A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Noitesdeverão(!)

(da'Campo Lucas)

Da rua cheia, do escuro agitado, do céu artificialmente iluminado, do ar perturbado pelos aparelhos de som: vazio.

Da areia a que a lua empalidece, das gaivotas silentes que a noite esconde, dos siris desnorteados pelo champagne que respinga em suas tocas: inércia.

Do, 10, 9, 5, 2, 1: sobem os fogos!

Pá! Pou! Stá! Xxxxrrrr...

O adolescente não entende. Aperta a areia em seus punhos, enquanto os vultos o envolvem. Procissão complexa desnorteada esquizofrênica. FELIZ ANO NOVO! E se beijam e se abraçam e se confraternizam por um amanhã de que ele não espera nada.

Ele é sozinho, chorão demais. Cresceu envolto por informação demais, cuspida em jornais demais, em sites demais, em aulas demais. Aprendeu tanta coisa que se sente triste. Entendeu tanto da realidade humana, da saga nasce-cresce-morre que se sente triste demais. Sua cabeça está sobrecarregada. Dá Tilt.

Pensou em pensar, e em existir: restou-lhe desistir. Seu corpo como um comportamento químico singular. Esse todo (mar à frente, areia embaixo, e tudo que é provável que exista atrás) como um emaranhado de energias singulares. Essa holística personificação do nada. Grande! Grande nada! Que não faz e nem precisa fazer sentido, e nem pede desculpas pela prepotência.

Ele já foi criança. Não sabia de muito. Tudo parecia ser tão misterioso por trás daqueles enormes muros. Hoje cresceu - passou dos muros, em altura - e descobriu que atrás existem casas onde famílias se repetem. As mesmas que estão entornando o álcool pra que suas mentes amenizem os sentidos e, então, harmonizem-se com essa deslógica universal. Aquelas que acham que tudo isso é aceitável...

Deita na areia. Olha pras nuvens que escurecem ainda mais a noite. Sente-se lá em cima, levando foguetadas. A cada estouro sua pele imagina-se ardendo. Seus tímpanos, rompendo. Seus olhos, ofuscando. Infelizmente recupera a compostura e descobre que nada sentiu. Descobre-se não-sinestésico: está ali, ridiculamente esticado despejado evacuado na praia. Enjoa de enojar-se. Levanta. Vai ao bar.

Balcão. Pede uma caipirinha, puxa uma cadeira de plástico. Senta-se com muita dificuldade: ta socado de gente, o bar. Tem muitos conhecidos, mas prefere sentar-se sozinho. Tira os chinelos, sente a areia entre os dedos do pé. Fecha os olhos: largo gole. Escuta a música ambientemente surubada com as vozes desconexas-tagarelantes.


Olha para o nada. Por muito tempo...

Passou-se mais um ano. Passou-se mais um ano...

Volta para casa, pisando, chutando as folhas secas-crac-crac que aparecem em seu caminho. Entumbece na cama.

Silêncio.

... Interrompem-lhe alguns raios de sol...
... o braço instintivamente fecha a cortina...
... volta pra cama (redormir, redormir...)
... finge que é madrugada enquanto espera que alguém lhe acorde para o almoço...

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br