A Garganta da Serpente
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Araçá

(Geraldo Crespo)

Domingo. O sol prenunciava um belo dia. Fúlgidos raios surgiam ao leste e como um menino que procura aventuras, joguei na mochila meu canivete (presente do meu amigo Osmar-pescador), minha velha fotográfica e uma garrafa de água. Saltei sobre a "magrela" e iniciei minhas pedaladas. Destino: Glicério.

O vento nordeste, embora suave, parecia querer me ajudar por todo o trajeto. Logo que cheguei próximo ao bairro da Aroeira, rua Alcides Mourão, já sentia a falta que faz uma ciclovia. Com bastante energia e entusiasmo alcanço o trevo de Macaé/BR-101. Logo percebi que meus problemas começavam. Um gole de água. A meia xícara de café que eu havia tomado à 01:45h me dava uma vontade desgraçada de fumar. Resisto.

A mochila começava incomodar. Parei a uns 500 metros após o trevo. Retirei o cadarço do meu "bamba" e amarrei como pude ao guidão. Melhorou. Ao menos minhas costas não suavam mais tanto. A cada 30 minutos, uma pausa, já procurando a sombra dos bambuzais, ipês, canafístulas, aroeiras e araçás. Araçá. Minha sorte: araçás... Voltei ao passado quando deparei com um pé ao longo da estrada Macaé-Glicério. Depois outros e mais outros. Delícia de fruta!
Após um incessante esforço para subir uma ladeira, o comando de marcha quebra. Legal! Pensei. Agora é que estou ferrado mesmo. Paro na sombra e pra minha surpresa: goiabas! Dou um solavanco no galho, caem três. Todas bichadas e só se prestavam mesmo a matar a fome dos sanhaços e muitos outros pássaros que ainda podemos ver por aquelas paragens. Retiro o cadarço que amarrava a mochila e travo o comando de marcha. Resolvido!
O sol bate forte do lado direito do meu rosto. Sigo em frente e logo após a fazenda Airís, descubro uma fonte brotando da terra, mas para a minha surpresa, a fonte é artificial. Metálica. Um cano dágua jorra e ao sol das 09:20 faz um belo arco-íris. Jogo a "camela" no canto da estrada e aproveito o banho. Mas um pé de araçá. Estou feito. Banho tomado. Alimentado. Feliz eu prossigo, mas Glicério parece cada vez mais distante.

O movimento de carros vai se intensificando. A cada subida, um martírio. A descida um alívio. E ainda o short molhado e a cueca que cola na bunda e ainda se têm que dar aquela levantada para retirá-la do local inconveniente. Avisto as serras, o Frade parece estar logo ali...Pedalo. Carros passam. E muitos. Não sei que lado da estrada seria mais perigoso. Sem nenhum acostamento. Fraquejo se devo prosseguir. O risco é grande!

Com os olhos findos no horizonte, penso no almoço no bar do Serginho, um banho antes no chuveirão em Glicério e aquele pedaço de frango assado. Talvez carne. A fome aumenta. Cadê os araçás? Mais uma hora pedalando e meu objetivo parece distante. O ímpeto de prosseguir definha com o cansaço. Foi o cigarro! Maldito cigarro!
O vento nordeste não concorda que eu volte e agora sopra contra.

Pedalo mais devagar. Percebo a beira da estrada coberta de capim-guiné como o moderno mata. Pássaros esmagados e cobras-coral (não me perguntem se eram as falsas) estão na beira da pista. Minhas paradas para descanso são mais frequentes e quando avisto o "famoso" Memorial da cidade, penso em solicitar meu enterro. Mas hoje é domingo...

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