- Ela não era definitivamente uma mulher como as outras.
- Porque não? -O que tinha de especial?
- Olha só...
- Saco!-Existem sim...
- O que existe?
- Cavalos-marinhos cor-de-laranja, estou desolada...Hippocampus safados!
- E daí?
- E daí cacete? - E daí que falei pra uma amiga que não
existiam e existem.
- Qual a diferença?
- Total!- Fiquei de dar a ela um cavalo-marinho laranja, porque pensamos que
não existissem, mas existem olha aqui na internet, laranja como uma manga!
- Como daria se não existisse?
- Aí é que vem o melhor, dar a alguém algo que não
existe!- Entende?
- Já deu algo que não existe a alguém?
- Diversas vezes.
- Péra aí que vou pegar uma cadeira, o quê por exemplo?
- Tantas coisas!-Difícil pensar agora.
- Fala uma!
- Agora não dá cara!-Preciso procurar alguma forma de achar um
cavalo marinho que não existe, embora exista .Beijo.
- Péra!
- Quê saco!
- Depois me dá uma coisa que não existe?
- Sim, o quê?
- Hummm.-Uma borboleta que cante!
- Mais fácil, combinado, beijo!
- Beijo, doida.
E ela foi, perdida entre lampejos desestruturados de derrota, não poderia
dar algo que já existisse, poderia sim falar com a amiga, mas ela não
era mulher de voltar atrás, precisava dar a ela um cavalo-marinho laranja
que não exista, sendo que existem. Sentiu-se de repente dentro de um
conto zen budista, isso era um koan, uma pergunta sem resposta, "mas segundo
os mestres, nenhuma pergunta é isenta de respostas". Pensou.
Uma luz veio a sua cabeça, resolveu procurar um mestre zen, sim, lembrou-se
de sua época de estudante gnóstica e da terrível pergunta
sem nexo que devastou sua mente por meses, meses de noites insones, até
que desistiu:
"Qual o som de uma única mão que bate palmas?". "Ah,
que pergunta besta! Sei que não entrei em estado de Shamadi nenhum ,
nem tive iluminação alguma, nem deixei a mente branca, sei que
essas noites foram um saco!"
"Se desisti antes, agora não vou desistir, talvez seja uma prova
de Budha! Vou procurar um mestre Zen. Na liberdade será que tem?"
.
Antes se lembrou de uma amiga que fazia parte de um grupo zen ou algo assim,
ligou:
- Leonor?
- Oi amiga, que manda?
- Leonor preciso de sua ajuda, você não me disse outro dia que
fazia parte de um grupo zen ?
- Que?- não!- Faço jiu jistu!
- Mas é tudo meio igual né?
A amiga riu:
- Nada a ver, jiu jistu é uma arte marcial, mas vem cá, pra quê
você quer um grupo zen?
- Não quero um grupo zen, tenho horror a isso desde a gnose, quero um
mestre zen!
- Você que tá engajada nessas orientalidades sabe como eu posso
achar um?
- Hum...dexavê...-Ah, meu mestre deve conhecer algum grupo, vou perguntar
pra ele, tenho aula amanhã.
- Não Leonor!-Você não tá entendendo!-Preciso de
um mestre zen agora!- Ontem!
- Mas porquê criatura? - Que aconteceu?
- Uma hecatombe em minha vida!- Me dá o telefone desse seu mestre de
jiu jitsu.
- Olha só, você sabe que eu paquero ele, vê lá hein?
- Ah dá logo! -Sabe muito bem que esses fortões não são
minha praia!
-Sei.-Peraí , 5674555, anotou?
-Beijo!
Ligou.
- Alô?
- Oi é o Otaviano?
- Sim?-Quem é?
- É uma amiga da Leonor, sua aluna, preciso da sua ajuda, preciso urgente
de um mestre zen!
- Que Leonor?
"Cacete"
- Leonor sua aluna de jiu jitsu!
- Não lembro, são muitos alunos, mas porque precisa de um mestre
zen?
- Conhece algum? -Questão de vida ou morte!
- Olha, até conhece o mestre Kin Lin, mas ele ta em Miami.
"Que um mestre zen vai fazer em Miami?"
- Mas deveria estar na China!
- Aí é com ele né?- Mas será que eu não posso
ajudar?
- Conhece koans, contos sufis, acredita em milagres? Desesperou-se.
- Conheço um pouco.
- Pode assim, por fone mesmo me responder uma pergunta?
- Posso tentar, mas você não prefere tomar um café?
- Não tenho tempo, olha, presta atenção, tá prestando?
- Toda gata.
"Ai Leonor, fim de carreira hein?"
- Como acho um cavalo-marinho laranja que não exista, se existem cavalos-marinhos
cor-de-laranja?
- Quê?
"Roubada"
- Nada cara, beijo!
- Ei péra!- é só explicar direito!
- É isso, preciso de um cavalo-marinho laranja que não exista,
só que sei que existem cavalos-marinhos dessa cor!
- Entendi.
- Entendeu? Surpreendeu-se.
- Meu!-Difícil hein?
- Sabe ou não?
- Deixa eu pensar.-Cavalos-marinhos, laranjas, existem, mas não podem,
hummmmm.
- Que tá fazendo?- Meditando?
- Eu tenho um cavalo-marinho laranja.
- Grande merda!-No pet shop também tem.
- Mas o meu não existe.
- Ah cara, ta tirando uma?
- Vem aqui em casa e te mostro.
"Sei o que ele quer me mostrar"
- Olha, valeu.-Beijo.
-Você que sabe gata.
- Explica.
- É um cavalo-marinho certo?
- Certo
- Laranja, certo?
- Sim.
- Mas não existe certo?
