A Garganta da Serpente
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Tarde de Domingo (cerveja, cadáveres, café...)

(Edu Beckandroll)

Olhei ao redor e senti o mundo girar. As cervejas que eu tinha tomado começavam a fazer efeito. Era gozado, nos últimos meses eu passava os dias inteirinhos bebendo sem sentir sequer uma tonturinha. Lá pelas seis da tarde parece que todas elas resolviam fazer efeito ao mesmo tempo. Gozado, tempos estranhos.

Resolvi dar uma volta pela praça e chegar num café. Lá estavam Dirty Harry e Paul Kersey tomando um cafezinho na mesa seis.

Sentei bem atrás deles e fiquei ouvindo o que conversavam. Falavam sobre armas e as diferentes expressões que os homens tinham ao morrer. Dirty falou que certa vez ao matar um homem de origem latina os olhos do cara tinham saltado pra fora em torno de cinco centímetros e depois ricocheteado de volta para dentro das cavidades oculares. Kersey lembrou de uma vez que matou uma prostituta que tentava acertá-lo com uma navalha. Segundo ele ao acertar um balázio bem entre os olhos da piranha sua menstruação descera toda, formando uma poça de sangue fedorento em torno do corpo.

Interessante acompanhar a conversa desses dois matadores sangue frio. Eles falavam de cadáveres e tripas escorrendo como se falassem de uma luta de boxe ou uma rinha de galos. Eles tinham o distanciamento necessário a quem exerce uma profissão.

Invejei terrivelmente os dois. Como escritor dificilmente eu conseguia manter-me afastado, passionalmente falando, dos temas que eu tratava. Muitas vezes, como no caso de uma baranga que eu havia comido, eu sentia uma necessidade louca de destruir com palavras aqueles que me faziam sofrer - e aqueles que me faziam sorrir - já que eu não poderia destruí-los de fato, sob o risco de ver o sol nascer quadrado eternamente. A destruição interminável, que acabava e reiniciava no segundo seguinte, era uma constante na minha vida. Assim como as cervejas que eu tomava e não faziam efeito, parecendo esperarem estarem todas unidas e fortes para me derrubarem no final da tarde. Mas elas nunca conseguiam. Era só dar uma chegada no café e ouvir Dirty Harry e Paul Kersey conversando. Ao longe, Clint Eastwood e Charles Bronson vinham de mãos dadas. Passaram em frente ao café e saíram fora do meu campo de visão, com suas sombras se estendendo para além do infinito, naquele fim de tarde onírico e agradável. A tontura já estava passando. Era hora de pedir mais uma cerveja gelada.

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