F'atuhya não conseguia se desvencilhar dos aborígines, nem dos
humanos vestidos estranhamente, que o atacavam. Já havia matado alguns
deles da pior maneira possível com os seus braços espinhentos
e letais, no intuito de deixá-los assustados, mas eram persistentes,
não se davam por vencidos. Muitos começavam a sentir reações
estranhas e tornavam-se agressivos contra os seus, só pelo simples contato
com o líquido que saía dos seus ferimentos, e ficara na vegetação
pelo caminho. O seu traje protetor encontrava-se em frangalhos e a máscara
que envolvia toda a sua cabeça partira-se em alguns lugares; respirava
com dificuldades e se tombasse ali, ninguém poderia imaginar o que aconteceria
com aquele povo, ou talvez com aquelas tribos, ou quiçá com o
mundo... Por isso que tentava chegar o mais rápido possível até
aquele monte rochoso que vira quando sua nave entrou em pane. Percebera também
algumas cavernas e com um pouco de sorte, poderia se ocultar no interior de
uma delas. As lanças arremessadas ricocheteavam no escudo protetor do
seu traje, contudo, outras menores, que utilizavam lâminas de vidro, essas
rompiam a aura eletrônica e lhe rasgavam a carne. Sentia dores lancinantes
e urrava feito um animal acuado, apavorado, raivoso. Eles sabiam como ele era;
conheciam seus hábitos e como agia, só desconheciam o que aconteceria
quando se tornasse muito furioso. Procurava se controlar para não romper
as cápsulas de segurança, que já se tornavam críticas...
Mas ainda não haviam chegado aos limites do perigo vital. Aos poucos
foi se aproximando do monte e viu as cavernas mais adiante. Precisava afastar
para bem longe os selvagens. Ergueu o visor de cristal e expeliu uma espécie
de líquido esbranquiçado por sobre a vegetação a
certa distância. A reserva de "Trynum" acabaria em breve, aquela
fora a última descarga. Necessitaria de tempo para se recuperar e isso
ele não tinha. Penetrou na caverna e foi logo procurando um caminho que
o levasse diretamente às profundezas. Estava sem o seu "visualizador
orgânico", e naquela sua fuga desembalada e, às cegas, ia
tropeçando, escorregando por barrancos, descidas íngremes, caindo
em vazios, chocando-se em solos pedregosos e muito úmidos. A cada baque
contra o chão, pressentia algo interno se revoltando, se revirando, enchendo-se
de ódio. Quanto mais profundamente fosse, melhor seria para o povo daquele
planeta. Sentia pena deles.
Finalmente, depois de horas e horas naquela debandada correria, arrastando-se
ou deixando-se levar por rios subterrâneos que se perdiam em fossas obscuras,
o que restava do seu corpo encontrou um local firme, seguro e no mais completo
isolamento e escuridão.
Por breves momentos ouviu-se um ruído áspero, parecendo uma respiração
estrangulada, depois apenas o silêncio dominou. F'atuhya entregava-se
passivamente à sua morte cósmica...
Um filete esverdeado e fosforescente surgiu, rompendo as trevas, e foi se enraizando
por todo o corpo inerte. O traje todo rasgado entrava em combustão química
e ia se diluindo pelo chão. Seu corpo se abriu em chamas, mas não
inflamava, apenas emitia uma luminosidade radiante e forte, deixando ver a imensa
abóbada da caverna cheia de estalactites e estalagmites como torres se
perdendo nas alturas. Em seguida uma bolha pastosa foi se avolumando e eclodiu,
corroendo, como um ácido muito forte tudo o que restara do corpo e tudo
ao redor. Algo invisível e fétido se espalhou em todas as direções,
alcançando os buracos, penetrando pelas raízes, pelas locas, fendas,
frestas e por onde passava tudo ia morrendo. Minúsculos insetos, pequenos
animais em suas tocas, seres das profundezas se contorciam em espasmos atrozes
e mortais quando seus corpos eram invadidos por algo muito nefasto e terrível,
que os consumia de dentro para fora, deixando apenas uma carcaça viscosa
e sanguinolenta...
