Itaconhorá, cidadezinha pequena cravada entre Bagé e Santana
do Livramento, como de costume da região a economia é movida pela
pecuária extensiva e pelo bolicho do seu Gêge, que tinha de tudo
o necessário para os peões das estâncias e as demais pessoas
que podiam comprar.
Na sociedade Itaconhoarense as figuras de destaque ,da "fina nata",
eram compostas basicamente pelo Coronel fazendeiro pecuarista Dr. Genuíno
Capivari, este exigia que o chamassem com toda a pompa que acompanhava seu nome
,quem esquecesse virava inimigo declarado e o principal rival de Capivari, senão
o único , é nada menos que o Coronel Erminio Paiva Fonseca Pires
Salgado. Acompanhando estes dois "magnatas do pasto", como dizia seu
Belisco, o mendigo e bêbado da cidade, vinha o Dr. Advogado de Direito
formado na capital e juiz eleitoral ,quando necessário, Amaral Feliz
sempre "perseguido" de perto pelo seu fiel ,fidelíssimo amigo
o tabelião Damião Xavier, o secretário do prefeito e de
assuntos gerais de Itaconhorá Silvino Bastrão, o pároco
Gusmão Watcher e os vereadores por ordem de importância Felino
Almeida e Paiva, Quirino Gonçalves Pires, Antoninho Capivari, José
Rolando Feliz, Sebastião Langarin e Desidério Mugim sem esquecer
o delegado Dr. Ribeirinha e o médico da cidade Dr. Estevão Dias.
Fora as imensas fazendas das famílias Capivari e Salgado, cada uma cercando
um limite da cidade, havia a pequena Igreja, um chafariz central, obra do atual
prefeito da cidade, Coronel fazendeiro pecuarista Dr. Genuíno Capivari,
o Bolicho do seu Gêge e o pequeno posto de saúde a esquerda e o
Tabelionato a direita. Ao lado da delegacia a prefeitura e a Câmara de
Vereadores eram coladas uma a outra, em frente à Igreja. Assim em cada
canto de Itaconhorá repousavam diferentes poderes separados apenas pelo
chafariz e pelas ruas de terra vermelha.
Dois eram os partidos políticos que havia no pequeno município
o PAI, Partido - Avança Itaconhorá, presidido pelo prefeito e
que contava com o apoio dos vereadores Antoninho Capivari,Sebastião Langarin
e José Rolando Feliz fora os outros simpatizantes e correligionários
entre estes o juiz e o tabelião, discretamente. Fazendo oposição
estava o PLI , Partido Libertador de Itaconhorá, do Coronel Salgado apoiado
pelos vereadores Quirino, Mugin e Felino Paiva e que tinha a simpatia do delegado,
do médico e do bolicheiro, sem esquecer o grande trunfo , o espião
, o maior segredo do partido .
As eleições estavam próximas, os ânimos pela cidade
estavam nas alturas, qualquer discussão política por pequena que
fosse já era motivo para reboliço e brigas. O palco dos maiores
discursos, a "cabeça pensante" da cidade era o Bolicho do seu
Gêge onde todos se reuniam a tardinha para uma charla ouvida de
perto pelo bolicheiro, seu Gêge, e por seu Belisco sempre recostado na
porta de entrada ,bêbado , na companhia inseparável do seu cusco
véio de nome Cachaça.
- O Coronel Salgado vai muda este fim de mundo, vai traze o desenvolvimento,
o progresso para Itaconhorá!- dizia seu Quirino segurando o martelinho
de cachaça e empolgando o povo que o escutava.
- Eu concordo - respondeu Belisco cambaleante circulando pelo bolicho - Dr.
Salgado não abandona ninguém - e apontando para um peão
sentado no balcão continuou - quando seu guri Carlinhos fico doente quem
mando busca em Bagé os remédio?
Todos se entreolharam e em coro disseram - Coronel Salgado.
Belisco agora sentado em uma das mesas silenciosamente roubava um traguinho
de canha que engoliu de súbito e prosseguiu.
- Por que ele fez isso ? Hum... vocês sabem porque o seu Capivara - e
fazendo voz de deboche completou- Coronel fazendeiro pecuarista Dr. Não
traz para cá um remedinho sequer onde vai a verba que vem para cura o
povo minha gente?
A peonada que estava no bolicho mais alguns transeuntes da rua cercavam Belisco
e vibravam com o discurso do gambá.
Seu Gêge atrás do galpão escutava a tudo sem dizer uma
palavra, sabia que em menos de meia hora viria alguém a mando do prefeito
ali e pagaria rodadas de cachaça em nome de seu Capivari e até
Belisco que agora falava mal do governante diria alguma coisa de bem do Coronel
fazendeiro pecuarista e Dr. Essa indiada esquece rápido. Pensou
consigo, ele próprio não aprovava os feitos do prefeito mas também
não acreditava muito que o Coronel Salgado mudaria alguma coisa. De certeza
, só que venderia muita cachaça e mantimentos porque era tempo
de eleição e os coronéis agradavam a torto e direito o
povo.
Com a cortininha cor de salmão entreaberta o prefeito espiava o alvoroço
que acontecia lá embaixo na venda.
- É aquele gambá dos inferno tá falando contra a minha
pessoa de novo, esse me paga a se paga ,vou manda escalpela esse traste e coloca
sentado encima de um formigueiro de cortadeira - com a cara mais maquiavélica
do mundo o Coronel Capivari falava para as paredes quando bateram à porta
de seu gabinete.- Quem é ?
Uma voz abafada e submissa respondeu:
- Sou eu, vossa ilustríssima excelência, seu secretário.
- Pois entre criatura!- a voz de seu Capivari saiu quase como um berro de ódio.
A porta abriu-se lentamente e uma cabeça surgiu, era seu Silvino que
dizia:
- Desculpe interrompe o Dr. Mas é que ...- antes que acabasse de falar
o prefeito o puxou para dentro do seu gabinete e bateu a porta irritado, dizendo:
- É Coronel fazendeiro pecuarista Dr. Capivari, já disse mil
vezes !se eu sou tudo isso tenho que ser chamado assim, se você não
sabe falar isso imagine essa "coisinhas" lá embaixo!- e com
um sinal de mãos apontava para a rua.
