A Garganta da Serpente
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O sabor da expectativa

(Cris da Silva)

Ali estava ele, sedutor e quase inacessível. De olhar fixo no invólucro que o cobria, criado com absoluto êxito pela arte da propaganda, imaginei-o despido de qualquer adereço, enquanto a memória do seu perfume, do calor e maciez que se derretia em contato com a minha boca, me fazia desejá-lo mais ainda.

A minha mão, inquieta, percorria cada milímetro do bolso da calça, na busca de algo que me permitisse saciar o meu desejo. Na palma da mão abria-se a expectativa. Somei freneticamente os valores, e sorri, feliz com o resultado. Aproximei-me. As palavras, de tanta ansiedade, ficaram presas na garganta, e apenas estiquei o indicador, apontado-o, enquanto expunha algumas moedas em cima do balcão. Recolhi o indicador, para em seguida expandi-lo levemente junto com os outros quatro dedos, formando uma concha com a mão que estremecia de contentamento ao vê-lo depositado sobre esta, tão sedutoramente, e agora completamente acessível.

Detive-me a contemplá-lo por alguns instantes, até que, num ritual que pretendia prolongar ao máximo o prazer deste momento, fui lentamente, deixando a descoberto sua cor e textura. Fechei os olhos. Num gesto concentrado e minuciosamente preciso, permiti-me sentir o seu contato nos meus lábios entreabertos, enquanto inspirava o seu doce e marcante aroma.

Com uma pequena parte de si dentro da boca, prendi-o entre os dentes, cortei-o, separando esta do restante, e fazendo-a deslizar em toda a extensão da minha língua. Aos poucos, sua consistência modificava-se, passando à cremosidade de infinitas partículas envolvidas pelo mais inebriante sabor.

Chocolate! Delicioso chocolate! Resultado de uma magistral combinação, cujo ingrediente principal é o cacau, verdadeiro "alimento dos deuses",que por assim classificado, do grego lhe foi dado o nome cientifico de Theobroma Cacau. Fruto de saliências longitudinais e arredondadas, de coloração que varia entre o amarelo e o vermelho, e de polpa mucilaginosa, o qual pende do caule ou dos ramos maiores de uma árvore que chega a atingir até 12 metros de altura, de onde desabrocham flores brancas ou vermelhas, em meio ao imenso manto de grandes folhas verdes. O mesmo cacau que intitula o aclamado romance de Jorge Amado, onde este documenta, em meio a personagens como José Cordeiro, Colodino, Maria, Magnólia, Honório,o coronel, e tantas outras, a dolorosa vida, na década de 30, de quem trabalhava nas fazendas de cacau do sul da Bahia, cuja história foi escrita em seu próprio solo com as sementes de cacau, introduzidas em 1746 pelo colono francês Luis Frederico Warneaux, que ao se exaltarem em imponentes cacaueiros desbravaram seu interior, fundando cidades e formando gerações.

Chocolate! Delicioso chocolate, que passa a ser difundido na Europa pelo explorador espanhol Hernando Cortez, depois de visitar a corte do imperador Montezuma, no México, em 1519, e que durante dois séculos após a sua introdução no Velho Mundo, é servido apenas na forma pastosa, como bebida.

Até então consumido apenas pela elite, é a partir da Revolução Industrial, que a produção em série deste maravilhoso alimento o torna popular, mas só em 1910 ele começa a ser vendido em barra.

Espero que não reste mais qualquer resíduo do pedaço colocado em minha boca, além do tenuamente forte aroma que permanece em meu hálito e me invade a alma, para desprender do papel outra pequena porção da barra, e mordê-la, degustando-a em cada detalhe do seu paladar.

Chocolate! Delicioso chocolate! Fonte de proteínas e altamente energético, rico em flavonóides e antioxidantes, os quais reduzem o risco de doenças vasculares. Possui em seus componentes metilxantinas, substâncias psicoativas que atuam como estimulantes do Sistema Nervoso Central, induzindo a um bem estar emocional geral e a uma maior sensação de prazer.

Observo o pedaço que ainda resta em minha mão. Luto entre o desejo e a possibilidade de repetir o deleite deste momento mais tarde. Quem sabe, amanhã...

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