*****
O Planeta Yhons fica apenas a 6 anos-luz da Terra. Nas noites de inverno a
leste da Constelação do Enforcado, bem junto à língua,
percebe-se um grande espiral de vermelho profundo destacando-se contra um céu
negro e quase vazio; e envolvendo uma estrela trigeminada, um imenso anel de
massa gasosa composta de gelo e poeira radiativa, que é projetado ao
espaço numa constante rotação, que aprisiona o planeta
nesse turbilhão de energia, em seu interior. E misturados a essa força
incessante de massa cósmica habitam os Yhons, mesclados e moldados a
uma vida de furor contínuo, que surgem do âmago do planeta, traçam
seus destinos baseados na expulsão dos elementos vivos que irradiam para
além do cosmo e se incorporam dentro das tênues carapaças
protetoras que desenvolvem distantes de toda a convulsão atômica
do seu mundo.
Libertos, suas formas de corpos transparentes e fosforescentes vão se
adaptando às condições do meio o qual escolheram. Os Yhons
são seres de inteligência superiora, e enquanto no primeiro estágio
de "estrelinganphor" ou adolescência precoce, suas múltiplas
ramificações braçais recolhem do espaço ao redor,
emanações radiativas que ajudam a fortalecer seus dons telepáticos.
Abandonando essa fase crítica, considerada penosa, partem em busca de
um hospedeiro isolado, onde possam se desenvolver completamente. A mutação
ou transformação só acontece após alojarem-se num
invólucro protetor. Amoldam-se às condições do habitat,
inibem suas funções destruidoras, que permanecem isoladas dentro
das tênues carapaças primitivas. Na verdade, os Yhons procuram
se proteger do mundo exterior e do seu próprio inferno interior, pois
ao romper uma dessas carapaças, o vírus letal que sai, através
do seu corpo, muta sua estrutura de acordo com a temperatura ambiente e se dissemina
através da corrente de ar, exterminando com tudo ao redor. Cada ser do
planeta Yhons procurava se preservar dentro de trajes completamente lacrados,
com temperaturas opostas às do seu mundo, pois essas mesmas cápsulas
primitivas os mantinham vivos, pela constante mistura do ácido que liberava
para a sua osmose sanguínea.
F'atuhya, este foi o nome que ganhou dos nativos humanos que o acolheram quando
chegou àquele lugar estranho. "O Temor das Estrelas" era o
seu significado. Humanos... Assim se classificavam. Humanos viventes no planeta
ao qual não pertenciam... Usavam-no apenas por determinado tempo... Humanos,
terrestres... Essa era uma interpretação muito dúbia para
os símbolos sinápticos que recebia daquelas criaturas. Uma forma
de mantê-los afastados do perigo que representava para eles foi o controle
de suas mentes. Um ou outro é que ocasionalmente pensava de forma diferente,
contudo conseguia dominá-los com facilidade, porém as fêmeas
eram mais ariscas e mantinham suas ondas cerebrais em um nível de controle
assustador! Acreditava que isso acontecia em decorrência do deflúvio
sanguíneo a que se submetiam e juntamente com a forte tensão
emocional em que viviam constantemente: uma dupla zona de descargas eletrônicas
anormais que percorriam o cérebro delas em sentidos múltiplos,
opostos e conflitantes, impedindo a sua manipulação mental. Era
novidade tal constatação! O seu poder cósmico ultrapassava
barreiras infinitas... Os machos eram mais dóceis e fraquejavam sempre
diante de uma ordem direta.
A sua imensa forma desajeitada se encaixava com perfeição dentro
do invólucro de substância orgânica que conseguira arranjar.
Depois, os largos trajes externos permitiram desenvolver melhor uma estrutura
de proteção contra aquela atmosfera hostil e ambiente selvagem.
Entre o seu corpo, como poderia se chamar, e a tal vestimenta exterior, existia
uma crosta finíssima de resina , e entre ela e o corpo, um líquido
esponjoso, gosmento, de coloração fosfórica, quase esbranquiçado,
que era o "Trynum", e que podia ser considerado, no bom sentido biológico,
como exemplo do plasma humano em decomposição, só que com
um conjunto de átomos em disposição espacial diferente
e desenvolvido em contínuo processo de quimiossíntese, o qual
era expelido eventualmente pelos poros espinhentos ou sobre pressão tensional.
O ser que ocupara aquele corpo anteriormente fora um brilhante guerreiro Vxol
que, em campo de batalha, abandonara seu entorno numa fuga pelas galáxias.
