Na frente do espelho, ela passava a palma das mãos pelas bochechas,
lágrimas enchendo os olhos. Esta acne! Por que tenho que ter acne? E
ainda por cima sou gorda!
Puxou a blusa, marcando as formas. Formas delicadas e esbeltas de menina. Um
rosto perfeitamente oval, emoldurado por longos cabelos castanhos. Mas ela não
via coisa alguma a não ser os pontos avermelhados que lhe salpicavam
o rosto, e a silhueta começando a deixar de ser infantil. Amanhã
vou começar um regime!
Fechou a porta do armário com raiva.
Uma Lua enorme enchia a janela quando ela despertou. Quem está jogando
pedrinhas na vidraça? Levantou-se para olhar. Na calçada, uma
figura lhe acenou para que descesse.
E por que vou descer? Não sei quem você é.
Fechou as cortinas e deitou-se outra vez. O sol já estava alto quando
despertou.
Na escola foi a mesma coisa de sempre. Apertando os livros contra o peito, cabeça
baixa, cabelo escondendo o rosto, atravessou o pátio com aquela sensação
familiar na boca do estômago. Mais um dia. Mais uma escola. Devido ao
seu trabalho, o pai precisava relocar a família com frequência,
ou ficar longe de casa por longos meses ou até anos. E eu nem sei muito
bem o que ele faz!
Quando lhe perguntavam, ela dizia que o pai trabalhava para o governo. E agora,
bem na metade do ano, precisava começar em nova escola.
O dia se arrastou. A classe parecia mais atrasada que ela nos estudos, então
aproveitou o tempo para ficar olhando pela janela. Sempre se sentava perto da
janela.
Nem se deu conta quando as pedrinhas começaram a bater no vidro. O professor
estava respondendo perguntas e a turma batia papo. Levantou-se e olhou para
o pátio. Alguém estava jogando pedrinhas na janela, mas não
havia ninguém lá embaixo. Debruçou-se para fora a tempo
de ver uma silhueta se afastando, capuz levantado e mãos nos bolsos.
Voltou para casa como viera - cabeça baixa, livros apertados contra o
peito, cabelo escondendo o rosto. Ouviu passos atrás de si mas, voltando-se,
não viu ninguém. Caminhou um pouco de costas, depois voltou-se
e correu o resto do trajeto. Podia escutar passos correndo atrás de si,
mas, voltando a cabeça, não via ninguém. Chegou à
porta ofegante e assustada.
À mesa de jantar, com os dois irmãos, a mãe e o pai conversando
e rindo, permaneceu de cabeça baixa, brincando com a comida. Como foi
seu dia? Deu de ombros. O que aconteceu? Sacudiu a cabeça. Você
está bem?
Levantou os olhos. Alguém me seguiu até em casa. Quem? Como? Por
que? Não sei! Não vi ninguém! Tem certeza que não
foi sua imaginação?
É, claro. Agora vão pensar que ando vendo e ouvindo coisas. Jogou
o guardanapo na mesa e levantou-se. Não tenho fome.
Outra vez despertou com a luz da Lua e o ruído de pedrinhas na vidraça.
Abriu a janela e debruçou-se para fora. O que você quer? Foi você
quem me seguiu na rua? A figura lhe acenou que descesse. Fechou a janela e sentou-se
na cama, abraçando os joelhos. Não estava com medo. Estava curiosa.
Pela manhã já havia esquecido as pedrinhas. Seguiu para a escola
caminhando rápido, mas não havia passos seguindo-a. Voltou-se
diversas vezes, tentando caminhar silenciosamente. Nem precisava. Ninguém
a seguia.
O dia se passou sem novidades, mas também sem pedrinhas na janela da
classe. Ao sair, viu uma figura encostada em um carro. Roupa escura, capuz levantado.
Parou e ficou observando. Ele estava jogando pedrinhas no chão.
Ninguém a seguiu no caminho para casa, mas, ao dobrar a esquina, viu
a mesma figura. Ele estava encostado na parede do outro lado da rua, quase à
frente de sua casa. Apertou o passo e atravessou em sua direção.
Ele levantou o rosto e se encararam. Você está me seguindo?
Ele tinha olhos muito grandes e azuis em um rosto angular e fino. Longo pescoço
saindo do casaco. Que cor será seu cabelo? Ela sorriu por dentro. O sujeito
a estava seguindo e atirando pedrinhas em sua janela, e ela estava pensando
qual a cor de seu cabelo! Talvez o sorriso lhe escapara, porque ele sorriu de
volta. Daí voltou-lhe as costas e lhe acenou para que o seguisse. Sacudiu
a cabeça e permaneceu parada, no meio da rua, vendo-o afastar-se.
Mais tarde, no seu quarto, ficou acordada esperando pelo ruído das pedrinhas.
Quando a Lua bateu na parede, a primeira pedrinha atingiu a janela. Desceu as
escadas correndo e abriu a porta. Lá estava ele, longo e desajeitado,
vestindo aquela blusa com o capuz sobre a cabeça. Ele sorriu e seus dentes
brilharam no escuro. Ela se aproximou, braços cruzados no peito, pés
descalços. O que você quer?
Ele não disse nada. Estendeu-lhe a mão e ela pegou. Assim mesmo,
sem medo e sem perguntas. Parecia natural pegar a mão dele. Caminharam
em direção ao parque, de mãos dadas, em silêncio.
À beira do lago ele se sentou na grama úmida e puxou-a para que
se sentasse também. Então ele se abaixou e juntou umas pedrinhas,
atirando-as na água. Ela fez o mesmo. Quem é você? De onde
me conhece?
Ele baixou o capuz. Tinha cabelo escuro e encacheado, caindo ao redor do rosto.
Eu vim buscar você. Buscar para onde? Para quê? Mas ele estava olhando
o reflexo da Lua nas águas, formando uma ponte de luz.
Então ele se levantou e a puxou pela mão. Caminharam em direção
à margem do lago. A água estava fria nos seus pés despidos.
Ele suspirou, colocou o braço sobre os ombros dela e caminharam os dois
pela ponte de luz da Lua, sem fazer ruído e sem levantar respingos, até
desaparecerem nas brumas da noite.
No outro dia ela não apareceu na escola, mas ninguém reparou na
sua ausência. À hora do jantar, sua família se sentou ao
redor da mesa, rindo e contando novidades. Ninguém percebeu que o prato
e os talheres dela haviam sumido da mesa.
Seu quarto virou escritório do pai. Querida, não precisamos de
um quarto de hóspedes! Por que não utilizar o espaço?
Contudo, na vidraça da janela, havia estranhas marcas de pedrinhas. Por
mais que a mãe esfregasse o vidro, elas não se desvaneciam. E
à noite, quando a Lua brilhava, essas marcas se refletiam, como um caminho
de luz, na tela "Anjo do Amor".
Querida, quando você colocou este quadro aqui na parede do escritório?
Mas querido, pensei que fosse você...