Pensei em bater - toc toc. Toc toc toc. Silêncio. Olhei pela fechadura.
Uma enorme angústia entortou-se-me nos peitos. Subiu pra garganta. Virou
pomo-de-adão. Fiquei cacundo pra olhar de novo pelo buraco. Aí veio
a solidão devagarzinho, pelo lado de dentro, e colocou a chave. Tapou minha
visão. Mas tardiamente: eu já vira, lá dentro, qualquer coisa
estirada, imóvel, sobre o catre.
Fiquei ali. Encostado à porta. Paradão. Bruto bicho estático.
Enorme inerme. E a visão: lá dentro um corpo. Morto. E o passado:
todinho na cachola. Esperando a vez de ser lembrado. E o presente? Apenas um homem
de pasta. Numa porta rústica. Buscando a si mesmo criança. Procurando
sua história nas origens. No baixo. Numa casa de favela. Donde fizera projetos
para o futuro. Futuro realidade. Futuro passado. E o barraco de madeira lascada?
Imutável. Conservado pelos vizinhos amigos. Fechado. Intacto. Mas alguém
houvera se descuidado (eu mesmo --- concluí depois): lá dentro,
sobre a cama tosca, estava, meio menino e torto, algo morto. Um corpo. Com ele
e ali, também um passado, morto tornado, agora lembrado. Mas não
ressuscitado.
Suor na testa. Tremura nas pernas. Que fazer? Ir-se embora. Se mandar dali.
Deixar o tempo para trás, rolando como bosta n'água. Qualquer tentativa
de revivê-lo poderia ser inútil. E talvez ainda me levassem preso.
Acusado de ter matado minha própria infância.