Zé Mané sai de Tabuí. Baile na roça. E arruma namorada.
Fazendeirinha bem ajeitada, novinha ainda, toda limpinha e cheirosa. Moça
muito distinta e recatada....tantos predicados deixam o Zé na maior paixão.
- Se ocê quisé memo namorá ieu tem que falá com o
pai.
O rapaz fica desanimado. Mas depois de alguns dias, várias noites sem
dormir, conclui com seus botões:
- Ela é moça boa demais da conta. Vô lá resorvê
o pobrema.
Mandou recado. Vestiu a melhor roupa, calçou botina gomeira e foi rever
a paixão e enfrentar o velho, futuro sogro. Andou horas e horas até
chegar ao destino. A família recebe bem o nosso Zé Mané.
Velho pega na mão, bate nas costas, velha chama-o de meu filho, paixão
fica segurando sua mão e as três irmãs se derramam em sorrisos.
Tudo era ânimo. Os dois apaixonados combinam, num momento em que conseguiram
ficar a sós, que a conversa de homem pra homem seria no dia seguinte,
na hora do almoço. Tudo muito bem, tudo muito bom, noite chegou. Era
junho. Tempo de frio. O Zé, como não previa passar a noite em
casa alheia, nem uma blusa trouxera.
- Tô sentino frio não, gente! Sô assim memo, num sinto frio!
A desculpa não colava, mas o rapaz não queria dar o braço
a torcer. O negócio era impressionar. Queria dar uma de macho e, no seu
conceito, macho que era macho não sentia frio.
A moça mostra-lhe o quarto e leva-lhe cobertores.
- Não, amô! Carece disso não. Nem lençor eu uso!
Durmo só de cueca!
Donzela fica corada ao ouvir essa palavra que julgava coisa indecente.
- Mas assim cê intangue, bem!
- Que nada. Tiau, amô! Té manhã!
Zé Mané fica sem os cobertores tão quentinhos. Tira a roupa
e, para honrar a palavra, fica mesmo só de cueca esperando o sono chegar.
Mas o frio tava brabo e ele, tremendo, não consegue pegar no sono. Rola
pra lá e pra cá, com raiva da sua burrice, até que se lembra
do monte de palha de feijão lá no terreiro da sala. Pula a janela
e tafuia dentro do monte pra afugentar o frio que lhe entrava até os
ossos. E, de fato, lá embaixo, tava tão quentinho, que ele dormiu
sono profundo. Tão profundo que o dia amanheceu e ele nem tium. Continuou
lá, todo encoberto, só com a ponta do nariz num buraco por onde
entrava o ar. Lá fora, tudo gelou por causa da geada que chegara de madrugada.
O pai acordou, mãe também e as quatro filhas. Sol mal dava as
caras.
- Bamo lá botá fogo na paia de feijão pra mode a gente
esquentá, mininas? Chamou o pai.
E lá se foram e meteram fogo sem dó nem piedade na palha de feijão.
O fogo rodeou todo o monte, pegando com certa dificuldade, pois estava meio
úmido devido ao orvalho. Por isso o fumacê que começou a
sair dali não tava no gibi. E a fumaça foi entranhando pro meio
do monte e o calor do fogo também. O Zé Mané, ainda dormindo,
começa a ficar prejudicado pela fumaça e pelo calor. Sufocado
e suando, acorda. Sem entender nada, o instinto de sobrevivência avisa
que ele tem que cair fora. Assustado, dá um pulo, fica de pé levantando
cinza e fumaça e o fogo começa a chamuscar-lhe a pele. Zé
Mané sai correndo empretecido, quase pelado, só de cueca vermelha,
desbotada, levando junto um canudo de fumaça e fogo. As moças,
cada uma mais santa e donzela que a outra, são pegas de surpresa e não
entendem nada. Nem reconhecem o moço. E vendo aquela figura estranha
e inesperada saindo do meio do fogo, caem de joelhos, prontas para rezar, pensando
estar vendo coisas do outro mundo.
- É o demônio! - Gritou uma.
- É o capeta, mãe! - Gritou outra.
- Livrai-nos Deus, Nosso Senhor! - Berrou a mãe.
Zé Mané nem no quarto passou. Cheio de vergonha, ainda sem entender
direito o acontecido, se mandou estrada a fora e só foi descobrir que
estava nu ao entrar em Tabuí, vaiado por um bando de moleques.