Chica debruçou-se à janela para vê-lo passar, apertando
os peitos contra a madeira de lei pintada de azul na casa branca. Todas as tardes
o fazia. Sorria-lhe e expunha seu regaço. Meses a fio dum amor sem palavras.
Um flerte cotidiano que não saía disso.
Foi durante a greve dos motorneiros que tudo floresceu. Benedito dispôs
suas pernas a enfrentar a ladeira. Certa subida, percebeu Chica a tratar da
floreira. Cabelos curtos e alvoroçados - serpentinas negras e diminutas,
pele caramelada e seios redondamente iguais - daqueles que não se compra
por aí. Um amontoado e tanto. Ela o vigiava com faróis muito além
do castanho, alados por cílios e simetrizados com um nariz esguio.
O encontro fez-se rotina. Quatro e meia. Um minuto de sorrisos e admiração
mútua. Havia, da parte dele, extremo cuidado em não desencantar
o momento. Ao invés de abordar a dona, Benedito se continha; e embora
se anunciasse pruma janela fechada logo cedo, aos assovios, na ida pro trabalho,
a fim de avisar-lhe que ainda vivia, jamais cogitou romper-lhe o mistério.
´Sonho Meu´, ´Alvorada´ e ´A Flor e o Espinho´
eram suas preferidas. Se de Chica não sabia o nome, conhecia-lhe a preguiça
matutina e musicava para reniná-la.
Ingratos os dias de hora-extra e fatal a quinta-feira nublada de agosto profundo,
na qual a troca fora rompida por um vulto masculino a contornar Chica e beijar-lhe
a nuca. Ela baixou os olhos. Benedito ainda confirmou perplexo para então
sumir em si. Espectraram o desenlace. Ele desconsiderou a relação
pois julgou o afronte desrespeitoso. Era um minuto apenas que queria dela e
Chica haveria de proteger-lho. Retirou o esqueleto e a pele castigada de obras
e serenos. Deixou na lembrança dela somente o sóbrio olhar de
sorriso franco.
Chica perdera o passarinho, Benedito procuraria outro terreiro.