A Garganta da Serpente
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Licaon em Lucas

(Eduardo Amaro)

Não devia ter bebido tanto. Sou um trouxa mesmo, sei que perco a razão quando bebo. Agora estou voltando sozinho pra casa porque não tenho carta nem carro e parece que não tenho mais nem namorada. Ô ciúmes besta, mente alterada! Não foi nossa primeira briga, então por que estou me sentindo tão mal? Pelas coisas que disse, que oculto... eu amo essa mulher! Vou engolir esse orgulho mesquinho e tentar consertar a situação. Sua casa está perto, vou chegar rápido.

Vejamos... onde estou? Perto da prefeitura, vou descer a Visconde então. A casa dela é logo ali. Bem que poderia aparecer alguém agora. Não gosto de andar sozinho na calada da noite. Já fui assaltado e hoje não estou tendo uma noite boa. Será que o Lucas está trabalhando ainda? Não custa verificar, vou dar uma volta pelo quarteirão... ali, de uniforme, deve ser ele.

- Lucas! Ei... é você?

- Oi, Luís, tudo bem? Como foi a festa?

- Nem te digo, amigo. A Karen e eu acabamos brigando.

- De novo?

- Pra variar... né? Escuta, você está muito ocupado?

- Ta brincando? Não acontece nada por aqui. Meu trabalho é tranquilo. Por quê?

- Vamos dar uma volta comigo até a casa da Karen? Não estou muito legal, sei lá, mau pressentimento. Pode ser?

- Espera um pouco então. Tenho que dar mais uma volta no quarteirão para verificar as portas da prefeitura e fechar a da guarita. Já volto.

- Não demore.

- Não vou...

A essa hora Karen já deve estar em casa. Vou tentar o celular. 99234599... send.

- Alô!

- Oi, sou eu. Não desliga não, por favor...

- Não quero falar com você agora, Luís. Que vergonha você me fez passar na festa. De novo, né? Como você é sem noção pra ligar pra mim agora? Vê se entende: acabou!

- Desculpa, Ka. Desculpa mesmo. Eu pensei que aquele cara tava dando em cima de você...

- "Aquele cara" é o Márcio, teu amigo. Se liga, você tem que parar de beber. Não to a fim de conversar, olha, a gente se fala amanhã, quando você estiver novamente em si...

- Ka, minha linda, por favor, preciso ver você agora. Deixa a porta aberta, vai... daqui uns minutinhos eu to aí...

- Ai, meu Deus... se eu não deixar é capaz de você dar outro vexame, né?

- Vamos conversar então...

AAARRRRGGGHHHH!!!!!!!!!

Um grito apavorado rompe a noite.

- Luís... o que foi isso?

- Eu... eu.... eu não faço a mínima...

- Está tudo bem? Que grito é este?

- Comigo ta... ai, meu Deus!

- Que foi? Que foi? Alô? Luís?

- Tem um bicho enorme, to vendo um bicho enorme, ele me viu, ta olhando pra cá...

- Sai daí, seu burro! Corre, sai daí logo! Sai porque...

Sem esperar pela conclusão da frase, Luís sai correndo, desesperado, ofegante, incrédulo, pela avenida em direção a casa de sua namorada. A criatura, faminta, ensandecida, vê sua presa tentando a fuga e põe-se à caça. Imediatamente, seu cérebro animalesco é invadido por uma tempestade de adrenalina.

"Mas o que é aquilo? Corre, Luís, corre, senão você já era..."

As passadas do monstro lupino soam como a disparada de um tiranossauro irado... cada vez mais pesadas, cada vez mais altas, cada vez mais perto, o som dos passos acelerados mistura-se ao sabor agudo e som acre no uivo ensandecido pelo diabólico luar que se espalha pelo espaço sem direção.

- Eu sinto que o bicho ta atrás de mim, nem preciso olhar. Droga!, mais rápido, mais dois quarteirões...

RRROOOAAARRR!!!!! RROOOAAARRARRRR!

- Luís, vem! Vem!

