A Garganta da Serpente
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Espanto de malandro

(Edilson Landim)

Passar as tardes de domingo na Quinta da Boa Vista constituía a diversão favorita de Azulão.
A Quinta da Boa Vista, localizada no pacato bairro de São Cristóvão, Zona Norte do Rio de Janeiro, cortado por conduções de toda espécie que demandam o subúrbio da Leopoldina, é o principal parque de lazer das famílias cariocas. De uma beleza singular, antigo Paço Imperial, local da promulgação da 1ª Constituição Republicana, relembra por todos os aspectos grande parte da historia do império, a começar na entrada pelo Portão de ferro monumental que dava acesso ao palácio.
O parque abriga o Jardim Zoológico da cidade,, o Museu da Fauna e no antigo paço imperial, palácio São Cristóvão, o Museu Nacional.
Por toda aquela imensa área , entre a grama, afloram os jardins em estilo romântico feitos pelo francês Auguste François Glaziou e pelo Major Gomes Archer, e os lagos, corredeiras, grutas, deixam todos extasiados.

A quinta é realmente um lugar muito especial no Rio de Janeiro, para onde as famílias trazem seus filhos para se divertirem. Os casais de namorados se deitam na grama, fazem piquenique, estendendo uma toalha no chão e das cestas tiravam as iguarias para uma ceia farta.
Além de barracas variadas de comidas e bebidas, um Restaurante avarandado. Numa extensa pista tipo calçadão, os visitantes desfilam como numa passarela, rodeados de arvores, indo e vindo, aos gritos da garotada, com balões de mão a tremular com o vento. Verdadeira festa que faz recordar as cidades do interior.
Numa dessas tardes, Azulão assistiu ao Maestro Issac Karabschevsky reger ao ar livre a Orquestra Sinfônica Brasileira no Projeto Aquárius, encenando a Opera Ainda. à beira do Lago, completamente lotado, com a multidão sentada na grama.
Não havia domingo de sol que Azulão não fosse encontrado na Quinta da Boa Vista.

Certa vez, conheceu uma nordestina de nome Dalva, vinda da santa terrinha, das bandas de Catuana, que se estadeava em companhia da irmã. Tinha possivelmente uns 23 anos, morena, bonita e faceira, bem vestida, insinuante, logo prendeu a atenção de Azulão. A irmã muito mais idosa, sem muita graça, sisuda, parecia mais governanta.
Abordou-as. A irmã ficou esquiva, enquanto Dalva se apresentou fogosa e extrovertida. Após uma volta na pista, convidou-o para visitá-las.

Moravam no Estácio, num apartamento conjugado, e o pai estava de passagem pelo Rio.
Dalva andava sempre impecável nos trajes e dizia que trabalhava de babá das 10 ás 18 horas em casa de um empresário rico em Lins de Vasconcelos.
Com poucos dias de namoro, resolveu ficar com ela. Entregou o quarto cujo aluguel dividia com um universitário e alugou um apartamento pequeno no Riachuelo.
Dalva passou a bancar quase tudo no apartamento, porque o dinheiro do companheiro estava sempre curto. Mas Azulão já estava intrigado com a fartura de dinheiro que trazia, escondido. Para babá de criança de empresário, até milionário, a diária era muito alta. Nem marajá! Estava desconfiado. Por diversas vezes, imprensara a companheira, com receio de se meter em encrenca policial, indagando se ela não estava metida em alguma coisa errada. Suspeitava de venda de drogas. Dalva se fingia de ofendida e mandava ficar frio que o dinheiro era legal.

Estava deveras cabreiro com o caso. Era muita grana, e a amasia fazia tudo para disfarçar. Não aguentando mais, resolveu ligar para o número do telefone que ela deixara para qualquer emergência.
A pessoa, que atendeu, se identificou como a patroa, e informou que Dalva fora apanhar um remédio na farmácia para criança e tão logo voltasse, pediria para entrar em contato. O que de fato aconteceu.
Se tudo corria tão bem, pensou Azulão, por que esquentar a cabeça com indagações, ainda mais que se aproveitava da situação, naquele momento de maré vazante nos jogos.

