A Garganta da Serpente
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Reencarnações - Biografia de Um Espírito

(Jussara Fagundes)

"Falar de vidas passadas, é polêmico, das recordações delas muito mais. Mesmo assim senti a necessidade de dividir essas lembranças. Perdoem-me os céticos, porém posso afirmar, que cenas do meu cotidiano do passado, estão gravadas nos refolhos da minha alma, no meu Eu! Como e o por quê do desencadeamento dessas recordações; desconheço.

Brotaram de forma natural e espontânea.

Deixo então, só o relato, as conclusões ficam por conta de quem estiver lendo. Enquanto escrevo, as imagens, cenas, diálogos aparecem mais vivos do que nunca.

A narrativa seguirá as migrações através das épocas, independente do desabrochar das lembranças. O filme que passava na televisão, não foi interessante o suficiente para me manter acordada. A madorna que antecede o sono, levou-me ao desconhecido. Deslumbrante paisagem descortinava-se diante dos meus olhos. O sol, brilhava intenso no céu azul, os campos verdes, ao longe, montanhas que ainda mantinham a neve no alto do cimo. Postei-me de forma que ao meu lado esquerdo, uma residência chamava a minha atenção. Edificada com estuque, pedras e o telhado em palha. Dentro um único cômodo, uma ampla cozinha, lareira, onde uma panela de ferro cozinhava a refeição.

Completando o ambiente, rústica mesa de madeira e bancos. Volto á admirar a beleza do local. Tenho consciência de que está frio, porem não sinto. Duas mulheres saem da casa, rindo, conversando, felizes. São jovens camponesas de um biótipo interessante. Encorpadas, altas, de pele e cabelos claros. Vestem roupas estranhas, de longos vestidos com aventais, tamancos de madeiras e na cabeça um chapéu parecido com o usado pelas holandesas. As vejo agora trabalhando. Moendo grãos. O artefato para a moagem é composto por duas grandes pedras. Uma fixa e a outra móvel; presa no alto por larga tira de couro ligando dois cabos de madeira para que o manejo em ritmo cadenciado de vai-e-vem necessário para a trituração de grãos. Trabalham cantando em um idioma totalmente desconhecido. Lembra alguma língua eslava, quem sabe algo como o alemão. Reconheço-me em uma delas. Sou "levada" a prestar atenção à outra, e vejo-a minha cunhada, esposa do meu irmão.

Acordo cantando a mesma música. Outra época, nova reencarnação de marcante lembrança, o que justifica a minha fixação nas atrocidades do holocausto e a minha identificação com o apelido carinhoso com o que meus familiares me tratam : Sara. Vejo-me moça, na faixa de dezesseis anos, cabelos ruivos, curtos, vestida com sarja, correndo nas ruas, entre prédios de três andares e bombas caindo. Esta me acompanha sempre. Acredito que marcou tão violentamente a ponto de alterar o meu duplo-etéreo a ponto de ainda responder pelo nome que usava à época. Em um pretérito mais próximo do presente, pude constatar a veracidade dos fatos através de dados.

Nesta reencarnei muito próxima da minha atual. A descrevo com muito carinho e amor. Minha mãe, nasceu em uma cidade próxima de Curitiba, Agudos do Sul. A família Fagundes foi uma das pioneiras da região. Meu avô era próspero fazendeiro, proprietário de terras . O coronel Zacarias e Dona Ana tiveram vinte e dois filhos. Muitos morreram de doenças que hoje são simples e tratadas com facilidade, outros de forma violenta. Devido às divergências políticas e a agressividade da época. Não cheguei a conhecê-los, morreram mais de quinze anos antes do meu nascimento. Com cinco anos quando fui com meus pais, conhecer a cidade natal de minha mãe, para surpresa deles, eu conhecia todo o trajeto. Cada pedaço de estrada antevia uma curva aqui, uma ponte acolá. Tudo me era familiar. Minha mãe, me levou à casa que foi dos meus avós; como também fazer visitas para conhecer aos parentes que ainda persistiam em continuar morando lá. Almoçamos com vários familiares, que haviam vindo de suas casas para receberem os que moravam em Curitiba.

O tempo passou. A menina virou mulher e mãe. Uma tarde, minha mãe e suas quatro irmãs conversavam lembrando os velhos tempos. Eu ouvia tudo deliciada. Do nada, lembrei e entrei na conversa para surpresa de todos; inclusive minha. Era como lembrar a atual infância. Vi a casa dos meus pais (avós), no alto, rodeada com varanda de treliça onde roseiras entrelaçavam-se no madeirame transformando em caramanchão. Na parte de trás a porta da cozinha dava para um leve declive que levava para ao rio de pedras. Poucos metros da casa, o poço que fornecia a água para a nossa casa. Eu tinha uns cinco anos, era loura, usava tranças, vestido florido; corria alegre em direção ao rio acompanhada de um cachorro. Nas margens, uma plantação de melancia, com frutos grandes e saborosos. Como sempre fazia, tirei um e o prendi entre as pedras para refrescar, voltando a brincar feliz e descontraída. Sabia que meu pai estava doente e minha mãe não queria que o atrapalhasse. Mesmo assim, me atrevi a ir vê-lo. Nossa sala tinha uns bancos, estilo Luiz XV, que serviam de sofás, uma peça de porcelana ao lado dessas cadeiras, que vim saber por minha mãe e tias, que eram escarradeiras, coisas usadas na época. Da sala, para o quarto dos meus pais havia um pequeno degrau, a porta entreaberta era um convite: espiei!

Tudo estava como sempre. A disposição dos móveis os adereços de decoração. O amplo quarto abrigava moveis trabalhados em madeira escura. A janela, com brancas cortinas de crochê, ficava em frente à cama do casal, esta muito alta com dossel, lençóis alvos e muitos travesseiros de penas de ganso, assim como o acolchoado que descansava aos pés. Mesas de cabeceira com tampo de mármore branco, guarda roupa de quarto portas, cômoda com gavetas e sobre ela um conjunto de bacia e jarro com água. Completando o ambiente uma escrivaninha. Meu pai me viu e me chamou para junto dele. Ouço a minha mãe dizendo: menina, não incomode seu pai, ele está doente.

- Deixa ela Ana. Não está me incomodando. Já havia acordado. Subo rapidamente ao leito e me aconchego feliz e segura ao lado do meu pai. Agora, escrevendo, ainda sinto o cheiro dos lençóis e dos doces que estavam sendo feitos na cozinha. Aí terminam as minhas lembranças. O que conto a seguir foi transmitido pela minha tia mais velha. A menina de trança, chamava-se Felicidade, tinha uma irmã gêmea, que viveu só três meses. A Felicidade faleceu com seis anos vitima de sarampo e grupe. O que trouxe muita dor ao coronel Zacarias, ela era a sua predileta.Foi enterrada no cemitério de Agudos do Sul. Uma prima foi verificar os registros de nascimento e óbito, encontrou os dados necessários para a veracidade da história. Fez mais, foi procurar o mausoléu da família e lá está uma fotografia da menina; segundo ela, parece muito comigo em criança.

Ainda não tive coragem de procurar o meu próprio túmulo.

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