A Casa.
As folhas caiam lentamente no jardim do quintal, de forma a fazer um estranho
bale, as árvores eram grossas, mas com aspecto de pouca vida,cinzas,
fazendo achar que estavam sendo atacadas por uma enfermidade nas raízes,
mas o verde nas copas ainda continuava a fazer sua parte de levar esperança
aos olhos dos que tentam encontrar uma justificativa na vida. Inverno, que lentamente
chegava de forma a fazer com que o cenário mudasse como o corpo de uma
jovem que, dominado pelo tempo, vai mostrando a herança que Adão
e Eva nos ofereceu depois da queda. Um pequeno chafariz no meio do jardim, faz
com que as boas lembranças retornem de forma a da fôlego de vida
a entrada da casa, uma construção antiga que data do século
XVIIII, mostrando uma ostentação que o tempo, por mais que tente
tragar, não conseguiu totalmente.
Aqueles que entravam eram recebidos por uma escadaria de mármore, que
dava para uma grande porta, uma campainha com uma caveira de dragão,
fazia as honrarias da mansão. Tudo lembrava restos do passado, como um
álbum de fotografias que não amarela tão facilmente, o
ambiente era uma demonstração que heranças às vezes
duram. O interior era bem ornamentados com objetos do século correspondente
a construção, mas tinha lampejos desta era, os moveis eram de
excelente bom gosto, sem ferir o século, mas, sem inibir o outro, o candelabro
que ficava no alto, de cristais franceses só fazia a coroação
do gosto bem caro que aquela família tinha, ou teve, mas o que se pode
ver de tudo, era que a casa era de pessoas que tinham tudo que o dinheiro pode
dar.
Uma criança aparentando dez anos brincava sozinha em um dos tapetes da
casa. Falando, comentando com um amigo imaginário o que estava acontecendo
com as suas bonecas e bichinhos de pelúcia. Parecia uma princesinha solitária
no seu castelo de cristal! A menina tinha o cabelo separado por duas tranças
que, faziam com o seu rosto ficasse mais a mostra, as bochechas eram bem rosadas
que contrastava com a sua pele branca, seus olhos eram grandes, e de um verde
esmeralda que parecia com os olhos de um gato, seu nariz era arrebitado, como
da personagem de Monteiro Lobato, seus lábios era bem formados como de
uma pintura de mestre detalhista que, fazendo com que o real fosse colocado
no imaginário da aquarela, seus dedinhos faziam com que as brincadeiras
com as bonecas se tornasse um trançado de pernas e braços de plástico,
desenhando uma forma de fugir das horas de tédio e desleixo que os pais
a deixavam.
- Com quem você está falando, menina? Perguntou uma criada gorda
e bem alta, branca como uma torre de mármore, que com as mãos
nas cadeiras foi chegando com um grande estardalhaço, a saia apertada
fazia com que ela tivesse uma aparência mais engraçada do que ameaçadora.
A menina teve um susto, virou-se rapidamente para a empregada, uma governanta,
que ficou olhando para ela com os olhos inquisidores.
- Com ninguém, eu to brincando! Fez uma cara feia para a mulher.
- Vai pra cima para tomar banho, sua mãe já está chegando
e daqui a pouco ela vai querer falar com você. Seu pai está viajando
e quando voltar vai querer saber se você se comportou direito.
A menina ficou no lugar, ainda brincando com sues bonecos de plástico
e de pelúcia, mas a mulher formou uma carranca que fez com que a garota
se levantasse e fosse tomar o banho deixando os seus pertences para trás.
Subiu as escadas com uma certa relutância, mas mesmo assim deu tempo para
ela murmurar alguma coisa que a governanta achou melhor deixar para lá.
No banho, a menina, ficava olhando a água que descia do chuveiro bem
quente, tentava imaginar as crianças da África que não
tinham água quente e em algumas ocasiões nem mesmo a água
para suas necessidades, foi o que seu pai disse quando voltou de uma viagem
de lá, ele sempre tem estás viagens. Lavou seu rosto, suas costas,
pernas, braços e ficou um tempo se tocando em algumas partes que lhe
davam prazer. Aprendeu isto com as meninas da escola que, falavam com elas de
coisas que a sua mãe não comentava, e que, seu pai tentava disfarçar.