Um piloto espacial... Vira através das imagens mentais, a distância,
seres em trajes como aquele no qual se encontrava, viajando em naves espaciais
pelo espaço infinito. Os Vxol sempre foram ótimos hospedeiros!
Os nativos o tratavam como a uma divindade muito especial; em si, todos daquela
aldeia e das cercanias participavam de uma adoração todas as vezes
que um astro prateado ascendia naquele céu cheio de pontinhos brilhantes
- ele observava também as noites límpidas e os astros errantes
no espaço infinito, todavia, não sentia nenhuma saudade, nem lembranças
- Sacrificavam animais e outras pequenas criaturas num altar diante de F'atuhya,
e dançavam vestidos com artefatos coloridos numa caracterização
sua, até o outro astro maior crescer no horizonte. Percebia que a sua
presença era imutável e para não fazer desfeitas, apenas
elevava um dos braços e emitia uma espécie de grunhido, o que
todos repetiam em uníssono durante os festejos.
No período em que se manteve completamente enclausurado e naquela aldeia,
mostrou-se telepaticamente somente para aquele que era denominado de "O
Grande Feiticeiro", o "Curandeiro", o "Sábio",
os caminhos da sua senda: de onde tinha vindo, como eram os da sua espécie,
como agiam, viviam... E o mapa estelar, que fora rabiscado no chão e
depois desenhado nas paredes do interior de uma caverna, para que as futuras
gerações lembrassem da sua visita à tribo.
Romper o lacre da sua existência recolhida e se dissipar por aquele planeta
ainda desconhecido, por zonas de saber infinito num êxtase de glória
trariam agonia e desespero para as criaturas que viviam naquele universo reduzido
à desolação e miséria. A sua essência lutava
por um mínimo de existência, mas ele temia libertá-la.
Certo dia, o curandeiro falou-lhe a respeito da sua tribo, das necessidades,
das dificuldades e principalmente das doenças e mortes... Preocupava-se
com a continuidade do seu povo, da sua raça. Suplicava pela ajuda daquele
ser divino, pela sua complacência... Para a permanência da vida
ou a eternidade da morte... Ele compreendia aquele sentimento. O Feiticeiro
lhe descrevia muita bem a situação. Discorria mentalmente com
clareza as atrocidades a que fora submetida toda a sua tribo... Falava sobre
desolação e desesperanças contínuas...
... Aplacar algumas doenças utilizando uma pequena porção
do "Trynum" para salvar vidas. O estertor da morte ele percebia vindo
de tudo que o cercava. A crueldade da natureza com aqueles seres não
era muito diferente da sua ontogênese. Possuíam parcas calorias,
e seus alimentos eram insuficientes de proteínas e outros produtos que
pudessem fortalecer suas refeições. Apesar de toda aquela deficiência,
nasciam crianças saudáveis - de mães sugadas de energia
-, e com o tempo se tornavam também fracas e esquálidas. Ao misturar
uma simples gota da sua "osmose sanguínea" na beberagem
do curandeiro, poderia influenciar na "gênese evolutiva"
daquelas pequenas pobres criaturas que padeciam. O seu interlocutor mental,
participante daquela "experiência cósmica" sabia das
drásticas consequências, caso não desse resultado:
a morte de toda a tribo, e numa extensão até onde os olhos pudessem
alcançar, a natureza, em menos de duas luas, estaria fatalmente agonizante
e com possibilidades da sua essência se espalhar através de algum
hospedeiro, caso encontrasse um saudável. Ele não teria mais controle
da situação. Uma coisa era certa, a dosagem seria mínima
para que os doentes pudessem resistir; os mortos teriam que ser imediatamente
levados para bem longe e seus corpos banhados com algum elemento químico
forte e destruídos pelo fogo, antes que seus organismos entrassem em
decomposição viral e contaminassem a todos. Não bastaria
só enterrá-los!
"N'gnugu'b'elê" foi o que assimilou para o nome dado
à beberagem do feiticeiro. Morte Negra seria a tradução
mais exata. Grande parte da tribo se salvou da doença e tornaram-se fortes,
mais resistentes, inclusive até mentalmente mais cognitivos com F'atuhya.
Sabiam que carregavam em seus corpos um poder sobre-humano vindo das estrelas.
Os mortos eram levados em seus próprios trapos de tecidos e jogados numa
imensa fogueira. Quando as mães viam seus filhos sendo devorados pelas
chamas, caíam nas mais profundas lamentações e choros angustiantes.
