(Dedicado a Peter Kropotkin)
As ruas encontram-se quase desertas. O vento frio varre todos os cantos. Uma
música triste e melancólica faz coro com o silêncio dos
inocentes. Se é que isto existe. Um lençol branco cobre o firmamento.
Em alguns momentos vê-se o azul imaculado o lençol. As janelas
estão fechadas. As portas fazem companhia as janelas. Os flocos de neve
caem nos lugares certos.
No final da rua, um ponto começa a se mexer. Submergindo do concreto
e aço. Uma longa barba, um boné amarelo desgastado, um cachecol
marrom que balançava ao vento, um capote pesado verde, mãos dentro
dos bolsos, uma fumaça saindo da boca semiaberta. Olhar compenetrado.
Passos bem cadenciados.
Vai em direção ao parque. Nota um chafariz seco e congelado. As
árvores desprovidas de verde. Poucas crianças brincando, fazendo
homens de neve, batalhas com bolas do mesmo material, algumas mulheres com crianças
bem agasalhadas, transeuntes seguindo direções imaginárias.
Senta em um banco. Um homem ao lado dele o encara, encontra-se vestido com um
casaco amarelo ouro e em cima da cabeça uma toca marrom. Não liga
para os olhares. Tira de dentro do capote alguns papeis e um lápis com
a ponta bem afinado. De outro bolso tira óculos esféricos e pequenos,
os coloca em cima do nariz diante dos olhos. Começa a fazer a revisão,
rabiscando e anotando em uma folha de cujo o título é " Le
Révolté".
Em alguns momentos olha para o parque e as pessoas que lá estão.
Para logo depois abaixar os olhos para os papeis. Em determinado momento, fecha
os olhos e começa uma lenta viagem. Abre-os e encontra-se diante de uma
pesada porta de madeira. O corredor e os muros são de pedras maciças.
A porta se abre para faze-lo entrar em um cubículo. Dentro os únicos
objetos são uma pesada cadeira de carvalho e uma cama simples. Uma luz
débil entra por uma janela com barras grosas que fazem um estranho desenho
no chão. A porta se fecha fazendo um estrondo. Encontra-se sozinho no
meio de tudo.
Faz uma firma resolução de não sucumbir. Para manter a
energia física andava cinco milhas por dia e, duas vezes por dia, fazia
exercícios com a cadeira. Logo que o deixaram usar a pena e o papel,
lançou-se em revisar alguns trabalhos que tinha deixado inacabado como,
também, via novos horizontes políticos em uma nova maneira de
ver o mundo. Contudo, com o passar dos tempos, em ambos os casos sentia um grande
desanimo.
Como se atravessa-se um longo inverno, sente que a mente não se aprofunda,
espera ansiosamente o surgimento do sol no horizonte. O tempo passa lentamente.
Sente falta dos estímulos do mundo lá fora, as milhares de cores
que chegam, os sons e sentimentos que fazem parte do seu eu, ali tudo é
igual. Nada muda, tenta encontrar algo que quebre a rotina, mesmo que seja a
passagem do sol sobre o ponteiro de uma torre. O banimento dos estímulos
é o que o deixa sem ter ânimo para continuar. Será isto
um plano? Ele pensa. Com uma mente casando sem nada que a estimule, com o coração
defraudado e com o sangue fraco a imaginação fica estagnada.
Na prisão, desprovido de todos os sentimentos e dos elementos que dão
estímulos, como fazer com que a força de vontade prevaleça?
Quando forem colocados na rua, como eles terão uma convicção
para não voltar para a senda que os trouxe para este fim? Pois, se foi
a ausência da força de vontade que fez com que os indivíduos
que ali se encontram tivessem que pagar com o preço do banimento da liberdade.
O que os prisioneiros precisam fazer é seguir a corrente para não
receberem um castigo mais cruel.
Quando saírem o que farão? Sem terem a vontade de resistir não
tomarão o mesmo curso que os fez serem o que são? Não os
farão voltar para este mesmo fim? O que eles esperam? Que com a retirada
de toda a força de vontade se tornem instrumentos perfeitos para os que
seguram as cordas das marionetes? Será tudo isto um plano?
Ver um guarda andando preguiçosamente, a sua frente um preso com o mesmo
andar. Para que ter alegria neste trabalho escravo, se foi tirado do homem o
que há de melhor na atividade: o prazer de criar e produzir algo novo.
Para que tudo isto? Mas, não é está a prisão que
recebe os maiores elogios? Por um único motivo: muitos prisioneiros que
são controlados por poucos guardas! São estas as penitenciárias
que mais recebem louvores. Querem robôs, autômatos, que comem, trabalhem
e durmam com uma corrente elétrica acionado por um único homem.
Quando forem colocados nas ruas, quem os ajudara? Quem estenderá a mão
para eles? Quem dirá para que sentem e descansem? Para que tomem um pouco
de comida e arranjem um lugar para trabalhar. Se ele agora tem todos os vícios
de uma prisão. Será tudo isto um plano?
A sociedade não é assim, uma grande prisão? Não
temos nós os mesmo vícios e cacoetes que os presos. Não
estamos em celas? Não estão tirando nossos estímulos? Não
nos transformaram em escravos de uma máquina? Não somo nós
os autômatos que trabalham com o impulso elétrico acionado por
um único homem?
Abre novamente os olhos. Encontra-se no mesmo parque de tempos atrás,
antes de empreender uma viagem. O mesmo firmamento, o mesmo banco, as mesmas
árvores, a mesma neve, com uma única exceção: encontra-se
sozinho! Não há mais ninguém no parque, nem uma viva alma,
nada que lhe faça companhia.
Guarda os papeis, tira os óculos e os coloca em um bolso menor dentro
do capote, ajeita o boné e fica fitando o horizonte, esperando que o
sol nasça trazendo com ele novas esperanças.