A Garganta da Serpente
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A paixão pela bola

(Cris da Silva)

Com os cotovelos flexionados, junto ao tronco, seguro você entre as duas mãos, próximo ao peito, estendo os braços, rodo as palmas das mãos para fora, e te impulsiono em direção ao peito de alguém, que se cobre com as mesmas cores que eu, vestindo na alma a mesma paixão que incendeia a minha.

O meu adeus é mais um até breve, pois corro para a frente, esgueirando-me por entre a vigilância de olhares ávidos em te possuir, e com os braços estendidos acima da cabeça, interrompo o teu voo, recebendo-te com firmeza entre as mãos. Com os dedos afastadas, fletindo e estendendo a mão, dirijo a tua trajetória ao chão, quicando-te várias vezes numa área ao redor dos meus pés, sem ultrapassar a altura da cintura. Não te olho, mas posso sentir e antever cada movimento teu, orientado por mim, e fixo o olhar no adversário que se aproxima. As minhas pernas fletem-se, restrinjo a altura da bola à dos meus joelhos, e inclino levemente o corpo para a frente, colocando-o entre ti e quem te quer roubar de mim. Perante a inevitável separação, estendo as pernas num pulo, estendo os braços num impulso, e ao contato da palma das mãos com as tuas formas arredondadas, mergulhadas no laranja que te colore, te arremesso ao aconchego e cumplicidade de outras mãos. A corrida se repete rumo ao campo do adversário. Após receber-te de volta, respiro fundo, embebedo minha alma na intenção da mudança do placar, flexiono as pernas e avanço ligeiramente o pé direito. Mantenho-te junto ao peito, apoiada lateralmente pela mão esquerda, enquanto a direita te toca na parte traseira inferior. Estendo sucessivamente as pernas e o braço direito, e te arremesso, observando entre a expectativa e o êxtase, o teu voo triunfal, até que atravessas o aro, e deslizas majestosa por entre a rede.

É em momentos assim, no confronto corpo a corpo de corpos suados, na busca de caminhos por entre passos largos e velozes, no ziguezague dos movimentos que te transportam, na tentativa de te salvar dos braços e mãos que se estendem para cortar a linha de passe... que se exacerba toda a minha paixão, e me torno um tímido e modesto cúmplice de Oscar, Magic Jonhson ou de Jordan, reverenciando James Naismith, o criador do enredo em que o teu diálogo flui maravilhosamente, e Augusto Shaw, aquele que te trouxe na bagagem, colocando a tua bandeira em solo brasileiro, ainda no século retrasado, quando em 1896 criou o primeiro time masculino de basquete.

É em momentos assim, mesmo quando sentado no banco de reservas, quando apenas os meus olhos e a camisa que visto tomam parte do balé em que tu, com certeza, és as estrela, que o meu coração se entrega a delírios de emoção, e a minha alma te abraça num pacto de amor eterno.

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