Começou a se enxugar de forma bem lenta, vendo as bonecas que o seu pai
trazia de cada país que foi, uma grande coleção que a lembrava
mais da ausência do pai do que, de sua presença. Mexeu em uma,
quando abruptamente a governanta entrou para vesti-la, o que a deixou mais zangada
ainda, fazendo com que formasse um bico, a governanta nem se deixou se abater
pela cara feia da menina, só escolheu a roupa para ela, e, como uma boneca
de porcelana, foi ornamentada para a chegada da mãe.
A mãe chegou com as mãos cheias de compras, foi colocando as chaves
do carro em cima do móvel, e colocou as bolsas em cima de uma poltrona,
procurou pela casa uma viva alma, quando a governanta com a filha adornada como
se fosse O Último Imperador da China, foi descendo com ela vagarosamente
como num desfile, até que nos últimos degraus a deixou ir sozinha
para a mãe, que ficou olhando a cena como num filme de cinema, com um
largo sorriso, a mãe, ficou de braços abertos para receber a filha,
que simplesmente se colocou entre os braços da progenitora.
- Como minha filhinha está linda, que fofura linda como uma princesinha!
- Ficou olhando para a menina como se estivesse vendo mais um objeto de uma
loja de luxo. A garota ficou observando a mãe e tendo em seguida mais
uma crise de choro. - Que foi minha filha o que você quer, mais uma
boneca, mas um brinquedo? - A menina balançou a cabeça, dizendo
que não. A mãe insistiu tanto, de forma a fazer com que a governanta
entrasse na conversa, tentando tirar da menina alguma coisa. Mas nada aconteceu.
- Estou com saudade do papai! Falou finalmente.
- Ah! Meu amor ele já vai voltar, fique calma, tudo vai acabar bem.
Agora venha ver o que a mamãe comprou nas lojas, tem coisa para a minha
querida filhinha.
Foi levada pelas mãos da mãe como um cãozinho que era conduzido
para ver a nova casa, ou o novo objeto de brincadeira. Foi colocando as roupas,
joias, brinquedos, e demais coisas na frente da criança de forma
a fazer com que ela esquecesse o pai, mas nos olhos da criança só
se via o vazio de uma esperança que se desfaz com o tempo. Ela só
queria ter alguém com quem conversar.
O amigo.
A noite foi chegando, com um manto que se estendia de uma região a
outra, com uma longa serpente que vai se espreguiçando, as trevas foram
chegando devagar. O jantar foi colocado em uma mesa bem ornamentada e bem suntuosa,
a mãe ficava em uma ponta da mesa, e a menina, em outra. As regras de
etiqueta eram seguidas à risca de forma a fazer com que a governanta
oferecesse os alimento de forma bem pomposa. Silêncio! Somente o silêncio!
As conversas das duas eram em forma de olhares e de pequenas palavras que eram
ditas de uma hora para outra. O silêncio imperava, como os choros em um
enterro. Terminando a refeições as duas simplesmente se levantaram
e foram para a sala, a menina tentou começar uma conversa, mas, a mãe
só mudou de lugar, para que a conversar também mudasse de assunto.
- Conte-me uma história mãe.
- Mamãe está sem tempo agora, mas tarde eu conto.
- Mas eu quero agora!
- Já disse que não, vai para a biblioteca do papai, deve ter
algum livro que te interesse!
- Mas lá não tem livro para mim, de criança!
- Deve ter, a biblioteca é grande deve ter alguma coisa para ler.
- Mas, mãe...
- Já falei, vá para a biblioteca deve ter alguma coisa lá,
mamãe tem que dar um telefonema. Vai logo! Decretou a mãe.
