A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Simplicidade do Interior

(João Brito)

Não há coisa melhor do que, após alguns e, diga-se a verdade, poucos dias de férias, estar novamente diante de um teclado de computador e, aos pouquinhos e devagarinho como estou fazendo agora, ver as letras brotarem na tela do PC - que não é o Paulo César Faria, mas sim um computador pessoal - uma a uma, sílaba por sílaba, e estas irem formando as palavras; as palavras, por sua vez, as sentenças e estas últimas, as ideias, exatamente como estão na mente de quem escreve. Melhor mesmo, caro leitor, para quem escreve e gosta demais de fazê-lo, como este sujeito que assina embaixo, é poder contar para você, sempre de forma agradável, fatos, acontecimentos, fantasias, sonhos... Enfim, contar algo que o faça sorrir, chorar, pensar, refletir, sentir a vida como ela é, ou seja, cheia de emoções, aventuras, surpresas e, sobretudo, desafiadora para ninguém botar defeito. Não é mesmo, caro leitor? Porém, por ora, deixemos a filosofia de lado e vamos para o que interessa.

Nos últimos três dias estive, acho eu pela terceira vez, numa cidadezinha de nome engraçado, de modo que, toda vez que falo nela, o ouvinte interpela:

- Bady Bassit? Onde fica? É perto de São Paulo?

- É sim - respondo.

Trata-se de uma cidadezinha próxima a São José do Rio Preto, Estado de São Paulo. O nome dado a ela foi em homenagem a um deputado da região. Há também uma importante avenida com o seu nome na cidade de São José do Rio Preto, chamada carinhosamente pelos seus cidadãos de Rio Preto, assim como os cidadãos de Bady Bassit chamam a sua cidade de Bady.

Por lá, entre Bady e Rio Preto, moram alguns parentes meus. São primos e mais primos que foram criados distantes; quando se reencontram, é uma verdadeira festa. Um deles, o primo Luís, mora num sítio próximo de Bady, onde, dado o sossego do lugar, o clima quente e gostoso, a topografia relativamente plana e a terra muito fértil para lavoura, parece um verdadeiro paraíso.

Penso que uma boa forma para você conhecer e apreciar um lugar qualquer é visitá-lo em diferentes épocas do ano. Assim, será possível avaliar as diferenças de uma estação climática para a outra, percebendo-se qual a mais agradável da região, ou seja, qual a época mais quente, fria, chuvosa, etc.

Das outras duas vezes em que estive no sítio do primo Luís - a primeira foi no verão do ano passado e a outra no verão deste ano -, como esperado, o calor estava presente. Aliás, o que é muito bom para nós, pálidos cidadãos embolorados da grande São Paulo, que vemos e sentimos o sol somente quando vamos ao Parque Ibirapuera em dias de verão, desde que não haja muita poluição pairando sobre nossas cabeças.

Desta vez, fim de outono e quase início de inverno, pude apreciar, desde a chegada até o último dia da nossa estada, as duas estações do ano. Logo quando chegamos, no final da tarde, eu e minha família, percorrendo a estradinha sinuosa e poeirenta que nos levaria ao sítio, pudemos apreciar com encantamento o pôr-do-sol daquele dia. A cor dourada do astro-rei estava presente por toda parte. Por onde quer que se olhasse, lá estava ela: brilhando, cintilando, reluzindo por todos os lados, principalmente nas folhas das copas das árvores e na relva rastejante aos nossos pés, fazendo com que a vida presente à nossa volta, em todos os cantos, tornasse-se mais exuberante do que nunca. Era como se estivéssemos entrando num vale dourado, tão próspero como jamais visto por nós, em que o Criador caprichosamente houvesse colocado com perfeição e sabedoria cada criatura no seu devido lugar, estando tudo o mais em perfeito equilíbrio. Respirei fundo diversas vezes, deixando que aqueles ares puros e frios entrassem nos meus pulmões revigorando minhas forças, já quase exauridas pela desgastante vida agitada da cidade grande.

Devagarinho, a cada minuto que passava, fui me esquecendo da vida artificial da cidade, adentrando a vida natural do campo. Logo, logo, mesmo que temporariamente, tomei conta das rotinas outrora vividas e conhecidas do convívio saudável com a natureza. Desta forma, depois de muitas prosas compridas trocadas com o primo Luís, passei a saber de tudo o que estava acontecendo no sítio, desde as dificuldades, como falta de chuvas, preço baixo da arroba do boi, até os planos de melhoria que ele tinha em mente, como, por exemplo, a busca do aumento de produtividade na lavoura e a ampliação das instalações do curral, visando conseguir um tempo menor na engorda do gado.

No dia seguinte, fomos ao casamento da cunhada do primo Luís. Conheci, então, uma nova cidade, que certamente não existe no mapa, chamada Itapirema. Itapirema, para quem não sabe, fica depois de Nova Aliança, outra cidadezinha provavelmente desconhecida. É um lugarejo muito simpático, de poucas ruas, mas quase todas asfaltadas e limpas. As lavouras ficam quase dentro da cidade. A pracinha, com árvores bem cuidadas, tem lá a sua igreja, o seu habitual pipoqueiro e até um terminal rodoviário, o qual tem espaço para dois ônibus, um de cada lado. Dignas de nota, para serem apreciadas pelo visitante, são as casas. Estas, embora simples e humildes, são extremamente bem cuidadas e conservadas. Seus quintais, normalmente grandes - acredite, leitor -, são de uma limpeza digna de qualquer lanchonete Mc Donald's.

Todos os simpáticos e sorridentes habitantes da cidadezinha se conhecem. Forasteiros são notados a distância, porém tratados com educação e fineza de fazerem inveja à alta sociedade da capital. Na festa de casamento, todo mundo entrou: convidado, não convidado, com presente, sem presente. A fartura de comida e bebida deu para todos: os que chegaram na hora e os que chegaram atrasados. Ouvimos músicas caipiras e modernas, estrangeiras e nacionais. Bebemos bastante cerveja e o churrasco vinha acompanhado de um molho especial, feito à base de tomate, que eu nunca tinha visto antes. Por fim, deixamos as cerimônias de lado e terminamos a festa rindo à toa e lambendo os dedos de tão gostoso que estava aquele churrasco caipira legítimo, do qual jamais me esquecerei.

Fim de festa. De regresso para o sítio, no caminho, fui eu pensando sobre tudo o que havia visto nas últimas horas... Logo vieram ideias à minha mente que me levaram a escrever esta crônica simples - o que não poderia ser diferente, pois tudo que vivi, senti e ouvi nos dias que lá fiquei, naquele lugar pequenino e simples, foi singelamente simples e bonito. Todavia, para mim, foi mais do que um passeio a um lugar simples e pequenino. Foi, sobretudo, uma confirmação viva do que já sabia, mas andava meio esquecido e precisava relembrar. Relembrar de que a felicidade é irmã gêmea da simplicidade, de modo que, onde quer que você esteja, ela, a felicidade, estará sempre nas coisas simples, nas pessoas simples, nos lugares simples, etc.

Será que você, leitor, assim como eu, também não anda meio esquecido? Se não estiver, ótimo. Porém, se estiver e compartilhar da mesma opinião, dê uma olhada à sua volta e procure algo que considere realmente simples, que poderá lhe trazer felicidade. Verá que tenho razão ao notar uma beleza singular, residente naquilo que você encontrar. Caso não encontre nada de beleza singular e realmente simples, comece então a olhar para dentro de si mesmo e encontrará a simplicidade do interior e esta lhe fará feliz.

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br