegre.
De alguma forma minha sensibilidade ficou mais aguçada. Pensei ter visto
um vulto. Tive a impressão de ter visto Cristina Parker. Fiquei intrigado.
Lembrei que a curiosidade havia matado o gato., mas assim mesmo resolvi passar
isso a limpo. Ela estava de costas. Dançava na pista. Me aproximei. Foi
por instinto. O cara que aparentemente a acompanhava a chamou de Cris. Já
não ouvia mais nada.
Literalmente entrei no túnel do tempo e dei de cara com a Cris que eu
conheci. Isso na época que a gente namorou. A lembrança da morte
gelou meu coração. Tive um flashback de tristeza que me tomou
de assalto a alma.
O cara voltou do banheiro e logo os dois se dirigiram ao bar. Eles passaram
de mãos dadas na minha frente. A certeza que faltava se confirmou. Era
mesmo Cristina Parker. Senti um frio na espinha. Tive medo ao mesmo tempo em
que fiquei fascinado. Sentimentos contraditórios. Fiquei confuso. Como
aquilo poderia estar acontecendo?
Ela não havia morrido. Se estendesse minha mão pousaria em seu
ombro. Ela estava, mais uma vez, de costas para mim. Foi quando pensei ouvir
uma voz sussurrando, Mário, meu nome. Ela estava comentando algo sobre
mim para aquele estranho. Senti um pouco de ciúme. Quis puxá-la
pelo braço e dizer que ainda continuava a amando. Cris, por que você
foi embora?
Então, ela disse meio que enxugando as lágrimas que deveriam estar
escorrendo pelo seu rosto, a voz embargada denunciava, disse que fazia muito
tempo que não saía para a balada. Ela citou mais uma vez meu nome:
Mário Macambúzio. Dessa vez foi em alto e bom som. Não
haviam dúvidas. O cara que estava com ela sabia que eu era ou havia sido,
pelo menos, alguém importante em sua vida. Para minha surpresa e espanto
disse, lamentando, que era a primeira vez, após longos anos, que caía
na balada depois que eu, fiquei perplexo, havia me suicidado.