A governanta, como uma sombra, só observava a situação
de longe. A menina ia lentamente para a biblioteca do pai, e como se estivesse
entrando em uma sala de castigo, foi fechando a porta paulatinamente. Um mundo,
assim que a biblioteca poderia ser resumida, ainda mais para uma menina de dez
anos, era de uma grandeza que faria corar de vergonha um bom número de
intelectuais, as estantes eram feitas de madeira de lei, como as maiores bibliotecas
da Europa feitas com a madeira dos países do Terceiro Mundo, elas chegavam
às alturas, como os querubins que tentaram a derrubada de Deus, varias
mesas faziam com que houvesse um pequeno labirinto. Tapetes persas decoravam
o piso, como uma grande mandala multicolorida. A menina foi andando lentamente
entre as estantes tentando encontrar algo que lhe despertasse a atenção,
mas nada encontrou.
Dom Quixote de La Mancha, A árvore dos desejos, O alienista, O mundo
perdido, Um estudo em vermelho, Alice no país das maravilhas, Sítio
do Pica Pau Amarelo e O mágico de Oz. Ela deu um longo suspiro e olhou
para o auto e pensou que gostaria de ler uma boa revista da Turma da Mônica,
mas os pais por puro pré-conceito não permitiam que ela lesse
tais coisas, sendo necessário que ela lesse de outras meninas que lhe
deixavam que visse a revista. Tac! Tac! Tac! Tac! Um barulho estranho foi ouvido
pela menina na biblioteca que vinha dos livros, foi procurando entre as estantes,
até que conseguiu descobrir de onde vinha o som, a origem era de um livro
grande que ficava na primeira prateleira da estante, lá em cima, ela
ficou olhando pensativa observando aquele estranho acontecimento, mas, o que
ela fez foi pegar a escada com rodas de madeira, e, colocá-la no lugar
exato para pegar o volume.
Subiu, foi até o local e pegou o livro que de grande que era, ainda mais
para uma criança, pesou e escorregou da mão dela caindo no tape
persa colorido, o som foi oco, estranho, mas ela viu que o livro tinha caindo
em uma página bem colorida e atraente. Desceu as escadas com a maior
rapidez que tinha, chegou em cima do livro e ficou olhando as páginas
eram coloridas, uma imagem de uma cobra que engolia o próprio rabo, fazendo
um imenso circulo em forma de caracol, entre os espaços que haviam entre
o corpo do réptil tinham varias palavras mágicas e estranhas que
a menina não conseguia ler, símbolos estranhos que eram divertidos
e ao mesmo tempo fantasmagóricos.
Levou o tomo para cima da mesa, acendeu o abajur, a luz iluminou em cheio a
página do livro, uma grande quantidade de luzes se formou como um pequeno
arco-íris, que de multicolorido fascinou ainda mais a criança.
Sorriu! Mexeu! Mexeu de novo! Fechou o livro para ver qual era o nome, Simulacro,
achou engraçado e tentou ler as palavras da página com a serpente.
Passou os dedos lentamente, por cima do circulo feito pelo corpo da serpente,
as luzes foi fazendo uns movimentos giratórios, vermelhos, azuis, amarelos
e outras cores foram se formando no ar como se ela estivesse mexendo em um prisma,
que a encantou de tal forma que foi com grande espanto que ela viu que as letras
estranhas foram tomando forma, uma perna, o tórax, os braços a
cabeça, umas pernas estranhas como de um bode, o abdômen bem formado
e forte, os braços longos e cabeludos, encimado por uma cabeça
com dois chifre que demonstrava um sorriso irônico.
- Boa noite, minha criança! Fez uma reverência bem longa a criatura
que tinha saído das paginas.
- Quem é você?
- Um amigo!
- Que amigo? De quem? Como chegou aqui? Você é um desenho?
- Muitas perguntas, como o seu pai, você faz muitas perguntas!
- Conhece meu pai?
- Claro, minha criança conheço muito bem seu pai, e não
se preocupe ele logo, logo vai chegar. Como você ele faz muitas perguntas,
bem, quando ele me fazia mais visitas ele me indagava muito, querendo saber
de coisas que, com certeza, não tinha muita ideia da onde ia levá-lo.
