Época de revolução no Chile. As notícias que chegavam
pela televisão e pelo rádio eram nada animadoras. Pelos jornais
idem. Allende estava sendo massacrado e suas forças debandando. Foi quando
começou a reação em Tabuí. Aristeu, Cozinho, Xulapa
e Delei, no boteco, tomavam umas e outras e quase choraram ao ver uma gravação
em que o Allende fazia um manifesto à nação. Aí
resolveram que eram comunistas e que iriam ajudar o Allende.
- Gente, isso num pode tá aconteceno! Tadinho do home!...
- É memo, Xulapa! O quecagente faiz?
O Cozinho que, pela aparência, era o menos bêbado dos quatro, arremata:
- Acho mais mió a gente i socorrê o home, gente!
- Mas, como, Cozinho? Esse país fica lá onde o vento incosta o
cisco, sô!
- A gente vamo no jipe do Delei, uai!
Arranjaram duas espingardas de carregar pela boca, uma garrucha e um revólver,
os dois últimos sem munição, emprestados e nem foram em
casa para as despedidas. Só deixaram recado no bar dizendo que iam salvar
o companheiro lá no Chile. E se mandaram de jipe, rumo aos Andes, para
enfrentar o exército daquele país e resgatar o Allende, já
encurralado no palácio presidencial.
Rodaram bem umas duas léguas, com o jipe engasgando nas subidas, derramando
óleo e com os pneus carecas, até que chegaram no Abacaxi e contaram
pro Fiíco o motivo da viagem. Ganharam mais um companheiro que ainda
chamou o Manqueba, - grande caçador de tico-tico com espingarda
de chumbinho -, para colaborar na perigosa missão e aumentar o poder
de fogo do grupo.
- Confofô, ieu vô... - disse o Manqueba, arrematando - e tem
golo?
Estava quase escurecendo e resolveram, antes da partida para a guerra, como
ninguém era de ferro e aproveitando a sugestão do Manqueba,
fazer uma despedida no bar do Bigode. Juntaram duas mesas e vai o Bigode descer
cerveja e cachaça e a fritar frango e lambari que os seis entornavam
e comiam num piscar d'olhos. Beberam tanto que, tarde da noite, nem conseguem
sair do bar. Aterrissaram por ali, bem trancados pelo Bigode. Este, com medo
de lhe passarem a perna e preocupado porque não havia ainda recebido
a conta.
Quando acordam pelo meio da manhã, com ressaca braba e gosto de guarda-chuva
velho na boca, demoram a entender o que faziam naquele lugar estranho. Aí
lembram da missão, com desânimo... vão pra beira de um rádio
Semp e ouvem que o Allende havia se suicidado, segundo a versão oficial.
- Pronto, gente! Meu Deus do céu! Acabô nossa viage! O home morreu
porque a gente ficamo fazeno hora e num cheguemo a tempo... mardita bebida!
- choramingou o Delei, com enjoo e a cabeça estalando de dor.
-Ô disgraça! E ieu, doido pra sê herói, quinem o Lampião,
sô! Agora num vai dá mais... - constatou o Aristeu.
Os quatro voltaram pra Tabuí a pé, - gastando meio dia de caminhada
-, frustrados, revoltados, tristes e chorosos, convencidos de que, não
fosse a festa de despedida, teriam chegado a tempo de salvar o companheiro Allende
e não teriam ficado sem a condução pois que tiveram que
deixar o jipe do Delei como garantia de que um dia pagariam a conta do Bigode.
- Mardito Bigode! Além de num intendê de patriotismo, comete a
desumanidade de deixá a gente a pé!... - Reclamava o Xulapa, enquanto
mancava, estrada a fora.