Era tarde da noite e, de tão deserta, eu ouvia o ecoar dos meus passos
no fim da rua. No chão, ainda molhado pela chuva, o brilho da luz fosca
ressaltava a contradição que em mim surgia: mãos esperançosas
a remexer o nada no bolso de meu paletó, os tostões deixados alhures
como migalhas dadas aos pombos. Nada me restava a não ser um cigarro.
Apenas um cigarro para acompanhar o retumbar de pensamentos sórdidos
em minha mente. Reis que correm nus por um campo feito de ouro onde espadas
brotam das copas... Eu estava perdido e, em vão, caminhei assim,
sonoramente pensativo, por um longo tempo.
Larguei-me então sobre o meio-fio da calçada para esquecer. Do
outro lado da rua, vi que uma mulher vestida de noiva, sentada à espera,
chorava compulsivamente.
Se naquela noite eu não tivesse perdido tudo, tendo em mãos uma
sequência com rei de ouros como carta alta, talvez eu visse naquela
triste noiva uma foliã retornando bêbada de um baile de carnaval.
Quem sabe? Mesmo não sendo época de carnaval, se eu estivesse
feliz ela estaria sim vindo de um baile. Ou talvez eu a quisesse como noiva
de festa junina, não importa. O fato é que, quando estou bem,
suponho a felicidade dos outros. Essa é a minha forma de egoísmo.
E não precisa me dizer, caro leitor, eu sei, não há crueldade
maior do que a daqueles que curam a dor dos outros fechando os próprios
olhos.
Mas eu estava triste. E toda aquela tristeza me permitia afirmar, com a irretocável
segurança que costumo dispor, que as lágrimas daquela noiva eram
de dor. Quem haveria de negar? Quaisquer olhos enxergariam uma dor atraente,
uma dor genuína, sincera, bonita. Acrescente a isso o som de seu choro
que reverberava de maneira a ser possível ouvi-la atrás de mim,
sussurrando auguras torturantes, desmanchando a menina que até então
dormia abraçada ao seu gato de estimação.
Levantei-me em sua direção movido pelo sentimento de solidariedade
que floresce justamente naqueles que nada têm a oferecer. Quase despercebido,
sentei-me ao seu lado e ali permaneci sem dizer uma palavra sequer. Ficamos
assim parados, lado a lado, dominados pelo silêncio que gela os pés
da alma e inevitavelmente espera, espera, espera...
Espera algo que sugere a esperança na suave brisa que, entre os galhos
das árvores, revela dois grandes olhos de coruja. Ou quem sabe apenas
aguarde o vento que sopra, disseca e seca as lágrimas dos que se calam.
Suposições, para não dizer que o silêncio espera
o tufão que nasce do encontro de olhares descuidados.
Rompendo a silente espera, um jornal velho, solto pelo chão, passou carregado
pelo vento. Ao mesmo tempo a luz do poste falhou, piscou por alguns instantes
e deu início às primeiras gotas de chuva. Foi quando me levantei,
olhei para os lados e retornei para o outro lado da rua.
À beira da calçada, através da chuva, a noiva mantinha-se
imersa em sua atmosfera nostálgica, enquanto eu, prestes a sucumbir em
uma implosão existencial, fui desaparecendo aos poucos. Senti como se
eu fosse uma personagem de um conto literário qualquer, fruto da imaginação
de uma mente inconformada e subversiva, que no entanto começava a ter
consciência de sua realidade. Não é fácil, nobre
leitor, eu posso lhe afirmar. Antes é preferível ser um móvel
velho esquecido no fundo de um calabouço, a ser um títere nas
mãos de uma pessoa angustiada e egoísta.
Diante daquela revelação quase mística, me senti impelido
a libertar a pobre noiva de seus sofrimentos. Ela precisava saber a verdade.
Afinal, não seria ela uma personagem criada para suportar os sofrimentos
de alguém que não sabe chorar por conta própria?
Pela terceira vez naquele capítulo de minha vida, levantei-me para atravessar
a rua. Dessa vez vi que a noiva parara de chorar. Ela virou seu rosto em minha
direção e, com seu delicado olhar borrado pela maquiagem, esperou
por mim.
Naquele momento veio-me à cabeça o som das cinco cartas batendo
na mesa, o cheiro dos charutos, o silencio inicial e, em seguida, os gritos
de euforia. Quem suportaria tamanha sensibilidade num momento desses?
Olhei então para meu punho e notei que agora eu usava luvas. Como se
não bastasse, grandes sapatos vermelhos em meus pés dificultavam
meu equilíbrio. Levei minhas mãos à cabeça e me
deparei com um chapéu que não me lembrava ser meu. Saiba, estimado
leitor, que para não lhe furtar a verdade, supero a vergonha daquele
momento, quando lhe digo que em meu rosto teve vez um triste nariz de palhaço.
Respirei fundo ao confirmar minha natureza irreal, e caminhei em direção
àquela pobre moça. No entanto, após dar meus primeiros
passos, caí morto no chão.
Graças a mim, ou talvez àquele que fala através de mim,
a noiva, dominada por uma alegria incontida, pôde então sorrir
novamente.