Mas até que ele teve uma grande ideia de fazer com que o seu trabalho,
consultoria de direitos autorais, viesse a ser bem lucrativa com os conselhos
que eu lhe dei.
- Qual é o seu nome?
- Pode me chamar de Thaumatourgós. No fundo o que eu faço
são milagres!
- De que tipo me mostra? Pediu a menina com um sorriso de esperança.
- Claro! Com um gesto das mãos as cores da página foram se transformando
em pássaros, gatos, cães, ursinhos e outros objetos. Os quais
faziam com que a menina delirasse extasiada de tantas cores e formas. Ela batia
palmas, tentava pegar as figuras, ria muito, se divertia muito. As gargalhadas
foram se espalhando por toda a biblioteca, chegando a ser ouvida no lado de
fora, pela governanta que com um olhar inquisidor ficava imaginando o que acontecia
lá dentro, mas como se o terreno fosse proibido, ela se resguardou de
entrar com a menina lá dentro.
As brincadeiras foram se tornando cada vez mais interessantes, a criança
que antes tinha os olhos cheios de lágrimas e de saudade, foram substituídos
por olhos de alegria e entusiasmo. Foi pedindo cada vez mais coisas que Thaumatourgós,
com muita satisfação fazia.
- Conte uma história! Foi o pedido que ela fez com olhos de esperanças.
- Claro minha criança, vou te contar sobre a história de um
rei do Egito que teve uma das maiores potencias do mundo nas suas mãos
quando era uma criança. Seu nome era Tutancamon e, infelizmente, por
não me ouvi morreu cedo, mas isto não acontecera com você.
Vamos a história! O pequeno ser foi contando sobre o inicio de tudo que
aconteceu no período do reinado do rei menino, com riquezas de detalhes,
foi criando imagens de palácios, carruagens, homens, guerreiros egípcios
e tudo o mais que a imaginação podia criar. A menina ficou estarrecida.
Depois de um bom tempo, ela saiu da biblioteca de forma bem alegre, foi direto
para o seu quarto onde tirou a roupa e dormiu um sono que há muito não
tinha. Sonhou com o Egito antigo.
Os dias se transformaram em meses, e com o passar dos tempos o estranho ser
se tornava para ela um bom amigo, sempre presente quando necessitava, foi formando
uma amizade que fazia com que a menina frequentasse a biblioteca mais e
mais, a mãe quando perguntava a menina o que ela fazia, simplesmente
dizia que tinha encontrado um livro onde tinha todas as histórias que
ela queria ouvir. Eles fizeram um pacto de não contar a ninguém
sobre amizade que se desenvolveu entre eles.
Finalmente um dia o pai chegou, com um longo sorriso nos lábios, com
uma pele bem bronzeada, com os cabelos um pouco compridos e totalmente pretos,
um nariz bem aquilino e com olhos rasgados, alto e esguio. Foi abraçando
todos que encontrava pelo caminho, ficou um bom tempo dando um abraço
na filha que soluçava de alegria pela volta do pai. Toda a casa teve
uma reviravolta de animo quando o dono da casa chegou, de forma a fazer com
que a menina fosse poucas vezes à biblioteca encontrar com o seu amiguinho.
A menina ficou como quem sonha, mas, como em todas às vezes foi sendo
colocada de lado não sendo, mas o alvo das atenções tendo
que dividir o pai com a mãe e com as obrigações do emprego.
Foi, paulatinamente, indo para a biblioteca desabafar com seu amigo, Thaumatourgós,
que ouvia tudo sem emitir nenhuma reclamação, ou tentativa de
inibir a ira da menina.
- O que você deseja ardentemente? Perguntou ardilosamente.
- O que é ardentemente? Perguntou a menina com uma cara de não
entender nada.
- Aquilo que você quer mais do que tudo na vida!
