A Garganta da Serpente
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Sempre é dia dos namorados

(Miguel Eduardo Gonçalves)

Para celebrar o dia dos namorados, não podemos deixar de falar do amor, do amor entre os casais especificamente; aquele que descobrimos na adolescência e que se perpetua, porque amamos ser amados.

São os namorados as duas metades que formam a unidade, a fusão de dois seres num só, condição básica da felicidade, e o que se pode chamar de amor. Se encontrarmos a pessoa da qual jamais gostaríamos de nos separar, aquela dos nossos sonhos de amor mais loucos, que nos afasta da tristeza pelo êxtase do prazer, do amor, da paixão, do encontro, da grande loucura do desejo, certamente não estaremos sonhando, mas, sim, amando. Desejar essa pessoa, não qualquer uma, que seria apenas desejo, mas essa que faz falta, que complementa, que excita, que sacia, que inquieta porque esfomeia, é estar apaixonado. É mágico esse instante.

Amar é querer, é sentimento de posse, por isso, amar um ausente gera o sofrimento, o desconforto, o começo do desamor disfarçado, a sensação da perda, o início do fim do relacionamento.

Parece haver um afastamento do tema, digressão; mas não, quem já ultrapassou o meio da vida, já dobrou o cabo da boa esperança, como se diz, precisa ser cuidadoso em não colorir muito a paixão, em não misturar, como se faz com as cartas do baralho, o amor com as ilusões que temos a seu respeito, como nos filmes, ou quando dele participamos. A lembrança é mais verdadeira do que o sonho; a prova, o testemunho, do que a fantasia. É preciso tentar explicar, não, aconselhar. Assim, no exercício livre que fazem os sempre-namorados do vocabulário, dirão quanto pode ser sensual, e voluptuoso, e forte, fazer amor na alegria em vez de na tristeza, no dia a dia e não na paixão ocasional, no prazer em vez de no sofrimento, prazer saciado dos eternamente apaixonados em vez de frustrado, desiludido, dos distantes; portanto, quanto desejoso é o amor que fazemos, real, palpável, e não aquele com que sonhamos, que não fazemos, longínquo, e que nos atormenta... Este, pode até matar!

Aprende-se a amar relacionando-se, trocando experiências, afetos, conflitos e sensações. Há conceitos sob os quais estamos estruturados que podem ser desprezados, ou deixados de lado para tratar do amor; somos livres para optar, para exercer a nossa autenticidade, arriscando, permitindo-nos viver o momento, a paixão, doando e recebendo, compartilhando a sexualidade...Que será daqueles que não participam disso!?

A ávida alegria dos namorados, seu voraz apetite, tão entusiasmados e cheios de tolices, sonhadores na breve intensidade de uma paixão, é que nos fazem crer, porque no princípio tudo no outro parece maravilhoso, ser possível amar apaixonadamente esse outro para todo o sempre, sonhando o real e idolatrando esse com quem queremos passar a vida toda. Essa embriaguez de amar, esse torpor, constitui a força da paixão, sua beleza, sua grandeza, enquanto ela dura. E devemos vivê-la quando a encontramos, sem se deixar enganar totalmente por ela, nem se aprisionar, porque é passageira a paixão, pelo dissipar da sua força.

Como chamaremos, então, a pessoa com quem partilhamos nossos sonhos, nossos tesouros escondidos, tudo aquilo que possamos transmitir pelos sentidos, a vida, enfim, a não ser de "meu amor?" Ou, ainda, de "minha paixão", se amamos apaixonadamente? Paixão essa que independe de força, que vem de dentro, da alma daqueles que vivem enroscados, impregnados do outro, numa eterna fantasia, e que se confundem até, de tão parecidos que ficam!...

Num trecho de "Recomeçar", assim diz o poeta Carlos Drummond de Andrade:......Lembre-se, somos apaixonáveis, somos sempre capazes de amar muitas e muitas vezes. Afinal de contas, nós somos o "Amor"!.......

Hoje em dia a ideia de que casamento é coisa do passado, porque deságua, invariavelmente, na separação, e a sociedade assiste a tudo isso não somente pela televisão, nas novelas, como também na realidade dos fatos que a ela se apresentam, demonstrados pelo número alarmante de casamentos desfeitos, leva-nos a afastar a ideia do "namorar", para adotar a de "ficar", por menos comprometedora, mais leve e descompromissada. E a maioria das pessoas hoje vai ficando, não somente os adolescentes de 15 anos, que "ficar" é para eles. Todos, e principalmente os adultos, aqueles que não sabem namorar porque jamais encontraram um amor, os que vêm de relacionamentos fracassados e passaram a não acreditar em mais nada, desiludidos. Assim, vai se agravando a questão, como uma bola de neve, um triste círculo vicioso que gera toda a insatisfação que percebemos por aí, e que anda lotando não só consultórios de psicólogos, como templos de gurus, conselheiros, de bispos mil que se proliferam na mesma velocidade dessa que já é doença social, o descrédito no relacionamento puro, perfeito e ideal, que satisfaz e premia, simultaneamente. Nunca se vendeu tanto livro de auto ajuda! Que campo fértil para o charlatanismo!... Por outro lado, tem-se atualmente uma liberdade de opção tão grande, de escolha tão ampla, como não havia na década de 60 e até a de 70, por exemplo, que ninguém mais é obrigado a nada e todos exercem a vontade plenamente; nesse campo amoroso, pelo menos. A crianças começam cedo, e, deveríamos todos assistir, incrédulos, essas de 11, 12 anos se amassando com seus pares pelas ruas, nas portas das escolas, e até dentro de suas casas, como se comenta. Triste espetáculo. Algo está errado. Portanto, é mais questão de acerto na escolha, de responsabilidade, do que de sorte, para que se inicie um relacionamento feliz, o namoro pleno, no seu mais amplo, real e autêntico significado; saudável, gostoso e recompensador!

Esse é o recado especial que deixo aos namorados no dia de hoje, aos verdadeiramente enamorados e unidos pelo amor, pela paixão que sempre brota, renasce no cotidiano de cada um. Vivam satisfeitos e namorando a vida, procurem sempre no parceiro um amante, amante enquanto aquilo que nos apaixona, e nos mostra o sentido e a motivação da vida, que namorar é adivinhar pensamentos, ficar agarradinho, sentir calafrios, é perceber, no frescor do amanhecer, os olhos amados, como raios enviesados, que vêm da janela dar na cama ainda desfeita, e dizem coisas que a gente já sabia. Estar visceralmente apaixonado, querer ser surpreendido por um beijo, combinar uma loucura qualquer, como sexo à luz de velas, ou sob o luar no jardim, eis o significado de namorar; e namorar sempre, a vida toda, dá-nos, no mínimo, a felicidade, a tranquilidade de se ter alguém, de almejar não chegar ao final da vida sem ninguém...

Precisamos descobrir a luz que nos aquecerá, o sol, necessário, absoluto, para ficar, assim, embevecidos até o fim dos tempos, entorpecidos em sentir-nos donos do mundo, e de todas as riquezas que nele habitam; no ar, na terra e no mar!

É a chance que todos temos

  • Publicado em: 13/06/2003
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