A Garganta da Serpente
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Ponto final

(D.)

Sentado no banco do ônibus ele vomitava. O melhor que os outros não percebam. Vomitava escondido, com a cabeça abaixada entre os bancos. Se esforçava para não fazer barulho. Já tinha toda a roupa suja. Como chegou ali? Pra onde ia ônibus? Que bebedeira do caralho. Mais vômito. Que lugar é esse?

O ônibus chacoalhava. Enjoo. Os outros passageiros? Tinham dois, um velho e uma puta. Rostos cansados. Não entendia nada. Vômito. Tosse. Quem tossiu? O velho, bigode grosso. Espera aí, já havia visto aquele velho antes. O ônibus chacoalhava. Não tinha nada em seus bolsos. Para onde o ônibus ia? A ressaca já batia. Era aquele vizinho. A porra daquele vizinho pão duro. O ônibus chacoalhou.

Resolveu falar com o velho. Saber qual era o próximo ponto. O velho tossiu de novo. Andou até os bancos do fundo com dificuldade. Que ressaca do caralho.

- Que linha é essa?

- Se você não sabe, ta bem fodido garoto. - Respondeu o velho por debaixo do bigode.

A roupa com vomito seco. Quis xingar o velho, chacoalhar o canalha, dizer, seu puto, me responde direito. Não conseguia lembrar de nada. Resolveu tentar conversar com o velho.

- Onde você desce?

- Na minha parada.- Gargalhou o velho, sem nem mexer o bigode.

- Quando é?

- Eterno.

Que merda! Já não tinha motivo pra se esconder do motorista. Vomitou no meio do corredor. Ninguém se virou. Ignoraram. Não ia descer. O ônibus incomodava mais que a ressaca. O velho sorria sem mostrar os dentes, a puta sorria com lábios vermelhos. O ônibus era branco e chacoalhava. Tudo limpo demais, menos a parte vomitada.

- Eu vou descer aqui.

- Ainda não é sua hora. - A puta resolveu falar.

Apertou o sinal, nenhum barulho. O enjoo voltando. Não parou. Estava todo vomitado, irado com aqueles dois passageiros idiotas. Os outros bancos vazios. Não. Tinha um cara dormindo no outro. Melhor falar direto com o motorista.

Foi andando pelo corredor que parecia maior a cada passo. Cabeça explodindo, vômito despontando na garganta. Um salto do ônibus, ele foi jogado pra frente. Missão concluída de forma dolorida.

- Escuta cara. Eu dei sinal você não parou, deixa eu descer caralho.

O motorista se virou. Não tinha rosto. Nem olhos. Nem boca. Só um buraco onde seria o nariz, respirava alto. Pulou pra trás ao ver aquele demônio. Ouviu a puta gargalhando. Tentou chegar até ela sair desse ônibus.

- Como eu saio? Me diz sua puta- Chacoalhava ela, agora o enjoo não fazia diferença.

Ela ria, um riso de prazer, de gozo. Chegou até sentir um tesão pela puta.

- Não adianta querido. Seu ponto é o seu ponto. Sua hora é sua hora. Mas se quiser eu te chupo pra passar o tempo. - apontou o velho- Aquele mão de vaca achou que eu sou muito cara. Aí ele me deu isso. - ergueu a blusa, um corte enorme que sangrava sem parar. O velho tossiu.- mas pra você é de graça.

Ele deu uns passos pra trás, assustado, vomitou um pouco, agora tanto faz onde acerta. A puta ria, o velho tossia, o motorista respirava, o outro cara dormia. Ele empurrou a puta que caiu no chão desmontada, boneca inflável murcha.

Tosse. Cheiro de vômito. A puta rindo pra caralho. O ônibus chacoalhando. Sua barriga sangrou como a da puta. Olhando pra mancha vermelha no vômito, desmaiou.



Acordou. O ônibus cheio. Calor, calor pra caralho. Todos lugares ocupados. Tosse. Choro. Gargalhadas. Estava no banco vomitado. Do seu lado um gordo engordurado comendo salgadinho sem parar. Vomitou em cima do gordo que continuou a comer, o vômito também.

Levantou- se. Estava fedido, fraco, fodido. Tosse, choro, riso, salgadinho, cronch, cronch, cof, cof. Todos os outros passageiros eram esquisitos. De pé se agarrou a um banco, suas pernas estavam fracas, queria sair desse inferno. Sua ira era baixa, sentia medo, queria chorar. Devia ter aceitado o boquete, pelo menos ia ser menos torturante. Chegou no motorista, sabia o que esperar.

- Pra onde a gente vai?

Aquela falta de rosto. Só um buraco no nariz. Uma respiração alta que parecia vir do centro da terra. Um jato de catarro saiu do buraco acertou o passageiro na cara. Filho da puta. Não teve coragem de socar o motorista, aquela visão amedrontava.

Limpou um pouco o rosto. Caiu no chão enquanto se limpava. Tropeçou em algo, sei lá. A puta reapareceu. Enfiou o salto na cara suja de catarro, pisou com força, com raiva. Ele lambeu o pé dela com ânimo. Subiu até a boceta, chupou a puta no meio do corredor, os outros passageiros nem olhavam. Ela gozou, esguichava. Uma mistura de gozo, vômito, catarro e sujeira compunham a cara dele.

-Quando vai ser a hora?

- Você vai saber.

Ela foi se sentar ao lado do velho. Banco do fundo. Ele voltou pro seu lugar, rosto fodido, rosto fedido. O ônibus chacoalhava. O velho tossia. Sentou do lado do gordo esfomeado. Tosse. Riso. Chacoalhadas. Gozo. Vômito. Mastigação. Os outros passageiros já estavam mortos.

Sentado no banco do ônibus ele vomitava. Não tinha mais nada pra fazer.

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