A Garganta da Serpente
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O minuto

(Conrad Rose)

Chica debruçou-se à janela para vê-lo passar, apertando os peitos contra a madeira de lei pintada de azul na casa branca. Todas as tardes o fazia. Sorria-lhe e expunha seu regaço. Meses a fio dum amor sem palavras. Um flerte cotidiano que não saía disso.

Foi durante a greve dos motorneiros que tudo floresceu. Benedito dispôs suas pernas a enfrentar a ladeira. Certa subida, percebeu Chica a tratar da floreira. Cabelos curtos e alvoroçados - serpentinas negras e diminutas, pele caramelada e seios redondamente iguais - daqueles que não se compra por aí. Um amontoado e tanto. Ela o vigiava com faróis muito além do castanho, alados por cílios e simetrizados com um nariz esguio.

O encontro fez-se rotina. Quatro e meia. Um minuto de sorrisos e admiração mútua. Havia, da parte dele, extremo cuidado em não desencantar o momento. Ao invés de abordar a dona, Benedito se continha; e embora se anunciasse pruma janela fechada logo cedo, aos assovios, na ida pro trabalho, a fim de avisar-lhe que ainda vivia, jamais cogitou romper-lhe o mistério. ´Sonho Meu´, ´Alvorada´ e ´A Flor e o Espinho´ eram suas preferidas. Se de Chica não sabia o nome, conhecia-lhe a preguiça matutina e musicava para reniná-la.

Ingratos os dias de hora-extra e fatal a quinta-feira nublada de agosto profundo, na qual a troca fora rompida por um vulto masculino a contornar Chica e beijar-lhe a nuca. Ela baixou os olhos. Benedito ainda confirmou perplexo para então sumir em si. Espectraram o desenlace. Ele desconsiderou a relação pois julgou o afronte desrespeitoso. Era um minuto apenas que queria dela e Chica haveria de proteger-lho. Retirou o esqueleto e a pele castigada de obras e serenos. Deixou na lembrança dela somente o sóbrio olhar de sorriso franco.

Chica perdera o passarinho, Benedito procuraria outro terreiro.

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