Silvino foi até a janela e abriu um pouco a cortina, podia-se ver o bolicho
do seu Gêge rodeado de gente vibrando.
O prefeito aproximou-se do secretário e disse apontando com o dedo para
as pessoas em frente ao bolicho.
Aquelas cabecinhas lá embaixo, essas "coisinhas" iguinorantes
que podem votar estão todas lá escutando o diabo do Belisco subjugar,
espezinhar, desmascarar a minha pessoa.
Silvino , que ás vezes era meio lento de pensamento, fez cara de dúvida
e enquanto o prefeito caminhava de um lado para outro do gabinete o secretário
não se conteve e perguntou:
- Mas o Coronel fazendeiro pecuarista Dr não tem com o que se preocupa
, não anda de máscara, é amigo do Dr. Juiz e o senhor é
maior que uma erva daninha, pra ser pisado é difícil.- com cara
de afirmação Silvino segurava o chapéu entre as mãos
esperando ao certo uma resposta de aprovação do prefeito.
- Não seja asno sua mula ,não foi no sentido real da palavra
que vou ser pisado é nas eleições o Salgado tá passando
a minha frente ele pode ganha- e dando uma pausa pensou consigo e disse- ele
pensa que pode! Hahaha.. porque quem manda aqui agora e amanhã sou eu.
Silvino ,manda um dos meus peão que tá lá embaixo paga
uma rodada de canha pra essa indiada.- antes de voltar até a janela o
prefeito parou mais um pouco e disse- melhor manda dá canha pra essas
"coisinhas" até caírem tudo ,encharcados de cachaça,
assim ninguém abre a boca.
- Sim , claro , pode deixa é upá e teve- respondeu o secretário
retirando-se.
Agora já escondido atrás da cortina o prefeito observava tudo
que acontecia em frente ao bolicho, se espicha-se um pouco mais o pescoço
poderia avistar uma das mesas onde estava sentado um peão e o Belisco,
que volta e meia erguia agora uma garrafa de cachaça. Antes do secretário
fechar a porta o prefeito gritou:
- E eu quero vê toda aquela peonada caindo um a um feito mosca sem demoras.
Silvino agora estava na entrada do prédio da prefeitura conversando
com um dos peões que sempre acompanhavam seu Capivari ,já que
a época de eleições sempre era conturbada os peões
serviam como guardas. Não demorou e o peão cujo nome era Juvenal
foi em direção ao Bolicho.
Seu Gêge tomava de volta uma garrafa de canha que Belisco surrupiara
da prateleira enquanto discursava para a pessoal.
- Toma jeito Belisco , homem não tente me passar a pena se quer beber
tem que paga.- disse o bolicheiro devolvendo o litro de cachaça para
o seu lugar entre as outras garrafas.
Belisco fazendo uma cara de quem era assolado por uma enorme tristeza respondeu
- Não me dão emprego, para um homem como eu não há
lida nesse rincão, não tenho culpa se de vez em quando uso meios
gatunos para viver.
-
Ao final das palavras de Belisco Juvenal entra no bolicho , todos os olhares
viram-se para ele. Sem parecer-se importar ele vai em direção
ao balcão e derrama sobre este, diante dos olhos de todos algumas moedas
dizendo:
- Um agrado do prefeito seu Capivari , a ordem é trago pra toda essa
indiada, isso porque o prefeito quer bem a todos.
Seu Gêge continuou com a cabeça meio abaixada limpando os copos
de martelinho parecia que não dava ouvidos ao peão.
Enquanto isso Silvino entrava correndo porta adentro do gabinete do prefeito
anunciando:
- Coronel fazendeiro pecuarista Dr já dei a ordem o peão foi
lá agora é só espera daqui a pouco tá todo mundo
falando bem do senhor....
Interrompendo Silvino o prefeito que estava atrás da cortininha espiando
o movimento lá embaixo fez um gesto para que o secretário se aproximasse
da janela. Este obedeceu de imediato e ficou em silêncio olhando atentamente
pra o bolicho.
- Tá tudo quieto , mui quieto já era para estarem na maior festa
, rindo elogiando minha pessoa algo deu errado - disse o prefeito, vamos lá
e pegando seu secretário pelo lenço saiu em direção
ao bolicho na porta juntou consigo mais dois peões que faziam sua segurança
e se mandou a passos firmes .
Ao chegar na porta do bolicho o Coronel parou com todos os seus seguidores
de repente lá de dentro como um cuspe , saiu Juvenal , caindo bem aos
pés de seu Silvino, que deu um passo para trás.
Na porta surgiu a figura de Belisco dando risada quando este avistou o prefeito
não se conteve e disse:
- Coronel fazendeiro pecuarista e Dr. Capivara.... perdeu alguma coisa por
aqui....
Dentro do bolicho um silêncio tomou a todos, o prefeito com as mãos
no bolso da bombacha foi se aproximando de seu secretário e disse baixinho
para este:
- Você toma esse meu relógio de bolso e dá um jeito de
por isso junto das tralhas desse gambá , ninguém pode vê
e rápido.
Com toda a discrição possível e impossível o secretário
pegou o relógio e foi se aproximando pela beirada , meio longe da vista
do pessoal até a mala de garupa que Belisco sempre trazia consigo. Era
muito simples , seu pano era listrado e velho tinha alguns furos , seu Silvino
nem imaginava o que tinha ali dentro, simplesmente atirou o relógio ali
e saiu desapercebido.
- Você seu bêbado tá me chamando de capivara ?- disse o
prefeito pondo as mãos na guaiaca e se aproximando a toda de Belisco.
- To sim , ué então capivara não é aquele bichão
gordo , até fedido com que como pasto e duas orelhinha pequena é
a sua cara. Seu Coronel Salgado que diz esse ano vai bota embaixo do braço
a maior capivara da região ,o senhor- e risonho apontou para o prefeito,
mostrando com gestos as semelhanças entre o Coronel Capivari e o bicho
em questão.
