A Garganta da Serpente
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Pescaria de infância

(João Brito)

Houve uma época em que eu, meu irmão Jessé - menino levado da breca, dizia meu pai - e alguns amigos da nossa idade, que moravam perto da nossa casa, frequentemente íamos pescar na fazenda do Zoroastro, conhecido fazendeiro da região. Na verdade, pescávamos próximos à fazenda, num ribeirão de águas claras e vegetação ribeirinha abundante, porque era proibido pescar na represa da fazenda. Além disto, não tínhamos coragem de passar perto dos búfalos que lá eram criados, porque sabíamos que eles, os búfalos, eram animais bravios que corriam atrás da gente.

De qualquer forma ficávamos contentes com as pescarias no ribeirão, no qual sempre descobríamos um novo pesqueiro, um novo remanso quando lá íamos pescar. Às vezes era um pesqueiro de tilápias, outras vezes era de lambaris do tipo prata, lindos, maiores que os de rabos vermelhos e mais vorazes no ataque às iscas, e por isso proporcionavam a nós, pequenos pescadores, maior esportividade e alegria. Enfim, era um lugar tão lindo e misterioso para nós crianças que nunca mais encontrei outro igual.

Porém, a cada pescaria ficava sempre aquela vontade danada de fazer uma pescaria na represa da fazenda, onde sabíamos que existiam tilápias enormes apanhadas pelos pescadores autorizados pelo fazendeiro.

Certo dia que fomos lá no ribeirão pescar, não avistamos os temíveis búfalos por perto da represa, então ficamos com cosquinhas de arriscar a dar só uma "pes-cadinha". Lá fomos nós sorrateiramente sem deixar que alguém percebesse nossa presença, bem como tomando o maior cuidado de não topar de cara com um distraído búfalo qualquer. Logo que chegamos, já pudemos constatar a piscosidade do lugar, pois a cada isca lançada conseguíamos fisgar tilápias de porte maior a que estávamos acostumados. No entanto, não demorou muito para aparecer um empregado da fazenda com cara de zangado e pela pressa com que ele vinha em nossa direção parecia que não trazia qualquer hospitalidade para nos oferecer, muito menos uma permissão por escrito do fazendeiro.

Rapidamente, começamos a arrumar as traias para dar no pé antes que ele, o empregado, viesse a dar a bronca e nos tirar as varas de pesca, que com certeza eram as únicas que tínhamos. Lembro-me de que, na retirada do lugar, fiquei por último porque sentia que mais uma tilápia estava mamando na isca e eu não queria de forma alguma perdê-la. Até que a danada deu um puxão para baixo do estaleiro e por pouco não consegui tirá-la de lá, pois a "bicha" era (sem exageros) uma bruta tilápia de meio quilo e quase trinta centímetros de diâmetro.

Fiquei atônito e maravilhado com a "bitela" tilápia, enfiei-a rapidamente no meu embornal e mal tive tempo para enrolar a linha na vara e sair no "pé dois" numa correria doida pelos campos encharcados de água, até passar a cerca da beira do rio e sumir no mato. Quando nos encontramos, toda a molecada ficou "babando" com a minha tilápia, todos queriam pegá-la e sentir o peso da "bicha", e eu fiquei orgulhoso com as proezas que tinha conseguido naquele dia - a primeira, tinha finalmente pescado na cobiçada represa; a segunda, tinha pegado o maior peixão de todos.

Achamos que, apesar do "suadô" - como diz o caipira - que o empregado da fazenda tinha dado na gente, e não os temíveis búfalos como estávamos esperando, tinha valido a pena fazer aquela aventura, da qual sempre vou me lembrar quando vir um menino qualquer de pés descalços, um boné surrado na cabeça, um caniço nas mãos e um embornal no ombro, caminhando em direção a um córrego para os paulistas, ou de um "corgo" para um caipira, ou ainda para uma lagoa qualquer em que tenha se ouvido falar que tem peixe.

Moral da história: "Por mais temível que possa parecer um animal para uma criança, sempre haverá um outro mais temível que todos. Este animal, muito embora de aparência inofensiva, sempre será o HOMEM que, ironicamente, um dia também foi uma inofensiva criança".

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