RRRROAAAOOARRRRR!!!!!!

A criatura, ao perceber que sua presa iria escapar, simplesmente desaparece pela rua enevoada.

- Vem logo, entra, entra...

- Tranca a porta, rápido! Tranca!

- Trancada! Cadê o bicho?

- Não sei... ele tava bem atrás de mim...

- Ta quieto lá fora, Lu...

- É... quieto demais...

BA-DOW!!!!! BA-DOW!!!!!!!! BA-DOW!!!!!!!!!

- Ai, meu Deus! Ele ta quebrando a porta!

BA-DOW!!!!

- Cadê a arma do teu pai? BA-DOW!

- Arma, que arma?

BA-DOW!!

- Teu pai é policial, cacete! Deve ter uma BA-DOW!!!! BA-DOW!!!!! arma!

- No quarto... acho que tem BA-DOW!!! uma lá!

- Vai BA-DOW! pegar, rápido!

POW! POW!

- Quem está atirando?!?

- Lu.... o bicho parou de bater...

- Ka... vamos esperar um pouco? Acho que vou abrir a porta.

- Seu louco, não faz isso!

- Alguém atirou, Ka. No mínimo, o cachorro ou sei lá o que, já era.

- Karen? Tudo bem? Responde, garota! - uma voz rouca atravessa a porta.

- Abre, Lu! É o Edgar!

- Está tudo bem? O que era aquilo, afinal?

- E eu é que sei? Estava correndo atrás de mim... o senhor acertou ele?

- Acho que sim. Ele era muito ágil, fugiu... mas não tinha jeito de escapar de um tiro. Tenho que levar vocês para a delegacia.

- Graça a Deus o senhor apareceu, seu Edgar. Muito obrigada.

- Por sorte vim pegar munição para teu pai, estávamos saindo para uma blitz, quando vi sangue na praça da prefeitura, segui o rastro...

- Lucas!

- O quê?

- Meu amigo! Ele está ferido! O rapaz que trabalha na guarita! Se não estiver morto... pelamordedeus, vamos chamar uma ambulância!

- Onde ele está?

- Na praça.

- Entrem na viatura, vamos rápido para lá. Peço socorro pelo rádio. Vamos, rápido!

A viatura aproxima-se do local, contornando o quarteirão à procura do moribundo.

- É por aqui, seu Edgar.

- Desça do carro, rápido, mostre onde ele está!

- Perto da guarita... vem... ali, seu Edgar!

- Deve ser ele mesmo! No chão...

- Meu Deus! Quanto sangue...

O policial aproxima-se para ver o estado do jovem. Desmaiado, porém vivo.

- A sirene... deve ser a ambulância, estão chegando. - respira aliviado o assombrado Luís.

- Ele está vivo?

- Sim - confirma o policial - mas não sei se vai resistir.

NO HOSPITAL

- Você é o Luís? - interroga o médico de plantão.
- Sim, sou eu, Luís Henrique.
- Sou o plantonista, Dr. Mário. Como isto aconteceu, rapaz?
- Ele está vivo?

- Sim, ele vai ficar bem. No que vocês estavam metidos? Teus pais sabem disso?

- Do que o senhor está falando? Quero ver o Lucas!

- É briga por causa de drogas, não é? - suspeita o cirurgião.

- Onde você comprou o diploma? Do que está falando?

- Olha o respeito, moleque!

- Eu é que peço respeito! Estou aqui, explodindo de nervoso, esperando pra saber como está o meu amigo, se as mordidas que ele levou foram muito graves e você vem com...

- Que mordidas, garoto? Você está alto mesmo...

- Um animal o atacou! Não acredito que você não percebeu isso!

- Pra mim chega! Vou chamar o policial agora para lhe interrogar. Salvei a vida do teu amigo, por sorte as balas não atingiram o coração dele. Foi por muito pouco mesmo. Você está delirando! Acho que está dopado! Vou ter que solicitar um exame toxicológico!

- Exame? Drogado? Eu? Baleado? Quem????

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