O prefeito vermelho de raiva como um pimentão avançou para cima
de Belisco e os dois se atracaram num ranca - rabo na frente de todos.
O bolicheiro que sempre dizia não gostar de ver sua venda envolvida
em comentários de briga interveio para separar os dois com a ajuda dos
peões que acompanhavam o prefeito.
- Eu vou manda te prender seu filha duma... ! - rugia o prefeito de um lado
todo esbaforido
- Manda o que , sua capivara gorda e lerda nem me deu um tapinha, só
veio com essa banha toda- ria Belisco segurado por seu Gêge.
- Vamo embora Coronel...- essa gente não reconhece o bem que o senhor
faz por eles- disse o secretário retirando o prefeito do bolicho abaixo
de vais e gritos de gato.
O prefeito chegou até a entrada da prefeitura rapidamente e enxugando
a testa suada perguntou baixinho para sei Silvino.
- Fez o que eu mandei tchê?
- Sim senhor tudo certo.
- Então agora vai me chama o delegado leva ele no meu gabinete vou presta
uma queixa.
Silvino seguiu em direção a delegacia enquanto o prefeito subia
as escadas para seu gabinete certo de sua vitória nessa empreitada.
A delegacia era modesta tinha duas celas o delegado Dr. Ribeirinha contava
com três cabos Demétrio , Horácio e Romualdo uma indiada
fora dos padrões da forma física exigida pelo ofício ou
eram muito gordos ou apenas um risco que tomará vida.
Quando Silvino entrou na sala do delegado Dr. Ribeirinha deu um pulo da cadeira
onde estava confortavelmente sentado pitando um crioulo.
- Mas que foi homem pra que tanta correria , isso é jeito de entrar
no recinto da lei?- Falou o delegado com cara de poucos amigos já apagando
o palheiro.
- Me desculpe os modos seu Ribeirinha , mas é que aconteceu um roubo
gravíssimo. E a vítima está muito triste por que lhe foi
tirado uma lembrança valiosa de família.
- Não me diga que roubaram as cabeças de gado do seu prefeito
e ele fico à mingua?- respondeu o delegado com uma risadinha de deboche.
- Ah , graças a nosso Senhor Jesus Cristo não , as vaquinha do
prefeito tão mui gordinha lá no pasto. Foi outra coisa um relógio
de família.- fazendo uma pausa Silvino puxou a cadeira mais próxima
e começou a narrativa.
Protegido pela cortina cor de salmão o prefeito pode ver o delegado
acompanhado de dois dos seus cabos, um era só o fiapo o outro parecia
uma bolita em forma de gente, a passos largos junto com Silvino em direção
à prefeitura.
- Tenho que ser convincente , eu não provoquei a briga , apenas me defendi
fui insultado pessoalmente, difamado por Belisco aquele gambá a mando
do Coronel Salgado e sua corja que querem me tirar do poder a todo custo.- Franzindo
a testa o prefeito parou um minuto revendo seu plano mentalmente- não
posso acusa o Coronel Salgado nem sua corja porque o esse delegado da muita
corda pra ele, não é boa ideia.
Quando a porta do gabinete do prefeito abriu-se a cena que o delegado e Silvino
encontraram foi a seguinte: Coronel Capivari sentado em sua cadeira com as mãos
no a chorar como bezerro desmamado.
- Por favor senhor prefeito- disse o delegado aproximando-se com um lenço
para consolar a vítima.
- Coronel fazendeiro pecuarista Dr. , por favor delegado- respondeu Capivari
fazendo um gesto com a mão para que o Dr. Ribeirinha se afastasse. e
levantando-se começou a disser- o senhor tem que prender esse traste
ele tirou do meu bolso o relógio que foi do meu pai do meu avô
do meu tataravô que veio desbravar esse continente que abandonou a Europa
...
Antes que o prefeito prosseguisse o delegado o interrompeu com uma risada irônica
acrescentando:
- Por favor , Coronel todos sabemos que o seu tataravô não é
europeu ,o sobrenome da sua família é da terra - e soletrou- C-A-P-I-V-A-R-I,
mas vamos ao que interessa seu Silvino já relatou tudo foi o Belisco
não foi?
Agora com o semblante totalmente mudado o prefeito deu um soco na mesa dizendo
- Exijo que o Dr. Prenda aquele infeliz e traga o meu relógio de volta
agora mesmo!
O delegado sem discutir a ordem deu meia volta e saiu com seus dois cabos rumo
ao Bolicho do seu Gêge.
Na ampla sala da fazenda Formosa os últimos raios do sol já sumiam
no horizonte do continente e a mesa de jantar estava repleta de ossinhos. O
Coronel Salgado os limpava com todo o cuidado e ia enfileirando um por um na
mesa. Era sua tropa de osso quando piá ganhará da avó 5
ossinhos, só para começar como dizia aos mais chegados, depois
com o tempo a tropa de osso foi aumentando, aumentando hoje contava com 400
ossos.
- Coronel , Coronel - vinha chamando baixinho a preta velha que cuidava de
tudo na casa- Um dos cabo do Dr. Ribeirinha tá li fora quer fala com
o senhor diz que é importante.
O Coronel parando de polir os ossinhos mandou que entrasse então o visitante
fazendo um sinal para a preta que o levasse até a sala de visitas.
O cabo Demétrio entrou todo acometido de cuidados porque a sala de visitas
era repleta de vasos de porcelana, flores e bibelôs de certo muito caros.
A decoração da casa do Coronel Salgado era um tanto chique e moderna
demais pro pessoal da região, desde que ficara viúvo com cinco
filhas moças o Coronel fazia todas as vontades das meninas e a decoração
era obra delas.
- Se sente tchê - disse o Coronel com a voz muito firme já apanhando
a cuia de mate que sempre tava pronta na sala.- o amigo aceita um amargo para
limpar a goela da polvadeira?
- A sim , claro Coronel- respondeu o cabo apanhando a cuia todo encabulado.