F'atuhya identificava essas descargas eletrônicas mentais com o furor
dos elementos que os expulsavam para o espaço. A perda das suas raízes,
o estupor furioso, a sanha animalesca que nascia do pueril, do inocente e convulgia
todo o interior, principiando dali a revolta e o desejo de vingança implacável
contra o Universo. Ele sentia isso... Por isso que as fêmeas conseguiam
insurgir contra a sua manipulação mesmérica. Entretanto,
essa prevenção só durava enquanto elas permaneciam procriando;
quando a fertilidade acabava, rompia-se a sua estabilidade mental e então,
as fêmeas se tornavam joguetes muito mais perigosos do que os machos...
*****
Muito tempo se passou até que um dia, na escolha para o novo chefe da
tribo, grupos rivais entraram em atrito, e o ganhador pela sua supremacia, expulsou
os perdedores, condenando-os ao ostracismo. Antes de partirem, na calada da
noite, mataram o feiticeiro, roubaram o vasilhame contendo o "N'gnugu'b'elê",
pois acreditavam que a beberagem daria poder a eles. Sumiram sorrateiramente
nas trevas, sempre acoitados pela vegetação, mas durante essa
caminhada foram possuídos e assustados por entes fantasmagóricos,
que viam através de suas mentes e incitava-os à violência.
Nesses ataques, feriam-se uns aos outros e a si próprios. O medo, o terror
e o estado de excitação muito alta liberavam grande taxa de adrenalina
e um cheiro fortíssimo de suor, e começaram a ser rodeados por
feras verdadeiras, reais, que não haviam saído do universo imaginário.
Perceberam isso quando o primeiro ataque surpresa dizimou os que vinham mais
afastados do grupo. Com o susto repentino, os que estavam mais à frente,
ao invés de permanecerem unidos, debandaram-se para todos os lados, tornando-se
cada um presa fácil para os animais noturnos esfomeados. E, de vez em
quando, das trevas subiam gritos humanos angustiados, sufocado e doloroso, que
eram logo abafados por rugidos animalescos em plena fúria do ataque.
O amanhecer surgia, e por todos os lados, numa clareira próxima a um
lago de águas esverdeadas, viam-se corpos esfacelados, já em adiantado
estado de decomposição e à medida em que a claridade do
sol ia avançando, os corpos borbulhavam nos poros e das feridas abertas
saía um líquido espumante, esbranquiçado e acidífero,
que ia derretendo a carne restante.
Centenas de animais moviam-se pelo descampado alheios a tudo aquilo, pareciam
temer uma aproximação, entretanto, pequenos macacos muito curiosos
chegavam-se bem devagar, e alguns mais curiosos até remexiam as roupas
e futucavam tudo. Uns encontraram um bornal com uma botija de barro fechada
com tampa roliça e de tanto rolarem o vasilhame acabaram quebrando-o,
e um líquido viscoso escorreu do interior... Mas não penetrou
na terra seca; ficou empossado, brilhante e bastante convidativo. Os macaquinhos,
como que atraídos, hipnotizados, puseram-se a bebê-lo avidamente
até não restar mais nenhum resquício sequer.
E o que se viu mais tarde espantou até os maiores animais, que saíam
em desembalado galope para bem distante. De alguns dos primatas que ingeriram
do líquido, seus corpos foram tomados de violentos espasmos, e seus ventres
se contorciam como se algo vivo e diabólico quisesse saltar para fora;
e seus olhos, completamente injetados de sangue reviravam. E as pequenas criaturas
pulavam aterrorizadas e cheias de dores, enquanto expunham seus intestinos junto
com as fezes, e depois de muita luta e espalhando aquela massa sanguinolenta
por diversos lugares, estertoravam e caíam mortos. Um silêncio
mortal cobria toda a estepe. A natureza se recolhia em desespero diante do terror
que se afrontava...
*****
F'atuhya lamentava o acontecido, e, principalmente, da morte do seu único
e verdadeiro amigo, o Feiticeiro, mas os criminosos haviam pago na mesma moeda.
E o seu poder psíquico aumentava com o seu "Trynum" se espalhando.
