Houve uma época em que eu, meu irmão Jessé - menino levado
da breca, dizia meu pai - e alguns amigos da nossa idade, que moravam perto
da nossa casa, frequentemente íamos pescar na fazenda do Zoroastro,
conhecido fazendeiro da região. Na verdade, pescávamos próximos
à fazenda, num ribeirão de águas claras e vegetação
ribeirinha abundante, porque era proibido pescar na represa da fazenda. Além
disto, não tínhamos coragem de passar perto dos búfalos
que lá eram criados, porque sabíamos que eles, os búfalos,
eram animais bravios que corriam atrás da gente.
De qualquer forma ficávamos contentes com as pescarias no ribeirão,
no qual sempre descobríamos um novo pesqueiro, um novo remanso quando
lá íamos pescar. Às vezes era um pesqueiro de tilápias,
outras vezes era de lambaris do tipo prata, lindos, maiores que os de rabos
vermelhos e mais vorazes no ataque às iscas, e por isso proporcionavam
a nós, pequenos pescadores, maior esportividade e alegria. Enfim, era
um lugar tão lindo e misterioso para nós crianças que nunca
mais encontrei outro igual.
Porém, a cada pescaria ficava sempre aquela vontade danada de fazer uma
pescaria na represa da fazenda, onde sabíamos que existiam tilápias
enormes apanhadas pelos pescadores autorizados pelo fazendeiro.
Certo dia que fomos lá no ribeirão pescar, não avistamos
os temíveis búfalos por perto da represa, então ficamos
com cosquinhas de arriscar a dar só uma "pes-cadinha". Lá
fomos nós sorrateiramente sem deixar que alguém percebesse nossa
presença, bem como tomando o maior cuidado de não topar de cara
com um distraído búfalo qualquer. Logo que chegamos, já
pudemos constatar a piscosidade do lugar, pois a cada isca lançada conseguíamos
fisgar tilápias de porte maior a que estávamos acostumados. No
entanto, não demorou muito para aparecer um empregado da fazenda com
cara de zangado e pela pressa com que ele vinha em nossa direção
parecia que não trazia qualquer hospitalidade para nos oferecer, muito
menos uma permissão por escrito do fazendeiro.
Rapidamente, começamos a arrumar as traias para dar no pé antes
que ele, o empregado, viesse a dar a bronca e nos tirar as varas de pesca, que
com certeza eram as únicas que tínhamos. Lembro-me de que, na
retirada do lugar, fiquei por último porque sentia que mais uma tilápia
estava mamando na isca e eu não queria de forma alguma perdê-la.
Até que a danada deu um puxão para baixo do estaleiro e por pouco
não consegui tirá-la de lá, pois a "bicha" era
(sem exageros) uma bruta tilápia de meio quilo e quase trinta centímetros
de diâmetro.
Fiquei atônito e maravilhado com a "bitela" tilápia,
enfiei-a rapidamente no meu embornal e mal tive tempo para enrolar a linha na
vara e sair no "pé dois" numa correria doida pelos campos encharcados
de água, até passar a cerca da beira do rio e sumir no mato. Quando
nos encontramos, toda a molecada ficou "babando" com a minha tilápia,
todos queriam pegá-la e sentir o peso da "bicha", e eu fiquei
orgulhoso com as proezas que tinha conseguido naquele dia - a primeira, tinha
finalmente pescado na cobiçada represa; a segunda, tinha pegado o maior
peixão de todos.
Achamos que, apesar do "suadô" - como diz o caipira - que o
empregado da fazenda tinha dado na gente, e não os temíveis búfalos
como estávamos esperando, tinha valido a pena fazer aquela aventura,
da qual sempre vou me lembrar quando vir um menino qualquer de pés descalços,
um boné surrado na cabeça, um caniço nas mãos e
um embornal no ombro, caminhando em direção a um córrego
para os paulistas, ou de um "corgo" para um caipira, ou ainda para
uma lagoa qualquer em que tenha se ouvido falar que tem peixe.
Moral da história: "Por mais temível que possa parecer um
animal para uma criança, sempre haverá um outro mais temível
que todos. Este animal, muito embora de aparência inofensiva, sempre será
o HOMEM que, ironicamente, um dia também foi uma inofensiva criança".