- Que boas novas lhe trazem aqui? Algum recado do meu compadre Dr. Delegado?
- Pois sim , o prefeito mando prende o Belisco . É o bêbado que
sempre tá no Bolicho do seu Gêge fazendo discurso cutucando o povo.O
delegado mando essa cartinha lacrada para o senhor.- e tirando a carta que vinha
muito amassada do bolso da farda a entregou ao Coronel.
- Deixe-me ver , só um instante - o Coronel que não tinha muita
paciência não conseguindo abrir a carta deu uma risadinha de raiva
- nossa o assinto é tão confidencial parece que o Ribeirinha não
quer que eu nem abra essa merda de carta, que homem desconfiado esse xirú.
Fazendo uma força por todos os lados do bilhete o Coronel acabou de
rasgar uma das partes mas finalmente a carta se abriu e ele estendeu um largo
sorriso para o cabo.
- Agora tá belo rasguei um pouco mais abri a correspondência-
e levantando-se pediu licença para o cabo e foi a um canto juntar os
pedaços da carta para ler.
A HORA É ESSA O PESSOAL QUE FREQUENTA O BOLICHO JURA QUE BELISCO NÃO
ROUBO O RELÓGIO DO PREFEITO , FOI ARMAÇÃO DAQUELA CAPIVARA.
FAÇA ALGO PARA SOLTAR O GAMBÁ E ESSA INDIADA VAI FICAR DO SEU
LADO.
Já ia altos da noite quando o Coronel Capivari estava em sua "casa
prefeitural" , como dizia, bem acomodado em sua poltrona vinda diretamente
do Rio de Janeiro com os pés descansando na mesinha de centro rindo sozinho,
do sucedido no seu dia enquanto soltava nuvens de fumaça do palheiro.
- HIHIHI... quero ver quem agora vai abria boca em Itaconhorá para falar
mau de mim.
O pensamento do prefeito foi interrompido por fortes batidas em sua porta e
gritos de abra seu prefeito é uma emergência.
Sem querer se levantar o Coronel chamou a empregada que prontamente abriu a
porta.
Atropelando a empregada Juvenal que fazia a guarda do prefeito entrou na sala
onde este estava e falou de uma vez como se as palavras lhe fugissem a todo
galope.
- O Coronel Salgado solto o Belisco e tá discursando pra indiada na
frente da delegacia!
- Mas o que é que você tá me dizendo o vivente- levantando-se
de sobressalto Capivari estendia um olhar de indignação para o
peão- não pode eu mandei prende aquele traste quem desrespeito
uma ordem da minha pessoa? O prefeito!
O peão recobrando o ar respondeu:
- É melhor o Coronel vê com os próprios olhos.
Capivari apanhou o chapéu e quando saia a porta de sua residência
um amontoado de vereadores de seu partido viera lhe falar a mesma coisa que
o peão.
- Mas que é isso ? É tão terrível assim ? pra que
tanto alvoroço numa tentativa fraca da oposição de descumpri
uma ordem minha. Calma senhores é eu por os pés na frente daquela
indiada pra tudo sumi num trote só!- disse o prefeito estufando o peito-
e apontando em direção a delegacia ordenou sua "tropa"-
avante que a vitória é certa!
Em frente à prefeitura havia todo por assim disser a freguesia do Bolicho
e seu Gêge ao lado do Coronel Salgado e de seu Belisco, sem falar dos
vereadores de apoio Quirino , Mugim e Felino Paiva protegidos por oito homens
de confiança do Coronel Salgado. A multidão inflamada com as palavras
do Coronel Salgado já gritava palavras como FORA CAPIVARI! É HORA
DE MUDAR!.
Na frente da igreja as três beatas de Itaconhorá junto com o padre
assistiam a tudo espantadas.
- Vamos ter uma revolta uma verdadeira guerra aqui cadê o prefeito para
impor ordem nessa baderna !- disse uma das velhas com o chalê azul.
- Vergonha até o delegado que é a lei aqui em Itaconhorá
se trancou dentro da delegacia como se nada estivesse acontecendo.- completou
a outra senhora de cabelos mui brancos e ralos.
- Parece que eu já estou vendo o Coronel Capivari dobrando a rua com
toda sua tropinha de vereadores e seguranças a dar gritinhos histéricos.-
falava o padre quando o próprio Coronel Capivari dobrava a rua em direção
a delegacia trazendo consigo um levante de apoio por assim disser.
- Mas o que é isso em frente a minha delegacia !- gritava aos quatro
ventos o prefeito seguido de perto por Juvenal.
O Coronel Salgado que já havia ganhado uma cadeira como palanque improvisado
falava ao povo que o cercava:
- Um homem pobre, meus irmãos, sem casa ,trabalho ou uma família
para lhe amparar com amor. Acaba preso por uma acusação falsa,
leviana diante dos olhos de todos vocês, companheiros de festa do seu
Belisco - e apontando para o gambá que estava próximo de sua cadeira
seguiu dizendo- que testemunharam a olhos próprios a armação
a injustiça contra esse cidadão só porque ele expressava
sua opinião. Que Itaconhorá vocês querem? Uma onde tenham
medo de falar o que pensam ,a verdade?
A multidão que escutava o Coronel Salgado ia aumentando, por causa do
alvoroço, as poucas pessoas que moravam ali próximas já
se aproximavam .
- Vocês concordam com o que aquele sujeitinho , só porque tem
mais terra, e um touro do qual tanto se orgulha.. um animal como tantos outros
que ele trata melhor do que aos próprios empregados..Minha gente o que
vocês apoiam? - Gritava o Coronel Salgado já avistando o
prefeito e sua comitiva.
O povaréu já dominado pelas palavras acompanhou um grito que
surgiu escondido na multidão:
- Fora Capivari! Fora!
Em menos de um minuto todos gritavam a mesma coisa a uma só voz parecia
ser incontível a raiva que o povo ali reunido sentia do prefeito.
A uma distância um tanto segura da multidão o prefeito virou-se
para seus seguidores e disse vamos agir.. Juvenal me siga. E o prefeito contando
com a força do seu segurança foi abrindo espaço entre a
multidão.
