Noite negra e tempestuosa! No céu não luzia uma estrela, o vento
soprava com violência, e flocos de neve envolviam, como em alva mortalha,
a aldeia adormecida. Só ao longe milhares de luzes ardiam no soberbo
castelo. Perfumes, flores, sedas, rendas e cá fora, numa humilde choupana
à beira da estrada, fome, miséria e lamentos. Vivia ali uma pobre
camponesa com dois filhinhos. Magros, doentes, pediam esmola pelos casais. Agora
choravam. Tinham fome e não tinham pão, os míseros pequeninos.
No único aposento via-se apenas uma enxerga onde, com a cabeça
entre as mãos, a pobre mãe pensava, talvez, no futuro bem negro
dos filhinhos.
A contrastar, porém, singularmente com a miséria do casebre, via-se
um berço elegante e lindo. Envolviam-no rendas e arminhos. Dentro um
pequeno gentil dormia, com a linda cabecita emoldurada nos anéis doirados
do seu cabelo loiro. Nos lábios pairava-lhe um sorriso meigo de anjo
dormente.
Abre-se a porta de repente. Uma mulher divinalmente formosa, envolta em ondas
de rendas e sedas, arrastando altiva a longa cauda, entra na choupana.
A camponesa ergue-se admirada, enquanto a fidalga adulada, invejada, que tinha
a seus pés um mundo de adoradores, não receando amarrotar as rendas
caras do seu opulento vestido de baile, ajoelhou humilde ante o bercito do filho
do crime, que tinha de beijar furtivamente; inclinou a cabeça, e duas
lágrimas brilhantes como gotas de orvalho se desprenderam dos olhos,
resvalando-lhe pelas faces, que foram cair nas do pequenito que, a sorrir no
seu sorriso de anjo, balbuciou mimoso:
- Mamã!
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