- AH! - Foi o que ela disse com uma cara de entendi. - _ Desejo que o meu
pai tenha todo o tempo do mundo para mim, que fique do meu lado contando história
sempre que eu quiser! Falou enfaticamente.
- Então minha criança vamos fazer um acordo.
- Qual, de que forma?
- Você me da o que eu quero e eu te dou o que você quer. Só
isto!
- O que você quer?
- Um acordo, e para que este acordo de certo você vai ter que me da
algo que é seu, ou que venha de ti, então teremos uma sociedade.
Eu e seu pai já tivemos um acordo desta forma, e com certeza foi muito
proveitoso para ele, como será para você. Então vamos lá,
não vai doer nada, tenha certeza!
- O que eu tenho que fazer?
- Chegue mais perto e incline os seus olhos para mais perto de mim, isto deste
jeito, assim mesmo boa menina! - A criança foi abaixando a cabeça
e colocando perto do pequeno demônio que soprou em seus olhos com grande
força, ela levou um susto e imediatamente fechou os olhos e começou
a lagrimejar de forma a molhar o rosto todo. - Mais perto minha criança,
deixe que as lágrimas caiam sobre mim. - Foi o que a garota vez, com
os braços abertos e com a boca escancarada Thaumaturgós foi se
banhando e bebendo as lágrimas que caiam dos olhos da menina. - O que
é o que é tão clara e salgada tem o brilho das estrelas
e o peso das almas, tão clara e transparente e mesmo assim tão
incógnita? Lágrimas, lágrimas que me alimentam! O ser dantesco
foi tomando mais corpo ficando mais forte e tendo mais poder. Enquanto a menina
via com olhos vermelhos de tanto chorar a figura sumindo entre as letras do
livro dizendo que iria cumprir a parte do acordo.
O tempo foi passando e com a chegada de um novo chamado o pai da menina foi
novamente para uma outra viagem onde teria muito que contar para ela quando
voltasse. Ela como sempre foi chorar a partida do pai com seu amigo que sempre
falava que o acordo seria realizado era só ter paciência. Foi o
que ela fez.
A governanta.
Não há como negar que o tempo foi uma das maiores mentiras que
o homem inventou, temos que ser dominados por uns ponteiros de um relógio
que, como grades nos aprisiona, fazendo de cada um de nós condenados
a sermos sempre marionetes de Cronos. E foi este deus que passou vagarosamente
pela casa daquela criança, que foi como por um passe de mágica,
tendo mais calma com a falta do pai que o habitual, brincava com as bonecas,
mas não falava mais com ela como antigamente, ia para a escola, mas não
tinha as costumeiras queixas de sempre, ela estava mudando, e a mãe não
notava o que acontecia, só uma pessoa que notava a mudança e tinha
ideia de onde ela partia. A governanta!
Noite, as luzes estavam apagadas na grande casa, a pouca iluminação
que vinha da lua passava com dificuldade pela cortinas da casa, mas era o suficiente
para uma pessoa que conhecia os cômodos da casa se locomover sem muita
dificuldade, indo até a porta da biblioteca, e abrindo-a bem lentamente
para que não se fizesse muito barulho, o silêncio não foi
quebrado!
A governanta entrou na grande sala tomada de livros, e foi diretamente onde
se encontrava o volume que a menina tinha derrubado por acidente, se é
que existem acidentes, tomou-o e levou para o mesmo lugar que a criança,
mas diferente dela, a governanta teve uma grande desenvoltura em achar a página
certa e tocar os dedos pelo circulo e lentamente entoar o canto que a menina
fez por acaso, o som foi se misturando com as trevas do aposento, como pequenos
morcegos voando em busca de uma nova presa a escuridão foi sendo sugada
pelo livro como um pequeno buraco negro que ao invés de atrair a luz,
fazia o contrario. Lentamente o ser dantesco foi se levantando do monte de letras
tomando a forma que tanto era conhecido pela menina, e pelo visto pela criada,
a cabeça se formou com sorriso irônico, como o gato de Alice no
País das Maravilhas, o sorriso se transformou em uma saudação.
