(A Edgar Alan Poe - cujos poemas nos levam por obscuros caminhos...)
Ao anoitecer ela subia em passos trêmulos e medidos, como se esperasse
o inusitado. Coração aos saltos! Batia lentamente a meia-noite
cruel. E a semiescuridão fitava o vácuo. Ao se aproximar do final
da escadaria, aquele ser agourento, terrível e estranho aparece nos umbrais,
passa levemente e se mistura às cortinas, parecendo uma singular silhueta
macabra, para pousar na estátua esbranquiçada. O vulto negro.
Negro!
Assemelha-se a um pássaro, escuro e fino. E a paz maldita e ferrenha
se desfaz no casto abrigo.
Ela alcança o quarto. Acende o incenso e ora. Vem-lhe à memória
a figura esmaecida do amado, tão amado, o tempo que se foi... O tempo...
As memórias que se foram...
Retira do baú envelhecido tristes figuras amareladas. Leva-as ao peito,
beija-as com ardor... Ah! Quantas recordações de noites tão
longínquas, do passado ainda tão presente que lágrimas
escorrem lentamente, sem ela se dar conta inteiramente.
Então reage, levanta-se, molha o rosto e bate os cabelos espessos e levemente
embranquecidos, espalhando-os... para espalhar lembranças... Não,
nada é verdade! São loucuras de um passado louco. São apenas
quimeras...
Vai para seu canto de sonho. Senta-se em sua poltrona de veludo, leva o fogo
à vela, pega seu livro, abre no lugar demarcado e tentando um sorriso,
nada mais lembrar... Suspira e recomeça a leitura...
Mas seus olhos, seus olhos doridos como que a chamam... e sem forças,
lentamente, ela volta-se, ela volta-se... para aquele corredor escurecido e
olha ... em cima do alvo umbral uma pena enegrecida.
Eu vou esquecê-lo! Eu vou esquecê-lo! - pensa apavorada.
Mas ouve um murmúrio - Nun-ca mais...
(08/01/07 in VINHOS & CONTOS)