Felino Paiva agora aproximava-se da cadeira onde seu tio Coronel Salgado discursava,
Mugin que o vira dar o grito de Fora Capivari no meio do povo para atiçar
a multidão parabenizava o rapaz pela engenhosa ação.
- Licença meus queridos , respeitados eleitores....- era o Coronel Capivari
que vinha por entre a multidão seguido por Juvenal, que perto de qualquer
gaúcho ali era uma verdadeira coxilha atarracada- vocês me perdoem
eu não.... - antes que acabasse de falar um indiaco magricela lhe roubará
o chapéu e sumira entre a multidão e antes que Juvenal resolvesse
sair as catas do ladrão o prefeito virou-se para ele e falou baixinho-
esqueça aquela poca coisa e me siga. - novamente virando foi direto até
Belisco e foi conduzindo o pobre meio aos arrastos para perto da igreja alguns
passos dali.
O Coronel Salgado pressentindo uma manobra política de Capivari desceu
da cadeira onde estava e foi atrás do prefeito e do gambá em questão.
O povo que acompanhará a tudo meio calado agora se virava para as escadarias
da Igreja onde belisco estava preso entre o prefeito e Juvenal sem conseguir
sequer olhar para os lados.
- Mas o que aquela capivara velha vai apronta agora , olha só essa gente
virou a cabeça como uma tropa de gado , meu tio faça alguma coisa-
era Felino Paiva que falava ao Coronel Salgado que agora rodeado por Mogim,
Quirino e seus oito peões, olhava afastado da multidão a cena
que se sucederia.
- Padre , venha cá - o prefeito fez um sinal para que o padre se aproximasse
já que este estava ali junto às beatas a observar tudo desde o
início da confusão - o senhor sabe o quanto eu e minha amada família
somos devotos, e como cristão fervoroso que sou acredito que até
mesmo para a ovelha mais desgarrada há salvação, - e colocando
o braço sobre o pescoço de Belisco continuou- eu lhe perdoo
filho esqueçamos o passado e olhemos para o futuro.
O padre que a sua frente tinha a multidão curiosa e pasma a sua esquerda
via Juvenal exibindo o facão de três listras de braços cruzados
a lhe impedir a passagem e o prefeito do outro lado abraçado a Belisco.
- Nosso estimado pároco Weicher- falou o prefeito
- É Watcher- corrigiu o padre , não gostava de se envolver em
política e estava sentindo que ia ser forçado a sustentar uma
tática do prefeito.
- Pois que seja, o senhor é o pastor aqui em Itaconhorá me diga
esse homem sem casa emprego pode se redimir com Deus?- e sustentou um olhar
frio e firme para o padre.
- Hum .. bem ... - o padre olhou para Belisco e pensou consigo pobre criatura
- a fé remove montanhas...e...- meio engasgado olhou para Juvenal e procurando
o que falar disse- como Davi que derrotou Golias com a ajuda do Senhor ele teve
fé!
- Você tem fé Belisco?- perguntou o prefeito olhando para o homem
que ele mandará prender.
- Se tenho , mas como é mesmo ?- Belisco sem entender nada fez uma cara
de dúvida para o prefeito.
Este agarrou Belisco pelos ombros e disse:
- Você criatura de Deus , ovelha desgarrada vai Ter uma chance eu vou
lhe nomear fiscal da limpeza de Itaconhorá!
Do meio da multidão Antoninho Capivari coberto por uma capa preta gritou
até ser seguido por todos.
- VIVA AO CORONEL CAPIVARI! NOVA VIDA A BELISCO!
O prefeito pegando a mão de Belisco a erguia em sinal de vitória
enquanto o padre fazia o sinal da cruz sem saber se de indignação
ou de piedade daquela pobre gente.
Em questão de meia hora a praça havia ficado vazia, Belisco fora
arrastado pelo prefeito para uma noite de comemorações no bordel
da Encruzilhada junto com mais 15 ou 20 pessoas que o prefeito foi juntando
ali mesmo e prometendo pagar festa para todos a noite inteira.
A única luz acessa aquelas horas era a da delegacia onde a portas cerradas
sob sigilo o Coronel salgado mais o Delegado, seu Gêge , Felino, Quirino
e Mugin estavam reunidos com alguém muito importante, o seu informante.
- Você viu o quanto essa gente é burra, Delegado.- dizia o Coronel
andando de um lado para o outro da sala do delegado- se iludem por meia dúzia
de promessas e palavras , ora fiscal da limpeza de Itaconhorá, isso nunca
existiu , onde se viu Belisco um bichinho do mato sabe algo de limpeza até
meu cavalo tem mais conhecimento de higiene que ele.
Entendo sua indignação Coronel , mas perdemos uma batalha não
a guerra, o nosso mui amigo aqui tem uma coisinha para nos contar.- Disse Mugin
apontando para a pessoa que estava sentada de costas para todos coberto com
um poncho negro e um chapéu da mesma cor.
- Hum..- sussurrou em sinal de desdém Felino Paiva
- Já sabemos quem é nosso amigo- Completou o delegado e aproximando-se
do indivíduo disse é bom ser algo útil porque vosmecê
recebe muito bem por cada palavra.
- É coisa certa , o prefeito vai meter os pés pelas mãos.-
disse o homem do poncho negro sem virar-se para ninguém na sala.
- O que é dessa vez?- perguntou o Coronel
- Tem um projeto engavetado, esquecido promessa de campanha de Capivari. Ele
próprio ajudou na redação, é para a única
escolinha de Itaconhorá.
- Mas é claro , aquela promessa velha de campanha " eu vou dar
uma escola para seus filhos". Aqui na região não há
nenhuma escola temos que cobrar essa promessa.- Falou entusiasmado Felino.
- Não é essa a ideia - interrompeu o homem misterioso-
amanhã os vereadores vão encontrar este projeto , vou lhes dizer
onde está guardado e irão votar pela escola. O prefeito não
vai Ter como recusa, mas antes é preciso que se espalhe aos quatro ventos
que a escola é coisa certa. O prefeito não vai voltar atrás.
