Da rua cheia, do escuro agitado, do céu artificialmente iluminado,
do ar perturbado pelos aparelhos de som: vazio.
Da areia a que a lua empalidece, das gaivotas silentes que a noite esconde,
dos siris desnorteados pelo champagne que respinga em suas tocas: inércia.
Do, 10, 9, 5, 2, 1: sobem os fogos!
Pá! Pou! Stá! Xxxxrrrr...
O adolescente não entende. Aperta a areia em seus punhos, enquanto
os vultos o envolvem. Procissão complexa desnorteada esquizofrênica.
FELIZ ANO NOVO! E se beijam e se abraçam e se confraternizam por um amanhã
de que ele não espera nada.
Ele é sozinho, chorão demais. Cresceu envolto por informação
demais, cuspida em jornais demais, em sites demais, em aulas demais. Aprendeu
tanta coisa que se sente triste. Entendeu tanto da realidade humana, da saga
nasce-cresce-morre que se sente triste demais. Sua cabeça está
sobrecarregada. Dá Tilt.
Pensou em pensar, e em existir: restou-lhe desistir. Seu corpo como um comportamento
químico singular. Esse todo (mar à frente, areia embaixo, e tudo
que é provável que exista atrás) como um emaranhado de
energias singulares. Essa holística personificação do nada.
Grande! Grande nada! Que não faz e nem precisa fazer sentido, e nem pede
desculpas pela prepotência.
Ele já foi criança. Não sabia de muito. Tudo parecia
ser tão misterioso por trás daqueles enormes muros. Hoje cresceu
- passou dos muros, em altura - e descobriu que atrás existem casas onde
famílias se repetem. As mesmas que estão entornando o álcool
pra que suas mentes amenizem os sentidos e, então, harmonizem-se com
essa deslógica universal. Aquelas que acham que tudo isso é aceitável...
Deita na areia. Olha pras nuvens que escurecem ainda mais a noite. Sente-se
lá em cima, levando foguetadas. A cada estouro sua pele imagina-se ardendo.
Seus tímpanos, rompendo. Seus olhos, ofuscando. Infelizmente recupera
a compostura e descobre que nada sentiu. Descobre-se não-sinestésico:
está ali, ridiculamente esticado despejado evacuado na praia. Enjoa de
enojar-se. Levanta. Vai ao bar.
Balcão. Pede uma caipirinha, puxa uma cadeira de plástico. Senta-se
com muita dificuldade: ta socado de gente, o bar. Tem muitos conhecidos, mas
prefere sentar-se sozinho. Tira os chinelos, sente a areia entre os dedos do
pé. Fecha os olhos: largo gole. Escuta a música ambientemente
surubada com as vozes desconexas-tagarelantes.
Olha para o nada. Por muito tempo...
Passou-se mais um ano. Passou-se mais um ano...
Volta para casa, pisando, chutando as folhas secas-crac-crac que aparecem
em seu caminho. Entumbece na cama.
Silêncio.
... Interrompem-lhe alguns raios de sol...
... o braço instintivamente fecha a cortina...
... volta pra cama (redormir, redormir...)
... finge que é madrugada enquanto espera que alguém lhe acorde
para o almoço...