Era uma vez um menino muito pobrezinho, coitadinho, que passava os dias pela rua a mendigar pão.
Mas este menino tinha um cão, um cãozinho rafeiro e lazarento, de olhos muito meigos e um cacho de carraças no lombo. As carraças eram muitas grandes e gordas e como já não havia muito espaço livre no lombo do cãozinho, viam-se na necessidade de sugar umas nas outras.
O cão era muito fiel e muito amigo do menino.
- Meu fiel cãozinho, o que seria de mim sem a tua companhia? Órfão, sem ter ninguém neste mundo, só tu me fazes companhia!
E o menino abraçava o cão e chorava.
Às vezes o menino, coitadinho, gemia com fome. Então, o cãozinho, com risco de levar pancada, ia roubar um pãozinho ou um bolo, e levava-o, na boca, ao menino que o comia com gosto.
No inverno, descalço sobre a neve, o menino tiritava de frio, e esfregava os pézitos roxos um no outro, sob a arcada onde, à noite, buscava abrigo do vento e da chuva. Então o cãozinho lambia-lhe os pés, amorosamente, aquecendo-os. Com o animalzinho aos pés o menino dormia mais confortado, com a cabeça ornada de caracóis louros pousada sobre um molho de jornais, e cheia de lindos sonhos de criança.
Acordou sobressaltado, com um travo amargo na boca seca. Teve de ir beber água à cozinha.
- Não devia ter bebido a cerveja do pai! - Pensou consigo. Não se lembrava do que tinha sonhado, mas deixara-lhe uma sensação desagradável.
Ao voltar ao quarto deu com os olhos no cágado que dormia no seu canto, indiferente e bem alimentado.
- Ainda bem que não tenho um cão! - Pensou o menino sem saber porquê.