- Até ai quem sai ganhando é só aquela capivara gorda.
Como vamos virar isso a nosso favor?- indagou o Coronel.
- Simples- respondeu o homem de negro - a ração tão secreta
do touro do Coronel Capivari, como é mesmo o nome do bicho ?
- Júlio César- responderam todos em coro na sala.
- Isso mesmo - completou o homem- a ração do tal touro campeão
vem para a fazenda do
Coronel de carroça escoltada por quatro peões de sua confiança.
O Coronel anda apertando a guaiaca porque a única filha dele, que estuda
pra professora na capital andou gastando muito em uma viagem até o Rio
de Janeiro. A gente rouba a carga de ração e pede resgate bem
no valor da verba pra fazer a escola. Ele já vai tá com o dinheiro
na mão, e entre ensina esse povo coisinha, como ele diz e lê e
escreve ele vai preferi recupera a ração do touro dele.
- Pode ser uma boa ideia , a capivara é muito supersticiosa,
acha que o touro só é melhor que os outros por causa da tal ração
vinda da capital, não custa nada tenta.- respondeu o Delegado.
- Sua informação foi muito preciosa seu... , aqui esta a sua
recompensa e contamos sempre com os seus serviços- o Coronel Salgado
estendeu ao homem um saquinho cheio de moedas.
- Buenas noites senhores.- respondeu o homem saindo pelos fundos da delegacia
sumindo na noite.
- Agora que a traíra foi embora vamos planejar com muito cuidado nosso
próximo passo.- disse o Coronel Salgado fazendo um gesto para que todos
se aproximassem a mesa do delegado.
O sol já ia perto do meio- dia quando o prefeito recebeu em seu gabinete
dois dos seus vereadores de confiança Sebastião e Rolando.
- Silvino esquenta a água pro mate anda logo- resmungou o prefeito.
- Sim , senhor... Dr... quer dizer Coronel pecuarista ..e - Silvino agarravace
no chapéu já certo que havia se perdido nos cumprimentos ao prefeito.
- Já disse o fazendeiro tem que vir antes de pecuarista... ora Silvino
é tão simples! - esbravejou o prefeito.
- É que no meu entender as duas palavras são tão .. irmãs
que tanto faz..- disse o secretário tentando se explicar.
- Não tem tanto faz , antes de eu ser pecuarista me tornei fazendeiro...
e ponto final providencie o mate.- e com um gesto pediu para os vereadores sentarem-se.
- O que trouxe vosmecês aqui xiruzada, algum problema na Câmara?
- Não , não é bem um problema na verdade é uma
promessa que foi lembrada.- Sebastião procurava as palavras para contar
ao prefeito o sucedido logo cedo na Câmara.
- Lembrada, foi alguma coisa que eu esqueci , algo que compromete a minha pessoa?
- indagou o prefeito aos dois vereadores.
- Compromete Coronel , uma promessa de campanha que foi resgatada do esquecimento
pela oposição hoje cedo e vão botar em votação
lá na Câmara hoje depois do meio-dia.- sentindo-se aliviado por
relatar tudo Rolando deixou-se afundar na cadeira já prevendo a reação
do prefeito.
- Mas o que ! quem eles pensam que são pra ir escarafuncha nas minhas
promessas!- berrou o prefeito em alto e bom som.
Silvino que havia chegado com a cambona e a cuia para o mate foi servindo os
vereadores e como tinha pegado a conversa adiantada respondeu:
- Ora, seu prefeito, são a oposição é serviço
deles procura os seus esquecimentos de campanha.- disse o secretário
dando de ombros como se a dizer que não era preciso preocupar-se.
- Não pode, não pode não pode!- o prefeito com o relho
do cavalo na mão batia com este fortemente na sua mesa descontando sua
ira - não deixo eu mato todos eles! Rolando!
Sim prefeito , aqui as suas ordens! - fazendo pose soldado pronto para a guerra
o vereador ergueu-se da cadeira de supetão.
- O que a oposição daquele quitute de festa, que atende por Salgado-
dizia o prefeito com uma voz de desacato - quer dessa vez?
- Bem o que eles querem...- preparou-se para falar Sebastião quando
foi interrompido.
Seja lá o que for eu não vou dar, nada feito! - respondeu o prefeito
fazendo cara de turrão - prossiga Dr. Sebastião.
- Bem se o prefeito não aceita acordo não adianta fala , mas
eles não querem nada demais , só uma escolinha pra filharada,
sabe aprende a ler , escrever... - Sebastião foi dizendo e baixando o
tom de voz até dizer -... pensar.
- O que ? - o prefeito que balançava o relho no ar deu um salto de sua
poltrona - pensa , pra que eu penso por eles. Essa gente nem sabe o que quer
da vida. Pra que aprende a lê e escreve as vaca e os cavalo nunca foram
na escola também e vivem muito bem.
Prefeito - disse Silvino que estava atrás da poltrona do prefeito - presta
atenção o senhor lembra do povinho lá de Pontaconharã?
- Ah, sim lembro um distrito de Itaconhorá, é uma gente esquecida
ficam perto das terras do Salgado. Pra que vou pensa neles agora? Eles não
votam.- concluiu o prefeito não entendendo o que o secretário
queria dizer.
- Ai que tá,com uma escola essa gente toda que não vota pode
vota , o senhor pode ganha mais voto até que é uma boa ideia
só usa a seu favor - explicou Silvino.
O semblante do prefeito mudou, seus olhos ganharam ares de quem pensava longe,
num futuro onde teria uma multidão de eleitores, já podia até
ver a enorme soma de votos a sua vitória sobre o Coronel Salgado seria
comentada por muito tempo.
- É pode ser uma boa ideia. Amigo Sebastião , amigo Rolando
votem a favor façam o jogo deles quando a verba vier será a melhor
escola de Itaconhorá! - bradou vitorioso o prefeito.
- A única na verdade.- sussurrou baixinho Silvino atrás da mesa
do prefeito.
- O que vosmecê disse criatura? - perguntou o prefeito fingindo não
ouvir o comentário do secretário.