- Como vai minha querida governanta. Com uma voz zombeteira a cria da noite
foi soltando uma pequena gargalhada que não conseguiu conter quando viu
a cara de tristeza da criada.
- Achei que não nos veríamos mais. Disse a mulher com voz fraca.
- Mas, todos voltam, pelo menos aqueles que insistem em dizer que nunca mais
voltarão, como foi o seu caso.
- Achei que o nosso trato fosse durar para sempre, mas o que você fez
foi me enganar como tem enganado a menina, sei muito bem que ela tem vindo aqui
falar com você, posso sentir seu cheiro de longe, armando as coisas como
um conspirador tentando chegar ao trono do rei.
- O único trono que tentei conquistar, foi do Reis dos reis, e como
pode ver não deu muito certo. Então tive que aprender a ter outros
tronos, uma coisa que aprendi é que é melhor reinar no inferno
do que servir no céu. Você teve uma experiência semelhante,
não?
- Você disse que eu a teria sempre que quisesse mais o que aconteceu
foi que ela encontrou uma outra pessoa.
- Outra pessoa do mesmo sexo, diga-se de passagem.
- Mas, o contrato foi para que fosse eu a ter este direito.
- Você tem que aprender que direitos neste mundo são privilégios,
e privilégios são conquistados. Conquiste-os!
- Como seu demônio desgraçado! Você não cumpriu
a parte do plano, do trato, agora tenho que me contentar em vê-la nua
algumas vezes no dia, o que é uma tortura para mim, tenho que tê-la
e não vê-la!
- Vamos por parte, como diria Jack, o Extripador, o seu acordo foi de tê-la
por algum tempo, enquanto o marido dela não voltasse, o que eu fiz, mas
em tê-la para o todo sempre são coisas que teremos que fazer um
novo acordo, pois tudo na vida pode ser arranjado. Discorreu com um riso maroto.
- De novo com o seu golpe! Não vou fazer aquilo de novo! De jeito nenhum,
cria do inferno! Eu mudei!
- Como todos, só que sempre voltam para mim, conheço muitos
crédulos que como você, mudaram de lado por algum tempo, mas não
deixaram de vestir a camisa do clube adversário por debaixo da outra.
Mudar! Sabe o que significa conversão, uma mudança de mente, e
com certeza você não teve nenhuma mudança na sua mente,
como podemos ver pelos seus olhos, tive imperadores que se debruçaram
para ouvir meus conselhos, monarcas, cortesãs, covardes, corajosos, padres,
pregadores tudo e todos. Em uma sociedade corrupta como esta que, dizem serem
contra uma série de coisas, entre elas: prostituição, roubo,
hipocrisia, morte e a fome. Creia, que se uma mercadoria está à
venda, é porque, tem mercado consumidor. Os ladrões só
ficam tristes quando eles é que são os alvos do roubo, a prostituta
é inferiorizada pelos mesmos homens que vão atrás de seus
serviços, hipócritas o são por ser mais fácil à
sobrevivência, quantos morrem de fome enquanto as suas mesas sobejam alimento,
fome é um dos problemas mais fáceis de serem resolvidos, mas,
quem seria o tolo em eliminar um dos maiores controladores de população
que existe? Como disse um conhecido meu o homem é o lobo do homem! Venha
minha governanta, tenho para você um novo contrato onde terá o
que deseja, sua patroa, em uma cama coberta de seda, lembra a sua surpresa quando
teve entre os seus lábios, os montes de Vênus totalmente depilada,
totalmente lisa, de alto a baixo, aquela carne perfumada branca e bem macia.
Pode ser sua novamente, basta somente que faça o que tem que ser feito
vamos, foi bom para você e será novamente, ela gostou, acredite,
ela gostou, mas como uma dama da sociedade tinha que tomar mais cuidado, o que
ela fez muito bem, pois o marido dela já estava ficando desconfiado,
ele sempre teve uma ponta de inveja das mulheres que sabiam tocar no corpo de
sua mulher, melhor que ele. Como sei de tudo isto, tenho milênios! Vamos
dê-me o que quero e te darei o que queres. Agora! Bradou Thaumatourgós
com olhos cheio de cólera.
