Parecia que as estrelas brilhavam mais intensamente naquele momento, como se
estivessem anunciando a chegada de alguém há muito tempo esquecido.
No interior da enorme cúpula transparente, em meio a superfície
tóxica semivulcânica de um planetinha distante, Cetri acordou
ofuscado pela intensa luz branca solar que irradiava pela recinto.
As pupilas estreladas se acenderam rapidamente em seus olhos negros. Seu corpo
flutuava dentro de uma esfera translúcida rodeada por vários cristais
multicoloridos que emanava uma energia vermelha em volta da esfera.
Ele olhou para seu corpo e percebeu que estava completamente diferente do que
se lembrava, embora suas lembranças fossem muito vagas. Apenas o formato
do corpo e membros parecia com os de um ser humano. Sua pele era de uma tonalidade
azul celeste translúcida sem nenhum pêlo em toda a extensão.
Várias linhas de energia percorriam por baixo da pele como se fossem
vasos sanguíneos, partindo de um ponto do tórax em direção
ao resto do corpo. No lugar de pêlos capilares havia centenas de finíssimos
filamentos luminosos que se projetavam para cima, lhe dando uma aparência
punk.
Estava um pouco confuso devido as lembranças distantes mas sentia que
tudo aquilo era familiar como se já estivesse estado ali há muito
tempo.
Subitamente, uma grande abertura circular começou a se formar à
sua frente na esfera. Sentiu uma poderosa força lhe puxando para fora.
Assim que saiu da esfera, avistou uma figura semelhante a si, com o corpo totalmente
nu mas que possuia belas formas femininas. De suas costas projetavam-se vários
pares de linhas de energia que se moviam lentamente de forma coordenada, parecendo
um belo par de asas luminosas. A "mulher alada" flutuava em pleno
ar e assim que pousou no chão, suas asas sumiram instantaneamente. Ela
pôs Cetri de pé no chão do recinto, a poucos metros da esfera
e assim que liberou seu controle sobre ele, se aproximou, lhe dando um forte
abraço.
- Bem vindo de volta, meu irmão. Que bom que seu exílio acabou.
Mesmo que o tempo dos mortais pareça muito curto aos nossos olhos, para
mim ficar sem você foi como uma eternidade !
Ela falou num antigo idioma mistijano; sua voz era forte e radiante mas ao mesmo
tempo era tão doce e suave como uma bela sinfonia tocada por miríades
de anjos. Seu abraço reconfortante e caloroso lhe trouxe novas lembranças
de diferentes épocas de sua vida. Sim, agora lembrava claramente de sua
doce irmã Satra e da época que ambos cruzavam os céus da
grande galáxia Adaras.
- Satra, que saudade ! - disse no idioma celeste dos serceiD, já ñ
precisando usar um idioma mortal, algo que os seres cósmicos ñ
apreciavam em nada.
Eles ficaram abraçados por vários segundos, desfrutando o calor
de seus corpos até que se desvencilharam lentamente, cada um esboçando
um largo sorriso de felicidade. Satra então lhe disse seriamente, fitando
os olhos negros de seu irmão mais novo :
- Me diga irmão, depois de todo esse tempo agora já se arrependeu
do que fez ? Ou seu amor pelos mortais ainda é grande o suficiente para
você sacrificar tudo por eles ? Será que seu amor por eles é
maior do que seu amor fraterno ou a grandeza do universo ? - e sem querer deixou
escapar um leve tom de ciúmes ao citar os mortais, referindo-se aos povos
do planeta Mistijia que seu irmão tanto protegeu no passado.
Ele se virou, olhando fixamente as estrelas, lembrando do que tinha feito que
causou seu longo período de exílio. Cerca de pouco mais de duzentos
anos terrestres atrás, Cetri era o guardião celestial do sistema
solar de Audros, um dos setores mais populosos e importantes da galáxia.
O jovem serceiD, ainda inexperiente, ficou fascinado com a riqueza cultural
dos povos dos planetas Netron e Mistijia. Mesmo sabendo que as leis celestiais
proibiam a simples interferência direta de um serceiD sobre um povo mortal,
Cetri se rendeu a paixão e desceu em Mistijia num corpo mortal para sentir
de perto o caloroso amor mortal. Como consequência ele foi condenado a
ficar preso num corpo mortal, num planeta distante e isolado por cerca de 180
anos, a média de vida de um mistijiano.
- Não, eu ñ estou arrependido de nada do que fiz, minha querida
irmã ! - disse Cetri com um leve sorriso, materializando suas recém-formadas
"asas" de energia - Para mim o risco valeu a pena mas eu ñ
faria isso novamente pois o meu castigo ñ foi terem me afastado das estrelas
como pensavam e sim foi terem me afastado dos seres que mais amo no universo
: você e os mortais !
Dito isso, Cetri se despediu de Satra e partiu velozmente para o centro da galáxia.
Estava ansioso para voltar a vigiar, mesmo que de longe, aqueles seres tão
frágeis e minúsculos comparados a ele mas que possuíam
sentimentos mais fortes e nobres do que qualquer outra raça do universo,
com excessão dos terrestres, que chegou a observar numa única
viagem que fez a Via Láctea e achou-os muito parecidos com os mistijianos.
Sua luz cósmica misturou-se as infinitas estrelas do céu por um
breve instante e foi se apagando lentamente a medida que se distanciava do planetinha
onde Satra permanecia imóvel observando sua partida. A bela serceiD de
longos "cabelos" escarlates ficou comovida ao entender as palavras
do irmão. Estava muito feliz por tê-lo de volta em sua vida e grata
a todos os mortais pelo bem que fizeram a ele.