Não fala com ninguém há quinze dias. Hoje ele saiu, mas
só de noite. Agora são quinze para as onze P.M. Ele faltou a tudo,
a todos os compromissos. Claro que foi chamado de vagabundo, mas não
foi para ele. Aliás, o nome dele é Michel, um belo nome, um nome
de anjo. Saiu à caça de festas, imagine; nem andar pode direito
mais. Ontem também fez a mesma coisa, e era Domingo; Domingo em que faltou
à missa. Não, talvez não vá mais a uma, pois quando
ia, ia mais para tomar a hóstia, Alimento que sempre lhe dava um certo
alento. Pois então, saiu ontem, e sentiu-se criança, jamais um
pouco adulto. Antes de acordar do sono de 28 horas, isso talvez fora no Sábado,
fez a faxina na casa, mas ela ficou um pouco mais bagunçada, e baratas
saíram de suas tocas. A população desconhecida daqui é
meio diferente da de Santos, por exemplo. Aqui "perseguem" em prol
do bem; através dos murmúrios pejorativos corrigem as pessoas;
corretivos que ficarão mais corretivos se não se parar com essa
história de preguiça, fraqueza, etc. A mesma vozinha que lhe diz
inveja, diz-lhe também para ter higiene. E na nova terapia, o qual Michel
não quer ir mais, falaram sobre a homossexualidade com componentes heterossexuais
e não da heterossexualidade com componentes homossexuais. Hoje ele saiu
à noite e ouvindo a conversa da populaça sempre "animada"
( coisas do tipo "sem ser honesto a vida é dura!" ou "eu
fumo demais para parar, mas você, que fuma pouco..."), e já
estranhamente ferido da terapia (talvez porque seja misógino por natureza
nesses casos menos do que porque gosta de mulher), voltou mais sozinho para
onde mora. Mentir ou ser econômico nas palavras. É estranho ser
visto como homossexual. Refletiu nesta tarde sobre a época em que Jesus
estava fisicamente na Terra, exortando uma volta a um passado desconhecido,
mais conhecido pela Fé. Se hoje estar sarado, aceitar Jesus, significa
também maior entrada de renda, então naquela época havia
muita riqueza material. Mas as pessoas em geral não sabem, fingem não
saber ou devem saber. E o paulistano é muito provocador; Michel acha
isso, mas acha porque não conhece o nova-iorquino, o londrino ou o carioca.
Vai se fazer o quê? Parece um pecado terrível estar sozinho, ser
passado para trás, ser vítima dos nunca absurdos murmúrios,
que na verdade nunca são para ele, pois a populaça desconhecida
têm o apoio amplo da psiquiatria, que irá obviamente dizer que
tudo, todo o murmúrio é pra outra pessoa ou não passa de
alucinação. Como cansa estar só! Mais cansa estar parado!
Uma nação inteira está unida e ele só; unida contra
as drogas, contra a corrupção, que agora tem um conceito mais
amplo. Quem mente está também corrompendo. Vai ver que é
por causa desse novo conceito que todos calam o bico para a corrupção
vinda de cima. Realmente Michel acha que não são eles que devem
dar o exemplo, mas os próprios cidadãos brasileiros. Um americano,
concluindo, deve mentir menos, e por isso que é do primeiro mundo. O
Brasil, com a dívida externa pela primeira vez sanada, agora merece estar
no primeiro? Ninguém fala nada.
A capital deste país deveria se mudar urgentemente para o Rio de Janeiro.
Michel e Brasília têm algo em comum: estão de certa forma
isolados. JK ficaria contente se isso acontecesse? Uma capital com mar e gente
honesta estaria mais desprotegida da fúria divina, e tudo acabaria mais
rápido. Mas Brasília não se compara à Sodoma. JK
fez a publicidade toda, de que Brasília é o futuro. Campinas então
seria o quê, já que tem gente que quer vê-la destruída?
Gomorra? Não, não tem nada a ver. Daqui a mil anos, Brasília
com certeza estará lá, intacta. O problema de Michel é
que ele não anda na Luz, e não há possibilidade de ser
fraternal para quem não anda na Luz.
Michel desliga a TV e não quer mais saber de notícias sobre o
mundo, sobre o próprio país. Teme ser notícia e notícia
negativa, ruim para ele mesmo. É mal-visto. Sai de novo e vai direto
para o Café Bangladesh, fazer o quê, não sabe ainda direito.Enquanto
isso, um pernilongo passeia sobre a tela deste computador, mas ele é
muito delgado para ser o mosquito da dengue. Inexpressão. Não
há qualquer sinal de proteção. Preparo-me para a guerra.
Afinal, este é o ano de Marte, ano das possíveis e impossíveis
guerras. E me arrependo de ter me decidido a escrever qualquer coisa; afinal,
escrevo mal e não haverá reconhecimento. A terapia deveria ser
intensiva e doses de haldol maciças (tende piedade), não são
descartadas como hipóteses. Antes, quando ainda não era diagnosticadamente
insano, ia a várias comunidades alternativas; mas hoje me impedem de
frequentá-las. Tanto me faz como tanto me fez. Meu pano não
é de fio egípcio mas também não é nenhum
trapo. Sou ignorante, talvez o maior pecado. Não creio em discos voadores,
por exemplo, e nem mesmo se aparecer um na minha frente, agora, acreditaria.
Enfim, creio que todos sejamos como São Tomé, "ver para crer".
E se algumas coisas estão "na cara" para algumas pessoas, é
por conta delas.