- Vamos, faze!
- Não.
- Acaba com isso.
- Não. Não é a hora.
- Como não? Há quanto tempo sofres assim? Buscas mais sofrimento?
- Posso melhorar.
- Como melhoraste das outras vezes? Por um ou dois dias?
- Eu...
- Tu sabes que não podes. Aceita. Aceita-te. Rende-te.
- Por que?
- Tu mesmo pedes por isso há muito tempo.
- Posso tentar de novo.
- Não consegues. Falharás novamente. Ocupa-te demais de tua própria
tristeza.
- Por que desta forma? Não podia ser diferente? Eu?
- A natureza deve ter suas razões. Não te deu a beleza almejada
nem a força para que te aceitasse como és ou a determinação
para mudar. Tua fraqueza te envergonha e me fortalece.
- Mas e quando estou bem?
- Efêmeros e superficiais momentos de uma falsa sensação
de que o mundo e a vida ao teu redor mudaram. Quando esses momentos se desfazem,
tu percebes, então, a realidade. Aquela de que sempre me falaste.
- "A vida não me quer."
- Exato. Não insista. Sabes como dar fim a esta dor.
- Pare.
- Não agora.
- Deixe-me.
- Sabes que não posso.
- Isso sou eu quem decide.
- Há muito não tens esse poder. Faço parte de tua existência.
- Como chegamos até este ponto?
- Tuas escolhas nos trouxeram aqui. E agora deves tomar tua última decisão.
Coragem.
- Pare! - gritando.
- Vamos, faze! - gritando.
- Nãããoo! - gritando.
- Faze!!! - gritando.
- Nãããoo! - gritando.
- Agora! Mata-te! - gritando.
- Nãããooo!!! - gritando.
As mão cerradas com toda a raiva que podia sentir, ergueu os braços
e golpeou o espelho a sua frente. A ira contida em seus punhos estraçalhou
o vidro que em resposta fincou cacos em sua carne, fazendo mãos e braços
sangrarem.
O espelho estava quebrado. Seu interlocutor se fora.
A dor dos cortes não o incomodava. Olhava fixamente para um pedaço
do espelho que permanecia na moldura. Respirava ofegante. Com a mão direita,
agarrou firmemente aquele fragmento e fez a parte mais afiada correr-lhe vorazmente
seu pescoço. O vestígio do espelho saciou-se de seu sangue. Caiu
sobre o chão frio do banheiro.
- Meu corpo não importa mais.