A Garganta da Serpente
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Magias para alcançar dinheiro e amor

(Firmino Bernardo)

Escondo o livro, não apareça alguém conhecido. A empregada da caixa não disfarça o sorriso de troça quando me avista, deve imaginar que venho comprar uma revista erótica, como é costume. Desta vez, vou surpreendê-la, embora o livro ainda me cause mais embaraço do que uma revista. A minha mãe diz que estes livros são parvoíces, mas não acredito em tudo o que ela diz. Estou farto de revistas, quero mulheres a sério. O meu aspecto não ajuda, a conversa também não, vou resolver o problema com magia. A empregada vê o livro, substitui o sorriso trocista por um olhar de desdém, passa-o pelo código de barras, diz o preço secamente. Pago, envergonhado, e peço um saco.

Chego a casa, entro no quarto. Tiro o livro do saco, releio o título, desta vez em voz alta: "Magias para alcançar dinheiro e amor". Leio as receitas de amor. Os ingredientes são difíceis de obter: como é que vou arranjar sémen de burro, leite de baleia ou o pénis de um cavalo cinzento?

Encontro finalmente uma receita possível de concretizar. Só preciso de urina de gato e estrume de burro. O meu gato está com o cio, mija em qualquer lado, felizmente ainda não me deu para isso, embora também esteja desesperado. Tenho um vizinho que comprou um burro há um mês, porque ouviu dizer que os burros estão em vias de extinção e que há subsídios para quem os criar. O coitado do burro nunca sai do curral, só come uma vez por dia, leva pancadas quando zurra demais. Só tenho de entrar no curral e roubar um pouco de estrume, para fazer a mistela. Reparei outro dia que o meu vizinho guarda a chave do curral debaixo de um tijolo, mesmo ao lado do portão.

Começo imediatamente a recolher os materiais. Pego num trapo velho e recolho a urina do gato, espremo-a para dentro de um balde.

Meia-noite. Os meus pais já se deitaram. Saio de casa, aproximo-me do curral, levanto o tijolo, pego na chave, abro o portão. O burro acorda com o barulho, começa a zurrar, não tarda que o dono lhe venha bater, tenho que me despachar. Procuro uma pá e um saco, não encontro nada, é o que dá não planear as coisas antes de as fazer. Junto as mãos, agarro num bom bocado de estrume e deito a fugir.

Chego a casa ainda a arfar. Pelo menos, já tenho os ingredientes. Misturo-os num alguidar, nas quantidades indicadas, amasso bem, enquanto digo uma reza em latim, que vem na receita. Repito a reza três vezes e ponho a mistela ao luar, durante três noites.

Noite de Sexta-feira, mistela pronta. Depois do banho, passo-a pelo corpo. Segundo o livro, despertará os instintos animalescos nas mulheres de quem me aproximar. Está na hora de ir para a noite.

Os seguranças da discoteca não me deixam entrar. Estúpidos! Entro num bar, meto conversa com várias mulheres, fogem antes da segunda frase. Toda a gente foge, menos uma mulher, cheia de plumas, que fuma uma cigarrilha. Olha para mim, fala-me em francês…

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