...tudo era um verdadeiro "complot" ...
É claro que alguma coisa eu percebia. Além de alguns sinais exteriores,
uns olhares travessos, um zunzum pela vizinhança. Pela vizinhança,
não. Entre o exército de amigas do peito de minha mulher. As meninas
se reuniam às 6as-feiras para pequenas fofocas, alguns salgados e por
acaso um joguinho de cartas. (O forte mesmo eram as fofocas, eu sabia.) Eu sabia
também o porquê.
Quando ela, minha amada esposa, tinha que ir para as suas conferências
no Rio, não suspendia as reuniões! É difícil cair
a ficha? Alguém pode imaginar por quê minha amada insistia na reunião
de jogo? Por que, por quê?
Mas o que adiantava eu jurar fidelidade? Ela não dizia nada, mas suas
atitudes... Parecia até que ela se comprazia com a situação.
Sempre me vigiando...
Mas pensando bem, chegar a este ponto é de uma burrice ímpar.
Como tocar um casamento nessas circunstâncias? Para contemporizar, eu
agia tão corretamente que eu próprio me assustava com o meu cavalheirismo
e diplomacia nas reuniões. Servia algumas fatias de bolo, ordenava a
louça na copa, o gelo... Bem, me desempenhava da melhor forma possível.
Ana, uma de suas amigas confidentes, com uma certa boa vontade maldosa, ia junto
a mim dando ordens e pedindo tudo o que podia para que a reunião fosse
um sucesso. Seus olhos vigilantes não se descuidavam. Ficava grudada,
a ponto de roçar em mim, tal sua vigilância. O tempo passou. Eu
gostava, agora, dessas reuniões.
Depois faziam em conjunto o relatório para a amada. Eu bem que percebia.
Eu não tinha prazer algum em viver na berlinda, mas o que se pode fazer
in extremis, quando a coisa começa a valer a pena? Será que
esse boato sublinear tinha fundamento mesmo? Eu me divertia...
Fui tomando gosto e agora, agora era eu quem torcia para que as palestras chamassem
a amada para longe.
Minha mulher, para não dar motivo, além da imposição
da viagem, esmerava-se para deixar tudo em perfeitas condições.
Muito ordeira e caprichosa, deixava tudo comme il faut. A casa ficava
impecável. Ela sim, era impecável!
Arrumava a sua frasqueira com antecedência, roupas finas mas práticas,
um vestidinho delicioso em seda branca, que marcava seu corpo sinuoso, refrescante,
que o calor de Copacabana pedia, e aquela sandália dourada e bolsa, divinas.Mais
uns dois conjuntos, blusa e calça, e basta, pois após a conferência,
tinha pressa em voltar, parecia.
As coisas andavam assim. Desconfianças e cuidados. E para que tudo ficasse
sob controle, do Rio, à noite, lá pelas 10 h, madame ligou para
Ana, que era a vizinha mais próxima e perguntou se ela via o carro do
marido (eu) em frente à sua calçada. Ana prontamente disse que
sim. A minha amada, com um suspiro de alívio, disse-lhe que então
só iria ligar para o marido lá pelas oito horas do dia seguinte,
e desligou o telefone com um suspiro prazeroso.
Mas maior foi o suspiro da devotada Ana, que piscou para mim.
O tempo passou, as coisas sempre da mesma maneira.
Numa noite movimentada de jogo, uma das meninas disse-lhe rapidamente ao ouvido,
que tinha novidades e que logo-logo poderia contar-lhe algo insuspeito, que
confirmaria suas (de todas) suspeitas sobre o marido, eu.
Mas não houve jeito. Como que alertado por sexto sentido, eu colei-me
a ela e não dei chance para que a denúncia ou sei lá o
que, se fizesse.
Nada mesmo pôde ser confirmado, pois a conferência exigia sua presença
no outro dia de manhã. Para que pudesse preparar-se para estar no recinto
das reuniões a tempo e arrumada, naquele próximo dia encalorado
de 39 graus à sombra, partiu em seguida, pelo voo noturno.
Além das expectativas, ela viajou com um certo sorriso encantador, nem
um pouco apreensiva, notei. Chegaria lá pelas dez horas da noite. Eu
também sorri e voltei para casa.
Viagem curta. Saiu do avião rapidamente, como eu soube, e lá estava
Estevão, de braços abertos para ela. E aquele abraço incontido:
- Querida, que saudade!... Que tal um supergelado para refrescar um pouco?
Suspirei.