Não devia ter bebido tanto. Sou um trouxa mesmo, sei que perco a razão
quando bebo. Agora estou voltando sozinho pra casa porque não tenho carta
nem carro e parece que não tenho mais nem namorada. Ô ciúmes
besta, mente alterada! Não foi nossa primeira briga, então por
que estou me sentindo tão mal? Pelas coisas que disse, que oculto...
eu amo essa mulher! Vou engolir esse orgulho mesquinho e tentar consertar a
situação. Sua casa está perto, vou chegar rápido.
Vejamos... onde estou? Perto da prefeitura, vou descer a Visconde então.
A casa dela é logo ali. Bem que poderia aparecer alguém agora.
Não gosto de andar sozinho na calada da noite. Já fui assaltado
e hoje não estou tendo uma noite boa. Será que o Lucas está
trabalhando ainda? Não custa verificar, vou dar uma volta pelo quarteirão...
ali, de uniforme, deve ser ele.
- Lucas! Ei... é você?
- Oi, Luís, tudo bem? Como foi a festa?
- Nem te digo, amigo. A Karen e eu acabamos brigando.
- De novo?
- Pra variar... né? Escuta, você está muito ocupado?
- Ta brincando? Não acontece nada por aqui. Meu trabalho é tranquilo.
Por quê?
- Vamos dar uma volta comigo até a casa da Karen? Não estou muito
legal, sei lá, mau pressentimento. Pode ser?
- Espera um pouco então. Tenho que dar mais uma volta no quarteirão
para verificar as portas da prefeitura e fechar a da guarita. Já volto.
- Não demore.
- Não vou...
A essa hora Karen já deve estar em casa. Vou tentar o celular. 99234599...
send.
- Alô!
- Oi, sou eu. Não desliga não, por favor...
- Não quero falar com você agora, Luís. Que vergonha você
me fez passar na festa. De novo, né? Como você é sem noção
pra ligar pra mim agora? Vê se entende: acabou!
- Desculpa, Ka. Desculpa mesmo. Eu pensei que aquele cara tava dando em cima
de você...
- "Aquele cara" é o Márcio, teu amigo. Se liga, você
tem que parar de beber. Não to a fim de conversar, olha, a gente se fala
amanhã, quando você estiver novamente em si...
- Ka, minha linda, por favor, preciso ver você agora. Deixa a porta aberta,
vai... daqui uns minutinhos eu to aí...
- Ai, meu Deus... se eu não deixar é capaz de você dar outro
vexame, né?
- Vamos conversar então...
AAARRRRGGGHHHH!!!!!!!!!
Um grito apavorado rompe a noite.
- Luís... o que foi isso?
- Eu... eu.... eu não faço a mínima...
- Está tudo bem? Que grito é este?
- Comigo ta... ai, meu Deus!
- Que foi? Que foi? Alô? Luís?
- Tem um bicho enorme, to vendo um bicho enorme, ele me viu, ta olhando pra
cá...
- Sai daí, seu burro! Corre, sai daí logo! Sai porque...
Sem esperar pela conclusão da frase, Luís sai correndo, desesperado,
ofegante, incrédulo, pela avenida em direção a casa de
sua namorada. A criatura, faminta, ensandecida, vê sua presa tentando
a fuga e põe-se à caça. Imediatamente, seu cérebro
animalesco é invadido por uma tempestade de adrenalina.
"Mas o que é aquilo? Corre, Luís, corre, senão você
já era..."
As passadas do monstro lupino soam como a disparada de um tiranossauro irado...
cada vez mais pesadas, cada vez mais altas, cada vez mais perto, o som dos passos
acelerados mistura-se ao sabor agudo e som acre no uivo ensandecido pelo diabólico
luar que se espalha pelo espaço sem direção.
- Eu sinto que o bicho ta atrás de mim, nem preciso olhar. Droga!, mais
rápido, mais dois quarteirões...
RRROOOAAARRR!!!!! RROOOAAARRARRRR!
- Luís, vem! Vem!