Duas coisas eram importantes e imprescindíveis para a sua segurança:
os glóbulos oculares e os testículos. Através da visão
do hospedeiro podia observar ao redor, conhecer aquele planeta e se proteger
mais. Infelizmente, as suas proteínas alienígenas se tornavam
ácidas e muito violentas ao penetrar no corpo das criaturas terrestres,
afetando rapidamente a visão e os órgãos sexuais. Os primatas
e os humanos possuíam uma espécie de enzima nessas partes que
fortalecia cada ciclo de evolução, possibilitando de certa forma,
desenvolver colônias externas. Muitos humanos possuíam resistências
físicas e se tornavam verdadeiros transmissores potenciais indiretos
do "Trynum", e que alguns classificavam como vírus... F'atuhya
sabia de tudo o que acontecia, mas o pior ainda estava por vir.
A liberação indiscriminada do seu "Trynum" possibilitava
reações químicas e genéticas assustadoras. A inteligência
do vírus ao adquirir múltiplas formas de ataques, dificultava
que fosse identificado e exterminado. Todavia, o mais temido e mortal elemento
destruidor ainda permanecia aprisionado dentro de si, alimentando-o, produzindo
proteínas para a sua osmose, e aguardando o momento de explodir num ataque
fulminante. A diferença entre o seu plasma "Trynum" e o casulo
primal é que um significava o resto, o refugo eliminado como efeito da
osmose sanguínea, portanto o teor de acidez viral estava bastante
enfraquecido na sua composição total. Porém não
menos poderoso. O outro, o cerne, no seu potencial, se liberado, espalharia
em pouco tempo a pior morte jamais conhecida e vista pelos olhos humanos; e
não haveria remédios que combatessem o seu efeito letal, pois
quando se visse acuada se camuflaria dentro das células de diversos hospedeiros,
permanecendo como que adormecida por anos e anos terrestres.
O perfil do "Trynum" era idêntico na sua voracidade... Depois,
lentamente, iria modificando o comportamento psicológico dos seus hospedeiros,
tornando-os mais agressivos e ameaçadores. A sua estratégia de
sobrevivência não visava a matar seus hospedeiros de imediato,
mas quando acontecessem suas mortes, se não fossem ocasionadas pelo alto
nível de senilidade desregrada, seriam violentas, e com aspectos repugnantes!
De qualquer forma, o contato com o sangue ou respirar no espaço onde
se encontrassem os cadáveres era o meio mais eficaz para o contágio,
sem falar na disseminação aérea. Quando completamente ativos,
em menos de 12 horas poderiam exterminar com populações inteiras,
incluindo outras formas de vida.
F'atuhya fazia um diagnóstico do que aconteceria, porém não
tinha culpa de ser assim. Vinha de um mundo com estruturas genéticas
diferentes, e vir para aquele planeta fora uma mera fatalidade para aquelas
criaturas.
Para que nada de mal lhes acontecesse realmente, - restando-lhes apenas o
"Trynum" denominado de "Morte Negra", para o qual um dia
poderiam encontrar um antídoto -, o ideal seria morrer isolado e
calmamente num buraco, bem nas profundezas da terra. As cápsulas primitivas
entrariam em colapso e, em estado de involução, até serem
absorvidas pela própria proteína. Mas naquele mundo cuja modalidade
de tempo/espaço era o oposto ao seu, passar-se-iam milhões de
anos antes que conseguissem tal intento. Vivia continuamente em estado de defesa
e alerta contra tudo e contra todos. A aproximação mínima
sequer dele, de quaisquer espécies de vida daquele mundo, punha em risco
a sua sobrevivência. A não ser que já fosse um hospedeiro.
O seu amigo feiticeiro fora uma exceção à parte. Não
fora um hospedeiro e considerava-o extremamente evoluído.
Ser uma massa disforme acomodada dentro de um invólucro com um terço
a menos do seu tamanho possibilitava-o uma locomoção mais rápida
em caso de fuga, e a maioria dos seres que ingeriram a beberagem na tribo, se
encontravam dispersos pela região, sendo que alguns já entravam
em processo de convulsões espasmódicas, vomitando sangue e expelindo
seus intestinos pelo ânus. Precisava alcançar mais além,
o mundo depois das fronteiras; hospedeiros mais inteligentes e de mentes mais
abertas ao novo amanhecer. F'atuhya ansiava conhecer as grandes civilizações,
os centros populacionais, mesmo que para isso necessitasse do sacrifício
de alguns humanos. Ele não podia ser tão condescendente com as
criaturas, mesmo porque a sua essência não lhe permitia. O único
gesto de boa vontade que podia demonstrar seria de uma morte rápida,
indolor e quase fulminante. Poucos minutos... Seria o máximo de tempo
que um humano disporia após as manifestações dos primeiros
sintomas...
