Naquela noite, como noutra qualquer, sentei-me diante da máquina de
datilografia. Naquele instante, iniciei meu escrito sem muitas pretensões.
Sendo sincero, desconhecia até o que iria escrever, mas as palavras forma
saindo, de forma voraz. O papel tão branco inicialmente era preenchido
por letras disformes, que eu não enxergava; e mesmo não enxergando
tinha noção do que escrevia, sem saber o que escrevia.
Confuso, eu sei! Mas minha mente também se encontrava assim.
Em pouco tempo, pude sentir uma estranha força que escorria por meus
dedos. E da mesma forma que Deus pintou o mundo com seu "perfeito pincel",
eu passava as letras ao meu papel pintando meu mais recente mundo. Eu não
sei o que ocorria comigo, mas era sensivelmente real. As nuvens iniciais que
se formavam no teto do meu aposento, em questões de minutos já
me cercavam, e tornaram-se névoas. O chão que eu podia sentir
com os dedos dos pés eram manchas instáveis, não-sólidas.
Mas eu ainda enxergava a noite pela abertura da janela - e ela, era natural.
Ouço batidas na porta do aposento, leves e suaves, como a maciez de um
lenço que é conduzido pelo vento. Não conseguindo controlar
minhaas ações, levantei-me e, em passos apressados, atendi a porta.
Uma desconhecida e bela mulher esperava-me. Era de uma beleza incomum, e não
pude deixar de convida-la a entrar. Seguindo meu pedido, ela deu alguns passos,
e estando ao meu lado, deixou que o lençol no qual estava entrevolta
caísse, revelando-me o seu corpo por inteiro. Deitamos em minha cama,
e ali tive alguns dos melhores e mais intensos momentos de minha vida; mas como
a névoa que surgiu em meu quarto, em sua rapidez, ela desapareceu.
No mesmo segundo, as linhas do chão se desenvolveram e se tornaram as
linhas de uma estrada desconhecida. A noite continuava, mas naquele asfalto
a névoa havia se dissipado. O som e o cheiro do mar eram próximos.
Seguindo meus sentidos, passei a caminhar tentando alcançar o oceano,
enquanto podia estranhamente ouvir os contínuos sons da máquina.
"Estava eu escrevendo minha própria história?", pensei,
mas sabia que era impossível; então segui minha jornada fictícia.
Enfim, alcancei as areias da praia, e só possuindo a tênue luz
da Lua Crescente, contemplei a beleza negra do oceano, que se estendia através
da noite, e ao longe tocava as estrelas. Na distância, como se brilhasse
emanando luz de si, avistei uma mulher em vestidos brancos, balançando
ao sabor do vento - a mesma mulher que estivera em meu quarto. Sem reação
alguma, deixei que se aproximasse. Chegando até mim, ela foi completamente
dócil, e pude sentir isso através de suas palavras. À mercê
do prelúdio de uma melodia, deixei que os sons fluíssem: - Está
noite será eterna - dizia ela. - Seus desejos também serão
eternos. - O que devo fazer? - questionei sem hesitação. - Entre
nesse barco comigo. - respondeu-me. Voltei-me para o mar com a nítida
sensação de não-existência de tal barco, mas, como
era de se esperar, lá estava ele. Na proa, presa ao "bico"
do barco de tábuas, uma tocha emanava sua luz, resistindo acesa contra
a força noturna do vento. Ele era simples, sem riqueza de detalhes, mas
ao entrar, pude sentir que flutuava em meio ao nada.
O pequeno barco flutuou com outro peso. Vi que era a mulher que entrara e posicionara-se
de pé. Não vendo velas ou remos, questionei: - Como chegaremos
ao nosso destino? - as palavras assim fluíam de minha boca, como também
as suas respostas. - Os mares, os ventos e os sonhos nos levarão. - e
com tais palavras o barco começou a mover-se, adentrando na estranha
calmaria daquele oceano. Ainda assim, podia ouvir as batidas da máquina
de datilografar produzidas por minhas ágeis mãos.
À medida que o barco avançava, sentia mais e mais a presença
do vazio que me cercava. As águas negras, assim como o céu. Contrastando
com o negrume, a Lua e a mulher, a tocha e eu. Olhando para fora do barco, para
as águas negras, podia contemplar amedrontado as esquisitas formas que
passavam sob a superfície, por vezes, por debaixo do nosso transporte.
Eram manchas disformes brancas, algumas tendo poucos centímetros. Outras
de tão grandes levavam minutos para completar a passagem. Devo admitir
que muito assustado fiquei, mas a calmaria das águas que se refletiam
na face pálida da mulher, fez-me esquecer as manchas. Num certo instante,
virei-me e novamente questionei: - Quem é você? - e levantando
o braço até deixa-lo horizontal e esticando o dedo indicador,
ela disse: - Olhe! A ilha! - e não sei se aquelas palavras foram para
se esquivar de minha pergunta, mas tendo ou não essa intenção,
funcionaram.
Ao virar-me, pude ver a formação de terra que se elevava sobre
o horizonte, e mesmo na escuridão da noite, pude apreciar completamente
sua beleza. Sabia que, de certa forma, estava retornando para casa. Experimentando
uma estranha sensação que percorria minha alma, deixei que as
lágrimas caíssem ao longo de minha face. O vento bateu forte nesse
momento, engolfando minhas falhas palavras: - Estou de volta. Encontrei meu
caminho... meu lar. E quando o barco tocou a areia, pulei de imediato para a
praia, caindo de joelhos, abraçando terra e lágrimas. - O sonho
é real! Estou livre! - gritei abrindo os braços, voltando meu
rosto para o céu, ainda de joelhos. No exato momento, uma pesada chuva
derramada sobre meu corpo, sobre toda a ilha, preparando-nos para o tão
esperado encontro. Depois de tudo, ainda obtive forças para voltar-me
para o mar. Assim, notei que o barco e a mulher não mais existiam. Haviam
se tornado a névoa que era tragada pelo vento e pela noite.
Os dias se passaram e a chuva continuou, lavando nossas almas. Pude novamente
conhecer toda a ilha, e com o passar dos dias, os sons das teclas da máquina
foram desaparecendo, e só restávamos eu, a noite, o oceano e a
ilha. Os meses foram chegando e num súbito, mas perfeito encontro, obtive
a companhia que desejei em meus anos de vida: o amor. E os anos passaram, parecendo
séculos, sendo sempre noite, mas tanto a lentidão do tempo como
o negrume noturno não me entristeciam, pois eram meus desejos.
Estando na beira da praia, este homem descobriu que todos os longos anos e toda
esta noite eterna não passavam de sonhos, mas ali, à margem do
mar, permanecendo ainda na ilha, com sua presença ao lado, suas palavras
refletiram os verdadeiros sentimentos de suas vidas: - Isto é um sonho!
Mas a mim, não cabe decidir nada disso. Prefiro viver todas as vidas
do mundo dentro de meus sonhos, cercado pelos meus reais sentimentos, que um
segundo ao lado dos homens e do mundo real.
E ele dormiu para sempre, numa noite que nunca teve fim.