Lá no Tabuí acontece muita coisa. Umas engraçadas, outras
boas ou tristes e umas até muito ruins. Como em qualquer lugar do mundo.
Mas também acontecem coisas misteriosas...
Vitalino, cansado da mulher, já amarrotada e gasta pela vida, arranjou
namorada. Tudo debaixo de segredo grande. Saía da suas terrinhas, de
uns quatro ou cinco alqueires, distantes quase uma légua, e ia bater
na cidade, toda tardinha, levando ovo, abóbora, galinha, banha e banda
de porco, linguiça e o que mais pudesse. Abastecê a dispensa
da Mariinha, mode ela ficá fortona... pensava ele com seus botões.
Voltava para casa tarde da noite, refestelado, olhava tristonho pra cara da
mulher, à luz da lamparina, dormindo pesado, cansada da labuta diária,
deitava e também dormia. Zefinha, cheia de amor e respeito, não
abria a boca para falar um a, mesmo notando mudanças no marido. Mariinha,
com o tempo, é que mudou o comportamento.
- Óia, Vitalino, quero que ocê vem aqui agora só uma vez
na semana, nas quarta-feira, tá bão?
- Mas pruquê, Mariinha? Ce num qué mais ieu?
- Né isso não, deixa de sê bobo, home! E, quando cê
vié, traz bastante coisa de cada vez, viu? Arroz, feijão, farinha,
fubá, carne e mais misturas, tá bão?
- Tá bão, Mariinha... só quarta-feira?
- É. Só te recebo na quarta-feira. Nos outros dias, nem pensar.
Quero descanso.
Mariinha era moça nova, fogosa, bonita, bem menos da metade da idade
do Vitalino, que chegava a mais de quarenta. A moça, saída da
roça, aprendera logo manha da cidade, até a conquistar homens
usando o corpo e viver às custas deles. Chegada em sexo, se esvaía
e se contorcia de prazer, trazendo juventude àqueles seus parceiros insatisfeitos,
quase nunca bem servidos em casa. A cada noite, a horas e dias marcados com
rigor, chegava, sorrateiro, homem naquela casinha de canto de rua, com sacolas,
sacos e outras bruzundangas. Poucos novos. A maioria, caindo pelas tabelas,
mais pra lá do que pra cá, mas serelepes para ver a amada, cada
qual pensando ser sua única paixão. Mariinha, pelo jeito, sabia
agradar a todos. Segredo se fazia necessário. Quando não casados,
comprometidos com moças da alta grã-finagem de Tabuí. Segredo
do negócio era fazer segredo do ofício.
Ao único amigo, sabedor da história do Vitalino - e doido para
entrar de sócio - que perguntara porque ele não mais estava indo
amiúde à cidade, o apaixonado respondeu simplório:
- Quero cansá ela não, sô! Só vô quarta-feira
que é quando ela mandô. Sou home bedecedô, uai!...
Certo dia, Vitalino resolveu mudar a situação.
- Cê casa c'oeu, sá?
- Casar? Como, se ocê já é casado?
- A gente dá jeito, uai!
- Então dê!
Mariinha até chegou a considerar ter umas terrinhas, assim na beira do
rio, todas planas, plantadas, cheias de frutas e criação, com
casinha boa. Mas, depois, pensou na responsa de cuidar de casa, fazer comida
pra pião, tratar dos bichos, lavar roupa e ter um homem só, sem
ganhar nada... bobagem, sô! Quero é vida mansa!... espantou pensamento
e esqueceu a proposta.
As visitas do Vitalino continuaram até que, no dia do aniversário
dela, ele propôs:
- Bamo lá em casa, Mariinha?
- Lá? Fazê o quê?
- Drumi cumigo, uai!
- E sua mulher, homem de Deus?
- Ta lá mais não. Foi embora!...
Vitalino queria que ela, acobertada pela noite, conhecendo suas posses, resolvesse
de vez ficar com ele, agora casando, já que a mulher fora embora. Mariinha
montou na garupa, já tarde da noite, sem olhares bisbilhoteiros e fiscalizadores
e foram. Não sem antes passar no Tõinzin retratista.
- Quero tirá retrato c'ocê lá em casa, sá! Lembrança
da primeira noite em nossa casa...
Tõinzin colocou o casal em várias poses e cômodos diferentes,
mas não dava certo. Uma sombra sempre atrapalhando o foco. Desmontou
a máquina, limpou, lavou, soprou e nada. A sombra persistia. Vitalino,
cansado de poses com a Mariinha, querendo ficar a sós com ela, para os
principalmentes, mandou o Tõinzin bater assim mesmo.
- Bamo vê no que vai dá, uai!
Surpresa na hora da revelação. A sombra tomou forma. Bem atrás
do casal de amantes, o corpo de uma mulher deitada. Mandada a foto para investigação,
desvendou-se o crime e foi encontrado o corpo da Zefinha, enterrado no canto
do quarto, debaixo da cama, onde ela, por anos e anos seguidos, dormira com
o seu amado.