Clarice depositou as malas no chão e ficou parada, olhando o casarão
à sua frente. A casa parecia pertencer ao século passado, como
se tivesse saído de uma tela histórica. Seus olhos, contemplativos,
começaram a percorrer lentamente a paisagem.
As janelas do casarão mostravam vitrais em arco, com frisos tintos de
azul. Sugeriam silhuetas de donzelas pálidas, à espera de amores
perdidos. Clarice quase chegou a entrever-lhes os longos cachos enfeitados de
fita, tal a nitidez de seus pensamentos.
Voltando-se para a direita, enxergou um flamboyant de belo porte, copa cerrada,
raízes fincadas no chão, feito garras de águia segurando
a presa. Os galhos da árvore exibiam sua robustez como se fosse um concurso
de músculos. Flores vermelhas espalhavam-se-lhe por toda a copa, dando-lhe
matizes ora rubros, ora acobreados, qual pincel multicor brincando livre em
aquarela. Caídas no chão, inúmeras flores formavam um tapete
carmim, parecendo preparar-se para a chegada de algum membro da realeza.
Os olhos da moça, pousando de relance sobre a frente do casarão,
deslizaram para a esquerda, onde divisava-se uma trilha estreita por entre nichos
de plantas em flor. O misterioso caminho parecia levar a algum lugar secreto,
mas assim, à distância, ficava difícil distinguir. Além
disso, galhos encharcados de flores amarelas derramavam-se sobre a entrada do
suposto esconderijo, cobrindo-o quase que por completo.
O olhar de Clarice, flanando, fixou-se novamente nas janelas da majestosa casa.
Cortinas brancas, leves e transparentes balouçavam ao vento, prenunciando
a chegada das chuvas de verão. Um leve tremor percorreu-lhe o corpo,
parecendo despertá-la de seus devaneios. Respirou fundo, pensativa. Balançou
de leve a cabeça, esforçando-se para voltar à realidade.
Afinal, ali estava. Nesse lugar, esperava encontrar a paz. Deixara toda uma
vida para trás quando aceitara aquele trabalho de governanta, elegantemente
designado como "preceptora" no contrato de trabalho. Mas não
hesitara. Agora, sentia-se perdida na imensidão daquela fazenda, parada
em frente de um casarão que recendia a mistério. Isso lhe causou
um arrepio quase imperceptível, mas não estava arrependida. Precisava
desse isolamento. Além disso, não dava mais para recuar, falou
consigo mesma, esperando que esse pensamento não a deixasse retroceder.
Clarice segurou fortemente as malas e começou a caminhar, com passos
firmes, em direção à casa. Ali, pensou convicta, iria conseguir
libertar-se daquele amor impossível que deixara para trás e que
tanto a fizera sofrer. Haveria de ir saindo lentamente do seu coração,
como um vulto sinistro, que desaparece na bruma da noite sem deixar vestígios.