A governanta ficou olhando com cuidado os olhos do pequeno demônio, enquanto
ele fitava a mulher com olhos de um prestidigitador que foi aos poucos lhe mostrado
que não tinha outra saída há não ser dar o que ele
queria, foi vagarosamente desabotoando a camisa mostrando o sutiã, Thaumatourgós
ficava esfregando as mãos com os olhos ávidos como de um abrute.
Um contraste, isto que era os seios da governanta, um contraste com o corpo
já com algum peso há mais, os seios eram fartos, bonitos, bem
formados, os mamilos eram cor de rosa, feitos para o prazer.
Thaumatourgós ficou fazendo sinais para que ela aproximasse mais os mamilos,
queria que fosse o mais próximo possível, a governanta retirou
a camisa e o sutiã totalmente, mostrando os seios.
- Mais, próximo, mais próximo, você sabe que eu não
posso sair destas malditas páginas, incline ele para mim, não
é a primeira vez que você faz isto. Assim, isto mesmo, assim, boa
menina, assim mesmo que eu gosto, mas perto! Ela deixou os seios bem próximos
da boca de Thaumatourgós, ele pegou o bico do ceio da governanta e clau!!!
Cravou os dentes bem no bico do seio dela que deu um pequeno grito de dor, mas
mordeu os lábios para que não acordasse ninguém, ficou
ali como um pequeno morcego que recebendo o leite materno, dava pequenas cabeçadas,
como um aríete, bebendo o liquido precioso para os vampiros e outros
do gênero. Um pequeno fio de sangue saiu do seio da governanta, caindo
na página do livro que o absorveu rapidamente, da mesma forma que um
sangue-suga o pequeno ser dantesco ficou ali grudado, preso, até que
se saciou totalmente o desejo e como uma fruta madura caiu largando-o. Estava
cheio! Soltou um grito de prazer.
Ali na biblioteca escura, como uma pintura de Caravaggio, iluminada somente
pela luz tênue a governanta massageia o seio dolorido, com os lábios
vermelhos da mordida que deu em si mesma, enquanto uma gargalhada varria toda
a biblioteca, como uma grande pororoca, encontrando as águas do mar do
prazer com os rios da vontade.
- Diga-me, por que os esperançosos são os mais saborosos? A
mulher ficou em silêncio.
O Fim.
A casa estava em silêncio, o corredor, a escadaria, a sala de jantar,
os quartos, o chafariz, o jardim e com ela vinha o silencio do crepúsculo
do dia. Tudo mostrava como o tempo passou vagarosamente entre os galhos das
árvores torcidas que circundavam todo o jardim, o que se sentia na casa
era que a calmaria antes da tempestade já se anunciava, o sussurrar das
asas de um querubim caído, já batia entre os cômodos daquela
residência.
Um carro passou pelo portão, um automóvel totalmente preto, foi
avançando lentamente pelo jardim até que circundou o chafariz
e ficou perto da porta. Desceram do carro, a esposa, a governanta e a menina,
todas de preto, com olhares distantes e em uma posição corporal
cabisbaixa. Foram, para a casa sem olhar para trás, entraram e deixaram
o motorista simplesmente olhando o cortejo.
A mulher deixou a bolsa sobre a mesa, a menina ficou sentada na poltrona com
um olhar distante, a governanta somente ficou olhando o que acontecia. A mãe
tirou os óculos escuros e sentou ao lado da filha, acariciou lentamente
a cabeça da garota que, não tirou os olhos do nada.
- Minha filha, calma que tudo vai dar certo, o papai foi para um lugar muito
bom, ele foi para o céu, para ficar junto com Deus. Nada vai faltar para
você, pode ter certeza que mamãe vai cuidar muito bem de tudo,
temos que pensar que agora ele está melhor do que antes. Ele está
com Papai do Céu!
