Naquela noite, as incoerências se multiplicaram. Fomos obrigados a manter
contacto com aqueles grupos perigosos e, após aquela reunião supersecreta,
quando interesses de altas tendências inescrupulosas estavam em jogo e
vidas também, fazíamos malabarismos de inteligência e poder,
para nos manter a salvo e conseguir evitar que vidas e vidas fossem ceifadas
e que os interesses do país, que cada um ali representava, fossem afetados.
Telefonemas. Olhares. Sinais. Eu sabia de minha força e conhecimento
na área internacional. Tinha apelido de Guerreira, entre os nossos. Mas
devido às circunstâncias, tivemos que manter as aparências
e a serenidade. Muitos sorrisos e mesuras, pois o grupo japonês era majoritário.
O tempo passou hermético e tenso.
Ao final das negociações, deveria haver um café. Herr Miller,
com uma mesura, beijou-me a mão e logo se retirou. Mrs Taylor se afastou,
alegando dor-de-cabeça e pressa. Os grupos foram se dissolvendo. Assim
apreensivos, saímos para a rua e o convite inesperado foi feito pelo
jovem do consulado do Japão, para almoçarmos em restaurante conhecido
do grupo. Mil mesuras.
A coisa foi rápida e sentindo-me surpresa e atraída pelo jovem
inteligente e sedutor, baixei a guarda, e vi-me delicadamente sendo levada pelo
braço, andando com aquele grupo, por aquelas ruas estranhas do bairro
da Liberdade à procura do tal restaurante.
Sentia seu bafo quente em minha nuca. O grupo japonês, em questões
de segundos se desfez, e eu, brasileira, restei só. Entramos. Fomos logo
convidados para uma sala interna, mais íntima, semifechada. Após
as necessárias abluções em panos brancos e quentes, serviram
logo saquês deliciosos. Comecei a perceber que havia qualquer perigo no
ar, pois as coisas aconteciam sem que meu interessante companheiro abrisse a
boca ou fizesse sinais. Era quase como um filme em que tudo se desenrolava,
sem interrupção. Imediatamente moderei-me na bebida, aparentemente
delicada e inofensiva.
Apalpei meu pequeno colt na bolsa de noite. Pela primeira vez, sentia-me
insegura. Portinhas abriam e fechavam silenciosamente, pelas belas nisseis que
nos serviam.
Ele falava do Brasil, perguntava-me intimidades e costumes de aproximação.
Era alto, o que se estranhava, e esguio. Belo! Sussurrava em meu ouvido palavras
doces, e eu sentia-me comover.
Pareceu-me, no entanto, não estar só. Parecia estar acompanhada
por inúmeros olhinhos puxados, escondidos atrás das paredes de
papel. Sentia dificuldade em me manter alerta. Foi servido um pequeno peixe
envolvido em algas, que mal provei, pois meu anfitrião o afastava de
meus lábios famintos. Mais saquê ou talvez outra coisa, com leve
paladar alterado. Não conseguia distinguir mais. Seus olhos orientais
e miúdos sorriam para mim, e ele comia deliciado. Trocavam toda hora
suas pequenas vasilhas. E no meio daquele sorriso, aqueles pauzinhos endiabrados
se movimentavam entre mais sorrisos. Beijava-me a ponta da orelha discretamente,
causando sensações deliciosas. Quis ainda apanhar minha minudière,
mas não a alcançava. Com certa delicadeza e decisão ele
levava aquele pequeno cálice aos meus lábios, de louça
branca pintada em florais de azul cobalto, que estava desbotando, desbotando...