Foi na América do Sul - numa república federalista emergente.
Nem tanto, ou muito além. Onde através de decretos se remanejava
um sem-fim de futuros desprovidos de oportunidade ou atenção.
Ali começava a pipocar uma epidemia: hepatite(!), que se confrontaria com
a já existente síndrome da imunodeficiência adquirida. Era
providencial vacinar e o parlamento todo sabia disto, exceto Astolpho - com ph,
dentre outros inúmeros caprichos.
Ao conhecer o custo da imunização, o representante sofrera um baque,
que só fez aumentar quando Astolpho tomou ciência donde seria remanejada
a verba: do cinema - arte pela qual era aficcionado, até as últimas
consequências.
O deputado não deixou barato. Passou as semanas seguintes conchavando e
fofocando. Semeou boatos e relacionou os modos de contágio para embasar
sua tese:
- Os enfermos se unificarão. Não haverá catástrofe,
mas sim purificação. Os soropositivos se esvairão com a congruência
dos males. Economicamente válido. - murmurava o sádico.
Por incrível que possa parecer, o lero colou. O montante de trabalho que
deve ser mandado para execução e a velocidade com que escorrem as
semanas, não sobrando tempo algum a legislar, foram determinantes para
que o lobby vingasse. A vacina ficou para a volta das duradouras férias,
bem depois das eleições.
Foi triste como a coisa se propagou. A miséria convalesceu-se e quando
a vacina foi decretada, quase um terço da pobreza do país já
estava com os dias contados. Menos, mas também um bom tanto das outras
classes, bem como o filho bissexual de Astolpho. Uma purificação
a mais para este, na sua resumida ótica.
Em quatro, elegeu-se senador - por oito. Há cadeira melhor que esta? Numa
tacada, o eleito mama por quase uma década e sai de lá aposentado.
Astolpho trocou de mulher e de partido tantas vezes quanto pôde. Voava sem
parar por conta da união, apertando mãos e distribuindo assistencialismo
paliativo. Ele aprendera - no universo da política - que era preferível
remédio a prevenção; cesta básica a açude;
dar a promover. Ações com prazo de validade que deveriam ser intensificadas
nas proximidades dos pleitos.
Peculiar que amante só tivera uma, onde: agendava, lambuzava-se e desembolsava
uma razoável quantia, a qual seguia direto para o conforto do amancebado
à dita. Inegável que a trepada de Preta se tratava de terapia. A
chave de pernas dela desvendava o segredo do cofre de Astolpho; e, para este,
vez ou outra abria as portas do Éden. E vez ou outra é coisa que
acaba durando para sempre. O político não largava o doce, embora
o compartilhasse.
Não que Preta desgostasse Astolpho, tinha-lhe até carinho; e somado
ao fato da grana do inescrupuloso político, manter-lhe por perto a razão
de seus maiores momentos, a resistente mulher eliminava o que podia existir de
asco, apesar de seu mantenedor se esmerilhar na sujeira.
Quando Preta cismou de ser atriz, Astolpho bancou o curso; no que ela quis abrir
o salão de beleza, idem. Sem qualquer contestação. Nada que
pudesse prosperar, uma vez que o amásio bancava o mundo e passava noutras
pernas toda e qualquer fortuna disponível. No sufoco, sempre lhe fora mais
fácil anunciar a massagem de Preta e esperar; ou evocar o eleito. Este
não objetava nada pois o dinheiro nem deveria ser seu mesmo, era apenas
lucro líquido de sua pilantragem e servia para possibilitar-lhe a única
relação cabível com Preta: sexo - e do melhor.
O cinema andava muito bem. Indicações ao Oscar, prêmios europeus.
Cada ano aumentava o número de produções e a qualidade destas.
Os enfermos padeciam nas ruas. Às famílias que atravessaram ao caos
incólumes, havia ainda uma epidemia ativa e progressiva, que as faria -
cedo ou tarde - provar do veneno.
No final do mandato e farto de política, Astolpho resolveu estreitar-se
com sua paixão. Produziu um documentário sobre a devastação
que a junção das moléstias causara e transformou assim, seu
discurso de gabinete em arte. Na competência super-remunerada de uma equipe
de primeiro mundo e com verba pública - por meio de lei de incentivo que
ele mesmo criara. Desfrutou da fama e tornou-se um respeitado cinéfilo.
Até surgiu-lhe espaço para criticar a arte num expressivo diário
impresso.
Com a chegada da velhice, Astolpho gozava da reputação de ilustre
incentivador da sétima arte; e para se livrar da solidão, chamou
Preta para que lhe compartilhasse residência. A amante trouxe junto o amásio,
o que proporcionou a Astolpho empregar todo o montante desviado - pequenas, médias
ou gigantes boladas, em vida; e ainda o fez descobrir que enrustira - durante
décadas - uma outra forma de tesão.