E a mulher loiríssima teclava com paixão desacelerada numa
lan house.
Estava de novo fazendo companhia a si mesma, após um período em
que fora de muitos. Nossa, como a solidão faz falta. Gastando os últimos
três pila da féria noturna, escrevia uma breve biografia matinal,
para lembrar-se de quem era. Ponto.
A última vez que fizera isso foi quando escrevera este papel que ela
passava a limpo num blog de fundo vermelho vivo.
De alguma forma ainda sentia necessidade de ser de muitos.
A cabeça estava voando, leve, leve da falta de sono e das tequilas daquele
cliente legal. Ele conversava com ela como mulher. Não importava se estivesse
grávida. João Henrique só pagava o papo mesmo, pois era
casado com uma católica extrema.
Quando estava com ele retornava ao lugar em que era a Glória em si.
Agora seria o João um dos poucos clientes que restariam, pois mais um
passo ela estava dando, em uma nova direção. Logo mais Daniel
nasceria e ela finalmente seria de apenas um ser masculino.
Leu na carta velha que escrevera a si mesma, sete anos atrás:
"Oi! Meu nome é Glória e adorei ter nascido mulher. Se
eu tivesse nascido feia, quem sabe tivesse sofrido mais com essa marca de nascença,
mas a vida sempre foi muito generosa comigo. Sempre soube trocar muito amor."
Sua clientela era fiel por causa disso. Faz muita falta o amor, principalmente
nesses tempos em que é preciso pagar por qualquer coisa.
A paixão serve apenas quando nos faz alçar voo. É
melhor deixá-la para realizações pessoais.
Amigas casadas sempre se queixaram da solidão, e temia ficar como elas,
hamsters adestrados de shoppings centers. Nunca vira um amigo seu pensar
nas esposas como parceria. Geralmente as transformavam em bocas de cofres vazios,
sempre querendo mais e mais cédulas, mais e mais bibelôs. Glória
lembrava-se disso toda vez que contava o dinheiro ganho ao final do expediente
noturno. Um pouco de cada solidão masculina ejaculada e não precisava
esvaziar totalmente o bolso de ninguém.