A Garganta da Serpente
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Inferno vermelho

(Geraldo Crespo)

Não é de toda bela. Mas não é feia. De forma sublime, majestosa e irredutível, me espreita. Não sei o que nos aproxima. Não tenho muito a oferecer. Ela apenas me encanta.
A cada outono, ela parece estar junto a mim. Meus olhos marejados pelo orvalho da noite, a fita. Ela parece esquecer que existo. Mas não há como. Acho que finge. Aproximo-me e Retiro a maresia dos olhos cansados e a convido a venerar a manhã ensolarada.

Ela parece sorrir, mas penso que à noite a fez promíscua. Tenho ciúmes, mas a sua singeleza me encanta e quase que levito. Aproximo-me um pouco, mas sei o ela me reservou. Uma forma de carinho diferente, a sombra ao meu cansaço e fico vazio como quem parte esperando um beijo. Digo palavras a esmo e temo que alguém as ouça.

Minha loucura esta apenas reduzida em protegê-la, pois ela será eternamente a canção da minha vida. A deusa da minha historia. Paixão eterna e ai de que o toque. A cada brilhar do sol estarei a cuidar das suas flores. A cada outono. A cada dia, minha companheira, amiga, irredutível. Estarei qualquer dia deitado à sua sombra e caso seja noite me cubra com orvalhos.

Ela me encanta tanto quanto o sorriso de uma criança ou o beijo da fêmea que nos conforta e nos expande. Nossa parca evolução ainda nos leva ao gesto de arrancar uma folha pura e simplesmente por arrancar, gesto que Darwin já classificaria na teoria da evolução das espécies: somos todos primatas.

O trajeto anímico da flor que cai, deixa no ar o perfume da deusa que nos vê, observa e que tão pouco apreciamos, indolentes, seguimos. Acho que nos falta tempo. Talvez nos falte sensibilidade e destreza para lidar com o puro. O fardo da vida nos impede de voar, sonhar e até enlouquecer um pouco. Posso ver o deserto dentro de um oásis. O universo é logo ali... "O uirapuru não pousa nas estrelas". Dizia meu amigo índio Tibuá.

O relatório é feio. A desgraça está feita. A morte é prenunciada. A capa da revista traz uma incerteza estonteante. O que se queima e o que se mata, mutilam e devastam impressiona. O mundo pára. Muitos nem entendem. Alguns choram. Uns são indiferentes e apenas passam. Milhões de árvores são destruídas no planeta. Iremos pagar muito caro por isso. O desenvolvimento sustentável na Amazônia é ainda suspeito. Estão cultivando soja para alimentar animais. O chamado inferno verde não poderá ser chamado de paraíso vermelho. Não posso perceber e imaginar um paraíso sem árvores. Ainda prefiro o inferno...

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