- Tá pensando que sou retardada?-Vá direto ao ponto! "Putz,
falei merda, vai pensar que é indireta"
- Então gata, tenho um.
- Sei, vou chegar aí olhar pro seu aquário de peixinhos e você
vai me falar "Olha ele tá lá, só que você não
vê porque não existe." -acertei?
- Você vai ver.
"Que faço agora Budha? Quero uma luz!"
- E como não existe se está aí e eu vou ver?
- E como não existe se está aqui e você vai ver?
- Porra isso é um Koan?
- Quê?
- Meu você nem sabe o que é koan?
- Sei sim.
- O que é?
- Qual o som de uma única mão que bate palmas?
- E descobriu essa porra?
- Claro!
- Me dá seu endereço, tô indo praí, mas ó
, eu luto Box!
- Tranquilo gata.
E ela foi. No carro pensou e repensou. "O cara deve ser um débil
mental, primeiro falou que era difícil, depois falou que tinha, eu tô
indo pra casa de um cara que me chama de gata! Meu, será que é
um psicopata, um serial-killer que mata as vítimas com golpes de espada
sempre com uma música de algum filme do Quentin Tarantino ao fundo e
depois dá aquele gritinho besta de dor estomacal asiática? Bom,
mas ele falou o koan lá da gnose, será que tava me testando? Ah,
sei lá, tô completamente perdida"
Tocou a campanhia de um predinho na liberdade.
A porta abriu, apareceu um velhinho vestido de Kimono com a cara do Senhor Miyagi.
-Otaviano?
- No filha, tocou elado.
- Não tem Otaviano por aqui? -Nem conhece?
- No.
Sentiu por um minuto um alívio, noutro um pressentimento. Pegou o endereço
e mostrou pro velhinho.
- É aqui mesmo né, que estlanho!
- O Senhor é o mestre Kin Lin?
- Sim filha.
- Mas não estava em Miami?
- Onde? Hihi -Nunca sai do Blasil, só antes né, quando molava
na Cina! E riu aquela risadinha enigmática.
- O Senhor é um mestre Zen? Perguntou num golpe só.
- Nooooooo, so dono de lestaulante cines né? -Meio zapones também
né?
- Já ouviu falar em cavalos-marinhos cor-de-laranja?
- Hihi, silvo no lestaulante.-No existe nada igual né?
"Não existe nada igual !?"
- É bom? E fez uma cara de nojo.
- É luim mas muito mágico né? Faz mulher englavidar!
Lembrou da amiga e como queria engravidar há anos, mas não conseguia,
nem com todos os tratamentos. Ela acompanhou todo sofrimento. Sofria junto.
"Será isso Budha? Nada de Otaviano. Ele me mandou aqui, será
que ele existe? Ele nem lembrava da Leonor! E o mestre não é mestre
é cozinheiro! Vou dar um cavalo marinho frito pra ela? É isso
Budha? Sou uma espécie de Deusa da fertilidade? Uma Virgem de Willendorf?
Uma Yemanjá? Uma Afrodite? Será isso Budha? Sou uma mensageira?
Um tipo raro de cegonha? Será isso Budha? Que seja!"
- E o senhor faz um pra mim? -Tem que ficar gostoso....-É urgente sabe?
- Faço filha, coloco uns tempelinhos e fica com gosto de yakisoba! Vamos
plo lestaulante, eu já tava saindo pla lá.
E foram, o velho abriu a porta dos fundos que dava pra uma viela escura e úmida,
cheiro de fritura e peixe podre. Dentro ele mostrou a ela um imenso aquário
com dezenas de cavalos marinhos laranja:
- Qual a filha quer?
- São laranja, e depois de prontos não existe nada igual né?
- Isso filha.
- Qualquer um mestre. O fato de aquele velhinho ser realmente um mestre disfarçado
já estava grampeado na cabeça dela. Ninguém tiraria.
Ele pegou um bem grande, bem laranja. Ela não quis ver o bicho morrer:
- Espero aqui tá mestre?
E foi para o salão pequeno ainda fechado, olhou pro relógio; 7
horas, correria pra levar o "brebage" para amiga, comer ainda naquela
noite. Sabia que teria que ser naquele noite.
- Ta celto filha. -Mas a menina tem que comer hoje ta?
"Ele nem se assusta quando o chamo de mestre, está acostumado, que
conspiração é essa Budha? E não falei pra quem era,
como sabia? E comer hoje?..Serão os astros? Não viaja tanto! Claro,
amanhã isso vai estar com gosto de rato podre..."
O prato ficou pronto, o mestre colocou outros quitutes, como legumes e pedacinhos
de frango em volta, o cheiro estava muito bom. Ficou com água na boca.
- Quanto devo mestre?
- Eu que devo filha.-Venha semple que quiser, comida aqui é de glaça
pla você!
Ela não entendeu nada, mas também não era hora de entender,
tinha que voar pra casa. "Por quê o mestre falou que ela tem que
comer hoje?"
Chegou.
- Que é isso?
- É o cavalo-marinho laranja. Meio diferente daquilo que pensávamos.
- Mas come! -E vai ver que ele não existe mesmo!
- Bom, o cheiro está ótimo.
Comeu tudo. Foram dormir.
Na tentativa seguinte da inseminação artificial, ela milagrosamente
engravidou, nasceu um menino. Chamaram-no Sidarta.
Depois de 3 anos vieram monges tibetanos e quiseram levá-lo .Ambas ficaram
desoladas mas compreenderam.
O menino foi para o mosteiro de Dharamsala na Índia; residência
do Dalai Lama. Elas foram junto morar nos arredores. Visitavam o filho todos
os meses.
Chamavam-no; "Pequeno Budha".
No Brasil, uma borboleta cantava...