*****
O conhecimento que vinha recebendo sobre o planeta Terra o deixava maravilhado!
Nunca, em toda a sua vida, poderia imaginar que existisse um mundo com tamanho
esplendor! Só lamentava que seus hospedeiros não tivessem tanta
resistência... Contudo, ficava extasiado assim mesmo, porque era um mundo
de natureza próspera e rica, mas fatal para a propagação
de qualquer hantavírus, como os humanos começavam a classificar
a família de micróbios letais, ou vírus emergentes que
se proliferavam pela humanidade largando por onde passavam, pilhas e mais pilhas
de cadáveres. O "Trynum" já possuía nome próprio:
"N'gnugu'b'elê" ou Morte Negra! E denominá-lo
com outras classificações se tornava mais confuso. Mas não
tinha culpa dos acontecimentos, porque as condições climáticas
e atmosféricas, misturadas com as impurezas e a poluição
favoreciam a sua disseminação e a de qualquer outro tipo de moléstia
mais grave. Se o hospedeiro fosse um indivíduo forte, saudável,
seu próprio organismo seria uma defesa mortal, mas o que podia perceber,
em suas profundas incursões, é que o homem se tornara há
muito tempo, um ótimo celeiro para seu abrigo. Uma fonte inesgotável
de prazer!
F'atuhya sabia de tudo isso e muito mais. O tempo passava e a cada minuto outras
formas desconhecidas de micróbios surgiam... Ou vindas do espaço
profundo... Ou desenvolvidas em laboratórios genéticos e depois
despejadas irresponsavelmente nos depósitos de lixo a céu aberto...
E a mutação sequencial dos vírus híbridos em
micróbios mortais, e a sua propagação se tornava questão
de adequação temporal atmosférica junto ao ecossistema:
as partículas cósmicas, a camada de ozônio, o efeito estufa,
a poluição do ar, a chuva ácida e as consequentes
tragédias causadas pelos produtos químicos jogados na natureza...
Por tudo isso, não via razão para a humanidade estar tão
apavorada e pessimista...!? Não entendia o porquê do alarde quando
surgiam resfriados, gripes e outras moléstias crônicas deixando
o corpo dos humanos enfraquecidos e abertos a outros tipos de doenças
mais mortais? E, aí estava um problema seriíssimo! O "Trynum"
possuía um tipo de ácido mutante muito forte e inteligente, que
só podia ser combatido nas suas formas mais brandas - os especialistas
utilizavam raios gama e, às vezes, raios ultravioletas ou certos produtos
químicos, contudo o resultado era irrisório -, ou então,
no núcleo, mas com produtos eficazes e aplicações diatérmicas
consistentes. As ondas eletroeletrônicas desestruturavam as "cápsulas
primais" com informações de códigos genéticos
negativos, mas isso era impossível à execução para
um ente humano comum.
*****
Havia um tumulto no interior da aldeia. Acontecia a escolha de novo chefe tribal,
pois o outro morrera em luta com um animal. Os caçadores ainda o encontraram
com vida e, estranhamente, ele balbuciava num murmúrio moribundo: F'atuhya...
F'atuhya... F'atuhya... Seu nome fora pronunciado como última expressão
de existência. Uma coisa não agradava F'atuhya. O chefe escolhido
viera da cidade e com ele, outras ideias que eram claras, cristalinas
e preocupantes a seu respeito... E com muita razão. Um dia, um grupo
com lanças e archotes de fogos avançaram silenciosamente e sorrateiros
por um lado, enquanto outro bando vinha por outro, em sua direção.
F'atuhya pressentiu a presença do perigo e seus braços espinhentos
romperam o traje de proteção, e começaram a esguichar o
"Trynum". Sua massa interior foi se avolumando até o limite
máximo que podia, em defesa do seu núcleo vital. Começou
a recuar pelo lado mais oculto e vazio da mata. Por onde passava a folhagem
ficava molhada pelo "muco" dos seus braços. Uma lança
surgida do nada fincou no seu corpo. Uma reação que nunca havia
sentido emergiu naturalmente do seu interior em forma de um som gutural, sonoro
e assustador. As imagens que conseguia capturar dos selvagens eram confusas
e transtornadas, como se estivessem possuídos por alguma droga alucinógena
muito forte, e junto com eles, outras leituras sinápticas com entornos
criminosos... Figuras dentro de roupas esverdeadas como os pilotos espaciais...