- Nada não prefeito- respondeu Silvino.
A notícia correu como rastilho de pólvora e ao anoitecer o comentário
em todos os cantos de Itaconhorá até mesmo nas mangueiras era
da tal escola , obra do prefeito Capivari ,a primeira escola. Sim , a primeira,
porque quando foi anunciado que haveria uma escola no município o prefeito
já tratou logo de prometer outra , a obra iniciaria assim que o seu candidato
ganhasse as eleições que estavam por vir.
O enorme escritório da casa do único médico de Itaconhorá
era singelo , para a posição de um médico tinha móveis
de madeira de lei e muitos livros de todos os assuntos possíveis. Candelabros
de prata que iluminavam todo o ambiente, muito seguro para uma estratégia
da qual nenhum dos homens ali queria ser suspeito nem em pensamento.
- Amigo Felino saiba que pode ficar a vontade com seus amigos no meu escritório
já que me convenceu que é para um fim nobre esta reunião
as escondidas fiquem o tempo que quiser se precisarem de algo a minha empregada
Janice lhes atenderá.- ao final dessas palavras Dr. Estevão retirou-se
fechando a pesada porta deixando os quatro homens a sós.
- O Dr. vai querer jantar?- perguntou educadamente Janice ao patrão.
Não obrigada , irei sair um pouco, aqueles homens que estão no
meu escritório não os perturbe , a menos que lhe solicitem algo
mas total sigilo, não quero me envolver em escândalos.- disse educadamente
o médico.
- Pode confiar em mim, sabe o quanto sou discreta. Licença, vou até
a cozinha preparar um bolo para o café.
A noite em Itaconhorá era linda a lua estava cheia parecia uma enorme
moeda dourada , o céu muito estralado .Dr. Estevão caminhava calmamente
olhando as pessoas que estavam sentadas nos bancos ao redor do chafariz. Um
chafariz que não era qualquer um, tinha vindo a peso de ouro de Pelotas,
as figuras de anjos e sereias não combinavam muito com o ar da humilde
Itaconhorá.
- Para que uma peça tão cara neste descampado, o povo morrendo
por falta de higiene e remédio e esse prefeito gastando o pouco que temos
em chafariz.- pensou o jovem médico consigo parando a frente da atração
do município.
- Dr. Dias tomando um ar, a noite esta uma beleza, já soube da nova?
- era Belisco quem vinha , parecia sóbrio , e puxava conversa.
- Ah sim Belisco , a escola , é uma ótima ideia .É
na educação que pode iniciar o progresso de uma cidade. - completou
o médico.
- Não essa novidade , a outra que eu fui nomeado pelo próprio
prefeito "fiscal da limpeza de Itaconhorá" hahahah pode?- disse
o homem perguntando ao médico sua opinião.
- Ora Belisco, você, quando está sóbrio, raras vezes o
vi assim fala muito bem, como um doutor , e quando esta meio "tonto"
fala melhor ainda você tem talento.- o médico começou a
conter as palavras.
- Que vou eu saber de limpeza de cidade ! Decerto querem que eu varra a terra
até surgirem pedras nas ruas! Não respeitam o ser humano aqui,
esses coronéis fazem e são a lei aqui e essa gente simples que
lida com o gado dia e noite, que tem as mãos calejadas da lida, muitas
vezes dorme com fome e enterrados em pequenos sonhos de terra e liberdade. Irônico
e há lugares onde nos ensinam ideias de revoluções
que levantaram bandeiras em terras distantes os mesmos sonhos o homem é
o mesmo no tempo e no espaço em qualquer canto do mundo.
Os olhos do médico estavam cheios de lágrimas , aquelas palavras
não podiam vir da boca de um bêbado pareciam Ter nascido dos lábios
de algum culto pensador europeu do tempo da revolução francesa.
- Belisco, e a sua família?- o médico resolveu perguntar para
descobrir algo mais daquele ser.
- Todos mortos , todos os que para mim já foram alguma coisa.
- Como mortos , você pelo que sei já tem 30 e poucos anos apareceu
em Itaconhorá numa noite de chuva em um cavalo que pelo que contam era
muito garboso com belos arreios... você não pode ser um mendigo
como estes tantos.- o olhar de Estevão tornou-se firme e curioso.
- Vendi os arreios e o cavalo pra um tropeiro a troco de algumas moedas que
mal deram para um quartinho nos fundos do bolicho do seu Gêge.
- O senhor, me desculpe seu Belisco , pela curiosidade mas o seu modo de pensar
e falar até é muito distinto do destes simples peões.
Belisco , percebendo que o médico logo começaria a fuxicar no
seu passado resolveu por fim a charla.
- Bem , a conversa tá boa mais eu tenho que ir andando, buenas noites
Dr. Dias.
O médico vendo o homem se afastar com aquele andar calmo, ficou intrigado
com as suspeitas que levantava em sua mente sobre Belisco mas afastando aquelas
ideias todas, que pareciam muito delirantes seguiu seu passeio pela noite
de Itaconhorá.
A fazenda São Pedro do Norte de propriedade da família Capivari
como o próprio nome já indicava estava localizada no limite norte
de Itaconhorá. Eram cabeças de gado a perder de vista, e algumas
dezenas de cavalos de vários pêlos.
A casa sede da fazenda , onde viviam o Coronel e sua família era rodeada
por um jardim muito simples, já que a primeira dama não tinha
paciência para mexer com terra, certa vez inclusive uma amiga sua, Senhora
de um influente político de Bagé em visita a fazenda perguntou
por que aquele jardim parecia tão "mirradinho", este foi o
termo usado pela dama, que queria saber como a esposa do prefeito não
dava importância a um jardim , ela achava uma falta de carinho com a natureza
acrescentando que cuidava com esmo um jardim na sua residência em Bagé.
Com ar de superioridade e vaidade a primeira dama respondeu que não era
do seu tipo bancar o tatu cavando a terra a fazer buracos para meia dúzias
de flores com as quais não se importaria. Resultado , o prefeito perdeu
o apoio do político de Bagé por um bom tempo.
