A Garganta da Serpente
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Reagere

(Filipi Valente)

- Vamos, faze!

- Não.

- Acaba com isso.

- Não. Não é a hora.

- Como não? Há quanto tempo sofres assim? Buscas mais sofrimento?

- Posso melhorar.

- Como melhoraste das outras vezes? Por um ou dois dias?

- Eu...

- Tu sabes que não podes. Aceita. Aceita-te. Rende-te.

- Por que?

- Tu mesmo pedes por isso há muito tempo.

- Posso tentar de novo.

- Não consegues. Falharás novamente. Ocupa-te demais de tua própria tristeza.

- Por que desta forma? Não podia ser diferente? Eu?

- A natureza deve ter suas razões. Não te deu a beleza almejada nem a força para que te aceitasse como és ou a determinação para mudar. Tua fraqueza te envergonha e me fortalece.

- Mas e quando estou bem?

- Efêmeros e superficiais momentos de uma falsa sensação de que o mundo e a vida ao teu redor mudaram. Quando esses momentos se desfazem, tu percebes, então, a realidade. Aquela de que sempre me falaste.

- "A vida não me quer."

- Exato. Não insista. Sabes como dar fim a esta dor.

- Pare.

- Não agora.

- Deixe-me.

- Sabes que não posso.

- Isso sou eu quem decide.

- Há muito não tens esse poder. Faço parte de tua existência.

- Como chegamos até este ponto?

- Tuas escolhas nos trouxeram aqui. E agora deves tomar tua última decisão. Coragem.

- Pare! - gritando.

- Vamos, faze! - gritando.

- Nãããoo! - gritando.

- Faze!!! - gritando.

- Nãããoo! - gritando.

- Agora! Mata-te! - gritando.

- Nãããooo!!! - gritando.

As mão cerradas com toda a raiva que podia sentir, ergueu os braços e golpeou o espelho a sua frente. A ira contida em seus punhos estraçalhou o vidro que em resposta fincou cacos em sua carne, fazendo mãos e braços sangrarem.

O espelho estava quebrado. Seu interlocutor se fora.

A dor dos cortes não o incomodava. Olhava fixamente para um pedaço do espelho que permanecia na moldura. Respirava ofegante. Com a mão direita, agarrou firmemente aquele fragmento e fez a parte mais afiada correr-lhe vorazmente seu pescoço. O vestígio do espelho saciou-se de seu sangue. Caiu sobre o chão frio do banheiro.

- Meu corpo não importa mais.

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