Malandro que se preza e vive sempre de expedientes, Azulão fuçava tudo quanto fosse lugar de coisas irregulares e se informava para saber onde havia um jogo clandestino, um apartamento ou casa que explorava mulheres, e mantinha os endereços em dia para tirar proveito.
Acontece que ao se encontrar com seu amigo Lorivaldo na Lapa veio a tomar conhecimento de um "apê" novo, famoso, bem frequentado. Curioso, dirigiu-se com o amigo para o local do rendez-vous novo, no 4º. andar do prédio Balança Mas Não Cai, na esquina com Pres. Vargas. Lá chegando, pegaram o elevador e marcaram o quarto andar. Já eram esperados, porque o porteiro, de vigília, ao ver qualquer pessoa marcar o quarto andar, avisava pelo interfone.

Quando se abriu a porta, um ambiente requintado, com jogo de luzes coloridas, apareceu. Cortinas vistosas desciam do teto até um tablado, um pouco elevado do piso, em forma de arco, como cenário de um teatro. Sentadas em confortáveis cadeiras de veludo, se exibiam as beldades, somente com uma tanguinha, à disposição da freguesia. O pretendente fazia a apreciação da bela e se dirigia na escolha ao local onde se encontrava, combinando preço e condições de serviços. Por uma abertura na cortina, era conduzido ao quarto.
Azulão olha e dá de cara na primeira cadeira com sua Dalva, sentada e descontraída juntamente com outras mulheres. Ao vê-lo, correu para se esconder. Azulão correu atrás, mas foi barrado por um segurança
Azulão fez um escarcéu do diabo enquanto o amigo atônito, sem saber de nada, ficava parado no meio do salão.
Insistiu em falar com sua amásia, senão chamaria a policia para fechar aquele bordel clandestino. O segurança pede para esperar, diz que vai falar com Madame Mei (MAY), a dona do bordel. E entra.
E para espanto de Azulão, em dose dupla, a cafetina nada mais era que a irmã. Com a rapidez de um raio caindo, acorreu ao seu cérebro o reconhecimento da voz daquele telefonema. Depois de muita confusão, madame Mei cujo verdadeiro nome era Maria do Socorro permitiu que a irmã aparecesse. Azulão, visivelmente transtornado, quando a viu, foi gritando:
- Olhe aqui, sua vagabunda, não vou fazer nada com você, mas lhe dou o prazo de duas horas para retirar suas coisas do apartamento.

Saiu sem se despedir do amigo. No final do dia, decorrido mais tempo do prazo, voltou ao apartamento e encontrou tudo como antes. Na esquina da rua costumava a Prefeitura colocar uma lixeira de latão onde os moradores depositavam o lixo e outros objetos de que se desfaziam.
Azulão pegou o que era da amante: sombrinhas, vestidos, perucas, sapatos, quadros, colares de bijuterias, fotografias de parentes, lembranças do velho torrão natal, escovas de dente e mala, cosméticos e vidros de perfume caríssimos, jogou tudo naquele latão. Quem passava e via aquilo, espalhava a noticia de tal forma que o que era bom fora levado pelos transeuntes em poucos minutos. Carregaram perucas, sombrinhas, luvas, sapatos, o que ficou foi muito pouco.
Foi uma farra para vizinhança e arredores.
Depois, dirigiu-se ao chaveiro na banca de jornal em frente e mandou trocar as chaves. E saiu para jogar no Clube do Xadrez.
Quando Dalva chegou, ficou possessa. Ameaçou-o de todo o jeito para a vizinhança, dizendo que ele era criminoso na sua terra e tinha fugido para o Rio, que trocara de nome e ia denunciá-lo à policia. Era um cafetão barato que vivia a explorar as mulheres do Mangue e queria fazer a mesma coisa com ela. Foi um rebu que, há muito, não se assistia no bairro de Fátima. E Dalva azulou.
Mesmo como malandro, acostumado a toda sorte de vigarice e trapaças, Azulão jamais conseguiu esquecer o espanto que tomou de suas conterrâneas.

(Extraído do ROMANCE O AZULÃO INÉDITO)

  • Publicado em: 29/12/2009
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