A procissão ia passando solenemente, molenga, pelas pacatas e tortuosas
ruas de Tabuí. Muita gente devota. Vigário, coroinhas, beatas, banda
de música e matracas a matraquear em homenagem ao Senhor morto. Procissão
do Enterro. Plena Semana Santa. Tardezinha. Quase escurecendo.
Povão todo com velas acesas. Irmandades de tudo quanto é nome acompanhavam
entre as duas alas da procissão, o esquife mortuário. Senhoras piedosas
desfiavam as contas do rosário. Moças casadoiras, véu branco
na cabeça, com os olhos enviesados para a outra fila, a dos homens, onde
poderia aparecer algum candidato mais bem apessoado.
E lá na frente da procissão ia o Doroteu, vulgo Dorô. Cabelo
pretinho, tingido na véspera, para combinar com o paletó. O membro
mais devoto da Irmandade do Santíssimo. Empertigado, caminhando mais duro
que santo em procissão, envergando uns enfeites avermelhados por sobre
o paletó e o emblema da Irmandade bordado na altura do peito. Sua função
era carregar a cruz, pesada pra dedéu, auxiliado por quatro ajudantes.
Cada um dos quatro segurava uma corda amarrada à cruz para impedir que
ela tombasse deixando o Doroteu em apuros.
O peso da dita cuja era tanto que o nosso herói mal conseguia disfarçar
alguns gemidos. Não tinha condições de fazer nenhum movimento,
a não ser andar rijo e vertical como uma estátua, sem nem poder
virar a cabeça, igual burro de carroça.
Mas tudo ia muito bonitinho, dentro dos conformes, até que começou
o aguaceiro. O toró caiu de repente apagando a velaiada e pondo todo mundo
a correr. Tudo no maior respeito. Muito silenciosamente. Cada um encontrou casa
ou um canto qualquer para não se molhar. O corpo de Cristo achou abrigo
debaixo do primeiro alpendre que apareceu. Até o vigário, o Padre
Anacleto, com medo de resfriado, concluiu que não era nada demais esperar
passar a tempestade dentro do açougue aberto às pressas pelo dono.
Ficou lá, paramentado, no meio daquela carnaiada.
Só Doroteu é que não viu o corre-corre e nem a fuga dos seus
ajudantes. Não podendo olhar de lado e nem para trás e sem desconfiar
do que acontecia, continuou sozinho, tomando chuva no lombo. Da cabeça
escorria um caldo preto. Ele nem notava. Todo serioso fez o percurso combinado,
realizando por conta própria a procissão do eu-sozinho. Sem velas,
sem banda de música, sem vigário, sem gente, sem nada...