- Robério é Robério! - levanta a lebre a universitária
-
Lita, de cara fechada, resmunga: "Maldita!". Arrepende-se do dia em
que deu um esbarrão nela - involuntariamente, como todo e qualquer destino
- pelos corredores da Universidade Federal da Bahia.
- Café?
- Sim.
Serve: "Sebosa!". Resmunga mais educadamente. Jamais poderia imaginar
que, um dia, ela estaria ali - em sua própria casa - e que lhe serviria
o seu café mais fresco e saboroso. Café com quenturas de carinho
pro Robério, que não tardará a chegar. "Sebosa maldita!"
Repete em pensamento, num tom bem menos cordial que os dos resmungos.
- Robério é Robério! - Lita, por sua vez, também
levanta a lebre -
Ela olha a tudo e a tudo com uma atenção de bordadeira. Raiva!
A borda da xícara está bichada, ela percebe. Quanta raiva: "Fresca!
Nojenta!". Crime é ainda sorrir para aquela universitária:
"Beijaste sem parar a boca de quem bebeu muito café nesta xícara
de borda lascada!". Ah, que vontade de esganá-la!
- Meu marido!
- Sei.
- Maridíssimo!
- Sei também.
- Somos felicíssimos!
- Também sei. Ainda bem.
Lita, com Robério meio morno, passou a dar ouvidos ao comportamento dos
maridos em geral. Aprendeu que alguns se cansam por excesso de nudez, que outros
são dependentes do acordar ao dormir, que outros se esquecem até
da cabeça sobre o pescoço, que outros não usam camisinhas
nem desodorantes, que outros só se excitam quando mordem a própria
língua, que outros se abstêm para manter o amor em alta, que outros
viram fera ante uma resposta austera; mas todos têm a mesma cara de sonho
quando eleitos. Todo marido - qualquer que seja o marido - é, assim como
na política, muitíssimamente mal escolhidos.
Um esbarrão, e pronto: Ligia, a universitária, uma quase diplomada.
E nem ao menos foram formalmente apresentadas.
- Delicioso o teu marido! - fala Lígia por falar -
- Robério é Robério! - Lita acata -
Todo o subúrbio de São Tomé de Paripe chama Robério
de "o marido de aluguel". Culpa de Lita. Todos sabem. E, se emprestou
mesmo, e daí? Robério foi seu primeiro namorado, na época
em que doze anos eram só doze anos. A sua menstruação acabara
de espocar! Escanteou as bonecas e seu sonho de modista. Homem que é
homem de verdade não deixa que as mulheres - mesmo nem tão mulheres
- se prendam a falsos filhos. Defenderá Robério com unhas e dentes
- até - de uma quarta dentição. Pobre Robério -
bobo! -, sempre a amou com uma estupidez de ingênuo.
- Delicioso teu café. - delicadamente, Lígia põe a xícara
sobre a mesinha de centro -
- Café é café.
- Assim como Robério é Robério!
Nenhum arrependimento. O que está feito está feito! Robério
jamais poderia acordar às seis da manhã, trabalhar em horário
integral, e concluir seu curso de comunicação - é redator
de mão cheia - aos tropeços. Tudo tem seu tempo. Entre Salvador
e São Tomé de Paripe, uma distância imensa. E, para que
seus sonhos se realizassem permitiu-se ser traída para que Robério
se formasse. Mas só até quando ele conquistasse o diploma.
- Robério é Robério! - elas sabem -
Robério está por chegar. Elas sentem. .
Todas as amantes são cúmplices. E, quais cúmplices, combinam:
"Nada de pô-lo contra a parede. O famoso: ou eu ou você!".
E agora, Robério?
Lita no sofá, Lígia na cozinha: guardanapo e pano de prato. Robério
pasmo. Um devasso ou um assustado? Etiqueta, para quê? Discrição,
para quê? Trama dantesca, maquiavélica. Um Robério para
duas?! Em Salvador, amante de Lígia; em São Tomé esposo
de Lita.
Imorais! Escancaradamente imorais! A comunidade de São Tomé de
Paripe estava certa. Franciscanos ainda usam sandálias? A Ordem Terceira
de São Francisco que me espere. Descalço, Robério foge.
Pernas para que te quero!
Lita e Ligia o perseguem - escandalosamente histéricas - aos gritos.
- Suburbano de uma figa! Suburbano de uma figa! Suburbano de uma figa!