A garota estava como em estado de choque, não dizia nada e nem mesmo
se preocupava em olhar para os olhos da mãe, o que ela fazia era olhar
para o nada como se tivesse vendo alguma coisa que era oculta para os outros
olhos. Algumas lágrimas caíram dos olhos da menina, como estrelas
cadentes que com um brilho rápido que da mesma forma perde o esplendor
e o poder, e o que sobra são lembranças.
O jantar foi funesto, em palavras simples por que na verdade foi horrível,
a garota nada comia, e mesmo assim tinha que continuar na mesa, a mãe
só fazia uma única coisa, tentar provar que tudo estava bem e
que poderia dar jeito em tudo. Conversava com ela como se tudo tivesse sido
um simples capricho da natureza, do destino. A menina era mais honesta e sabia
o que veria pela frente e nem tentava dourar a pílula. Era mais fácil
se contentar com a verdade, pois ela não pode ser desmentida. Ia sempre
para a biblioteca, conversar com seu amigo. Os dias foram passando e de repente
se tornam meses, o tempo na casa foi voltando a seu favor, a menina voltou novamente
a sorrir e a governanta notou que o semblante da mulher tinha melhorando. Tudo
estava como dantes no quartel de Abrantes.
Até a governanta tinha um ar mais feliz estava frequentemente indo
consolar a patroa em seus aposentos com um sorriso nos lábios que nunca
viu antes. Estava cuidando do corpo, da aparência, das coisas que antes
deixava de lado. A pele tinha mudado como que por encanto em uma pele mais viçosa,
e mais bronzeada. Tinha tomado uma nova imagem. Acompanhava a patroa para fazer
compras, o que não fazia antes, dava palpites de cores, de produtos de
objetos. Vendo o que acontecia, notava-se que quem tinha ficado viúvo
tinha sido o marido.
A menina brincava com muita alegria pela casa, tinha feito novos amigos na escola,
alguns meninos vinham lhe fazer uma visita para trabalho em grupo, ela gostava
se sentia amada. Depois da janta ela sempre ia para a biblioteca, para ficar
algumas horas lá, a mãe uma noite lhe perguntou o por que de tanto
zelo na leitura e que livro ela estava lendo naquele momento. A menina respondeu
que nenhum o que ela fazia era ficar lá ouvindo histórias de muitas
viagens.
- E quem conta estas histórias minha filha? Indagou a mãe.
- Papai me conta!
- Quem?
- Já falei, papai!
- Minha filha, seu papai morreu já faz alguns meses.
- Eu sei mãe, mas ele vem me contar histórias todos os dias,
agora ele tem tempo o bastante para me contar histórias. Bastante tempo!
Disse a menina indo correndo para a biblioteca para a costumeira hora da história.
A mãe nada falou somente ficou observando a menina. Achou que fossem
tolices de uma criança, que com o tempo passaria. A governanta somente
olhava o que acontecia, como uma sombra, que a luz mais forte não conseguia
espantar.
Um som de campainha soou por toda casa, a governanta rapidamente foi atender,
um homem alto com roupas pretas cabelo grisalho e com um cavanhaque igualmente
grisalho é que estava na porta, estendeu a mão sem falar nada.
A mulher entendeu o recado e entregou o embrulho que se encontrava em cima da
mesa, um pacote de papel pardo, aparentando ser um livro. Colocou na mão
do homem que simplesmente agradeceu deu meia volta e se foi.
- O que você vai fazer com este livro? Perguntou a mulher na porta.
- O que todos tem feito no decorrer dos séculos, vou passar o conhecimento
para outros. Foi o que o homem respondeu sem nem mesmo olhar para trás.
A governanta teve a impressão de ter ouvido uma risada, mas não
sabia se vinha do homem ou do livro. Antes de fechar a porta, sentiu um dos
bicos do seio úmido, quando olhou para ver o que era, viu uma pequena
mancha de sangue se formar no seio que Thaumatourgós tanto gostava de...
brincar!
Por um momento ela teve a impressão de ter ouvido uma risada sarcástica.