As chamas dos archotes lambiam de fogo a mata ao redor, cercando-o. Queriam
tocaiá-lo, mas conheciam-no muito bem para tentarem uma aproximação
mais direta. Muitas gerações se passaram com todas falando a seu
respeito... F'atuhya fora venerado e protegido por muitas tribos, e agora, era
escorraçado e pretendiam a sua morte!
Andar pelo seu caminho era estar fatalmente contaminado, e todos procuravam
se acercar em meio círculo, mas ele se aproximava da caverna que vira
ao sopé da montanha há muitas eras, quando a sua nave sofrera
a pane, se espatifando contra o solo. Os ataques eram violentos com lanças
feitas com pontas de ossos, e outras com lâminas cristalinas. Essas doíam
mais. Seu traje encontrava-se rasgado e a áurea protetora enfraquecida.
Sentia dores horríveis e urrava feito um animal raivoso e acuado. Viu
a caverna. Precisava afastar para bem longe os selvagens e estranhos. Ergueu
a máscara e esguichou grande quantidade de "Trynum" sobre a
vegetação a certa distância; isso os manteria distraídos
por um bom tempo. Entrou na caverna e, como havia pensado, um longo túnel
cheio de raízes e valões o levaria cada vez mais para o interior.
Foi procurando caminhos que o distanciasse cada vez mais dos seus predadores.
Perdera o seu "visualizador orgânico" durante a fuga, e ia escorregando
por barrancos úmidos, caindo em vazios imensos, até se chocar
e rolar pelo chão pedregoso e escuro. Quanto mais profundamente fosse,
melhor seria para o povo daquele planeta. Quando suas "cápsulas"
se rompessem, no processo de autoproteção, seria o seu fim como
Ser do Planeta Yhons, e passaria para uma outra dimensão de vida... Este
era o seu destino.
Por um breve momento ouviu-se apenas um ruído parecendo uma respiração
estrangulada; depois o silêncio voltou a reinar naquele ambiente de mais
completa escuridão...
... Uma forma fosforescente iluminou a abóbada do interior da caverna,
em seguida foi se enraizando por todo o corpo, até tomá-lo por
completo. Uma espécie de fogo-fátuo ascendia para o alto e para
os lados, até que uma bolha pastosa foi crescendo do meio daquela claridade
e explodiu, dissolvendo totalmente o que restava de F'atuhya. Um cheiro estranho,
uma presença invisível e poderosa despertou e se espalhou rapidamente,
avançando pelos buracos... Retornando ligeira para o caminho de entrada,
e por onde passava ia deixando o seu rastro fatal: milhares de minúsculas
criaturas, animais das trevas se contorcendo em espasmos e caindo mortos, para
segundos depois restarem somente carcaças putrefatas. A sombra da Morte
Negra avançava célere em busca de outras vítimas; precisava
mais do que nunca alcançar o mundo dos humanos, encontrar novos hospedeiros
e disseminar-se por todo o planeta! De repente a corrente de ar que a levaria
para o exterior estancou num baque, logo após uma violenta explosão.
Um grito selvagem e sobrenatural, raivoso, cheio de ódio ouviu-se, vindo
do interior da montanha rochosa... O terror da humanidade ficara aprisionado...
Não para sempre, mas apenas aguardando uma vítima incauta para
o libertar...
NOTA DO NAVEGADOR: Certos relatos me fazem até prender a respiração e temer a própria sombra. Porém, os seres do planeta Yhons são inofensivas criaturas que perambulam pelo espaço infinito em busca de hospedeiros disponíveis, os quais possam ocultar suas formas físicas: um emaranhado de energias e detritos cósmicos liberados de uma caldeira em constante fissão nuclear. No planeta Terra existem locais onde proliferam formas orgânicas complexas que aguardam mudanças climáticas, cargas cósmicas favorecidas e reações bioquímicas negativas ao ecossistema para romperem seus lacres e espalharem-se, independentes dos vírus criados pelo próprio homem.