A Garganta da Serpente
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O banquinho

(Dorcila Garcia)

Eram três amigos inseparáveis. Nos tempos de capa e espada poderiam ser chamados de "Os três mosqueteiros", tal era a amizade forte e sincera que os unia. Um dia, através de Juanita, uma amiga comum, que mais tarde deixaria a empresa, a vida uniu os três, que logo perceberam afinidades preciosas entre si. Carinhosamente, chamavam-se uns aos outros de "Criança".

Adélia, a Criança-Mor, era pessoa de riso solto, espontâneo, que semeava alegria por onde passava. A ela se uniu Edgar, que veio trabalhar na mesma seção, oriundo da fábrica. Adélia era farmacêutica formada pela USP e Edgar, um modesto funcionário de serviços gerais. Essa distância hierárquica que, aos olhos dos outros, deveria impossibilitar a amizade, para eles jamais teve a menor importância.

Por último, veio juntar-se a eles Priscila, a assistente da vice-presidência. Era uma moça culta, preparada, por isso mesmo, de grande simplicidade. Seus valores eram firmes, baseados na integridade e na firmeza de caráter. Tudo fluiu tão naturalmente entre os três que chegaram a despertar o ciúme de muitos funcionários, por se mostrarem tão desapegados das escalas hierárquicas.

Para eles, o momento mais importante do dia era a hora do almoço. Não tanto pela natural necessidade de se alimentarem, mas pela chance de fazerem uma pausa após a refeição. Sentavam-se naquele banquinho de ferro, pintado de branco, em uma das praças que havia na empresa. Ali não viam os minutos passarem e conversavam, em plena paz, sobre os mais diversos assuntos.

O banquinho ficava em frente a uma árvore centenária, cuidadosamente conservada pelo pessoal do meio ambiente. Havia também um gramado verdejante, com pés de manacá, canteiros de rosas e outras flores cheias de encanto. Era o paraíso. Tirava-lhes qualquer tensão que as atribuições de trabalho pudessem lhes causar. Ali era seu espaço, seu oásis, seu xangrilá.

Um dia, Priscila precisou deixar a empresa para ir viver com sua mãe, senhora já idosa, em uma cidade do interior. Restaram ainda dois mosqueteiros. Continuaram a sentar naquele banquinho na hora do almoço e recordavam com saudade a falta que Priscila fazia. Mas seguiam alegres e bem-humorados, pois era como se tivessem uma dívida de honra de não abandonar o prazer daqueles momentos por nada deste mundo.

Um ano depois da saída de Priscila, foi a vez de a Criança-Mor, Adélia, buscar outros caminhos. Recebeu proposta para uma posição melhor em outra empresa e aceitou. Tinha que pensar na sua vida profissional. Ficou triste em deixar seu grande amigo, mas Edgar prometeu que não iria abandonar o banquinho, nem que fosse para sentar-se nele sozinho. Não deixar o banquinho simbolizava que a amizade dos três continuaria inabalável. E assim foi.

Hoje apenas Edgar permanece lá, mas os três continuam mais unidos do que nunca. Conversam por e-mail, algumas vezes por telefone, e só não se encontram com frequência por causa da vida atribulada que levam. Mas continuam mantendo viva a chama daquela amizade, que adotou por símbolo um indestrutível banquinho de ferro, todo pintado de branco, como a paz que existe em seus corações...

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