RRRROAAAOOARRRRR!!!!!!
A criatura, ao perceber que sua presa iria escapar, simplesmente desaparece
pela rua enevoada.
- Vem logo, entra, entra...
- Tranca a porta, rápido! Tranca!
- Trancada! Cadê o bicho?
- Não sei... ele tava bem atrás de mim...
- Ta quieto lá fora, Lu...
- É... quieto demais...
BA-DOW!!!!! BA-DOW!!!!!!!! BA-DOW!!!!!!!!!
- Ai, meu Deus! Ele ta quebrando a porta!
BA-DOW!!!!
- Cadê a arma do teu pai? BA-DOW!
- Arma, que arma?
BA-DOW!!
- Teu pai é policial, cacete! Deve ter uma BA-DOW!!!! BA-DOW!!!!! arma!
- No quarto... acho que tem BA-DOW!!! uma lá!
- Vai BA-DOW! pegar, rápido!
POW! POW!
- Quem está atirando?!?
- Lu.... o bicho parou de bater...
- Ka... vamos esperar um pouco? Acho que vou abrir a porta.
- Seu louco, não faz isso!
- Alguém atirou, Ka. No mínimo, o cachorro ou sei lá o
que, já era.
- Karen? Tudo bem? Responde, garota! - uma voz rouca atravessa a porta.
- Abre, Lu! É o Edgar!
- Está tudo bem? O que era aquilo, afinal?
- E eu é que sei? Estava correndo atrás de mim... o senhor acertou
ele?
- Acho que sim. Ele era muito ágil, fugiu... mas não tinha jeito
de escapar de um tiro. Tenho que levar vocês para a delegacia.
- Graça a Deus o senhor apareceu, seu Edgar. Muito obrigada.
- Por sorte vim pegar munição para teu pai, estávamos saindo
para uma blitz, quando vi sangue na praça da prefeitura, segui o rastro...
- Lucas!
- O quê?
- Meu amigo! Ele está ferido! O rapaz que trabalha na guarita! Se não
estiver morto... pelamordedeus, vamos chamar uma ambulância!
- Onde ele está?
- Na praça.
- Entrem na viatura, vamos rápido para lá. Peço socorro
pelo rádio. Vamos, rápido!
A viatura aproxima-se do local, contornando o quarteirão à procura
do moribundo.
- É por aqui, seu Edgar.
- Desça do carro, rápido, mostre onde ele está!
- Perto da guarita... vem... ali, seu Edgar!
- Deve ser ele mesmo! No chão...
- Meu Deus! Quanto sangue...
O policial aproxima-se para ver o estado do jovem. Desmaiado, porém vivo.
- A sirene... deve ser a ambulância, estão chegando. - respira
aliviado o assombrado Luís.
- Ele está vivo?
- Sim - confirma o policial - mas não sei se vai resistir.
NO HOSPITAL
- Você é o Luís? - interroga o médico de plantão.
- Sim, sou eu, Luís Henrique.
- Sou o plantonista, Dr. Mário. Como isto aconteceu, rapaz?
- Ele está vivo?
- Sim, ele vai ficar bem. No que vocês estavam metidos? Teus pais sabem
disso?
- Do que o senhor está falando? Quero ver o Lucas!
- É briga por causa de drogas, não é? - suspeita o cirurgião.
- Onde você comprou o diploma? Do que está falando?
- Olha o respeito, moleque!
- Eu é que peço respeito! Estou aqui, explodindo de nervoso, esperando
pra saber como está o meu amigo, se as mordidas que ele levou foram muito
graves e você vem com...
- Que mordidas, garoto? Você está alto mesmo...
- Um animal o atacou! Não acredito que você não percebeu
isso!
- Pra mim chega! Vou chamar o policial agora para lhe interrogar. Salvei a vida
do teu amigo, por sorte as balas não atingiram o coração
dele. Foi por muito pouco mesmo. Você está delirando! Acho que
está dopado! Vou ter que solicitar um exame toxicológico!
- Exame? Drogado? Eu? Baleado? Quem????