O dia a pouco raiara e o Coronel Capivari na varanda já sorvia os primeiros
goles de mate e olhando a estrada de pedrinhas que estendiam-se a perder de
vista até a porteira da fazenda imaginava o trunfo que teria com a construção
da escolinha, no entanto havia um empecilho que lhe tirava o sossego , quem
seria a professora?
De acordo com seus planos pretendia incumbir a sua única filha , que
estudava para a função de educadora na capital, a menina demoraria
ainda para acabar os estudos, mal começara as aulas para ser professora,
o que fazer ? poderia mandar escrever a esposa dizendo para voltar com a menina
para a fazenda e dar um jeito de enrolar o povo e os vereadores, afinal sua
filha era muito inteligente. Aquela gente só iria aprender a escrever
e assinar o próprio nome, este era o seu plano para os adultos , a parte
que mais lhe interessava , aos filhos da gauchada bastaria ensinar o alfabeto
e uma palavrinhas e lhes dar desenhos para colorir e pronto, sua filha poderia
dar conta disso com facilidade.
- Bom dia meu pai.- era Antoninho que se aproximava.
- Bom dia.- respondeu o Coronel meio distante.
- O senhor esta bem algo lhe incomoda?
- Ah , O que ? - perguntou o Coronel e depois de um instante respondeu- você
acha que se eu mandar sua mãe e sua irmã voltarem agora , quando
eu erguer esta escola, sua irmã poderá dar aulas?
Os olhos do Coronel estavam ávidos por uma resposta .
- Bem , Heleninha não pode dar aulas ainda meu pai , deve saber que
essa ideia vai ser inaceitável pela oposição.
- Verdade , eles vão explicar pra esse povo que quem não se formo
professora não pode ensina, ai vou Ter que achar um outro jeito.- completou
o prefeito franzindo a testa e servindo mate para oferecer ao filho.
- Bem , o Coronel Salgado tem uma filha que esta para chegar do Rio de Janeiro
esta semana e que se formou professora por estes dias quem sabe...
Antes que Antoninho concluísse sua ideia seu pai olhou-lhe indignado
- Vosmecê está contra mim ? entregar uma verdadeira mina de votos
para a oposição, não nunca ,ficam tudo sem escola!
O plano já estava trava erra certo a informação de um
estradeiro que sempre avistava a carroça escoltada pelos empregados do
Coronel Capivari a cruzarem seu caminho na mesma época e ,quase certo,
no mesmo horário. No entanto , em dada altura do caminho a carroça
sumia de vista ia por outras estradas que não eram muito frequentadas
pelos que viviam a viajar devido a alguns diz-que-diz de assombrações.
Uma das histórias mais contadas pelos que passavam por esta estrada era
a de uma moça, mui guapa ,que enfeitiçava os viajantes e lhes
roubava tudo às vezes até a vida, diziam que ela aparecia por
entre as árvores do corredor e o peão que deixava tudo para ir
atrás dela quando voltava além de perder o que tinha não
achava a tal chinoca.
Com base nessa lenda, Felino e seus comparsas armaram um plano e o colocariam
em prática assim que a carroça que seus contratados de confiança
seguiam parasse.
Na prefeitura de Itaconhorá seu Silvino veio cercado de pessoas, todas
humildes por sinal e todas vindas de um único local , Pontaconharã,
eram cinco mulheres dos senhores idosos e umas quinze crianças de 2 a
7 anos que esperavam com suas mães a chegada do prefeito.
- O que vosmecês querem aqui afinal , não estão com hora
marcada e o prefeito é mui atarefado não poderá lhes receber-
disse o secretário na tentativa de desafogar a sala de espera daquela
gente toda.
- Pois eles não irão embora- uma voz vinda da porta da prefeitura
se fez ouvir alto e claramente chamando a atenção de todos. Era
belisco que entrava .
- Vim ajudar essa gente- completou, sabendo que o prefeito não estava
e que como o Coronel Salgado havia lhe pedido a baderna devia ser só
para fazer barulho. Tanto era importante que fizera questão de mandar
dois carroções para buscar o povo e trazer para a prefeitura.
- Sinto muito , o prefeito mesmo que estivesse.......
- Não importa , abra esse caderninho ai e marque então uma hora
não saímos daqui até sermos ao menos recebidos como gente.
- A voz de Belisco soou como um rugido para o secretário que foi prontamente
apanhar o caderno de horários de visita do prefeito e abrindo , de propósito
fez uma cara de decepção.
Hum , sinto muito vão ter que esperar até o próximo mandato
do Coronel Fazendeiro pecuarista Dr. Capivari ele está ocupadíssimo
até o fim do mandato.
E fechando o caderno com determinação encarou Belisco e disse:
- Foi o Coronel Salgado quem lhe mandou aqui não foi?
- Para o seu interesse não respondo a um simples carrapato de capivara!
E não preciso de Coronel nenhum para ajudar essa gente.
As crianças corriam pela sala de espera que era ornada com quadros de
paisagem europeias descompassadas com a realidade do estilo de vestir
e viver da região e dois tapetes enormes, cortinas salmão, a cor
predileta de Capivari, e dois enormes vasos de Gesso sustentados por anjos do
mesmo material.
- Façam estes piás pararem de correr ou acabarão quebrando
algo! E o prefeito vai mandar cobrar os estragos de vosmecês. -disse o
secretário com cara de poucos amigos.
A estrada estava vazia e o sol já se escondia deixando o caminho cada
vez mais escuro.
- Melhor pararmos Felício - disse um dos peões que ia na ponta
da pequena escolta para o homem que conduzia o carroção com as
rações do touro do prefeito.
- Também acho bom, minhas costas estão moídas e esses
bois estão cansados precisam de água fresca e pasto.- concordou
o guia do carroção.
Não demorou muito e os quatro peões desvencilharam os cavalos,
soltaram os bois para pastar e armaram um pequeno acampamento, fazendo fogo
e carreteiro de charque , iriam pernoitar ali, já estavam perto de Itaconhorá.